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EXPLORAÇÃO

Mesmo após 30 anos do o filme 'Free Willy', as discussões sobre orcas mantidas em cativeiro continuam

A história de Keiko, que interpretou Willy, mudou a visão de especialistas sobre santuários para animais marinhos

10 de fevereiro de 2024
Júlia Zanluchi
7 min. de leitura
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Imagem de Keiko em 1998 nadando em seu tanque antes de voltar para a Noruega; Foto: Autor desconhecido | Wikimedia Commons

Faz 30 anos desde que o filme ‘Free Willy’ foi lançado e marcou uma geração com a cena da orca saltando para a liberdade e nadando em direção ao pôr do sol com sua família. O filme também ajudou a expor o lado sombrio das orcas em cativeiro, especialmente a história real de Keiko, a baleia que interpretou Willy. Resgatá-lo levou muitos anos e milhões de dólares e, mesmo assim, o desfecho não foi aquele visto nas telas de cinema.

Após o filme se tornar um sucesso de bilheteria, os espectadores logo descobriram que o verdadeiro Willy não estava livre. Ele estava se apresentando em um parque de entretenimento marinho na Cidade do México, em condições precárias. Uma orca em cativeiro teria que dar mais de mil voltas em sua área restrita para cobrir as distâncias diárias que nadaria na natureza, de acordo com Rob Lott, coordenador de campanhas na Whale and Dolphin Conservation (WDC).

Na época, milhares de crianças ligaram e escreveram para o estúdio de cinema, a Warner Bros, e o parque de entretenimento marinho, diz Charles Vinick, diretor do Whale Sanctuary Project (WSP). Elas diziam “ei, vocês nos enganaram.”

O ambientalista David Phillips, diretor emérito do Earth Island Institute, foi convidado a visitar Keiko na Cidade do México para ver se poderia ajudar. “Sua barbatana dorsal estava toda dobrada; ele tinha esse papilomavírus na pele; ele estava realmente muito abaixo do peso”, diz ele.

A história de Keiko

A vida de Keiko em cativeiro começou quando ele foi capturado perto da Islândia e separado de sua família em 1979, com cerca de dois anos de idade, embora tenha sido mais de uma década depois que ele estrelou Free Willy. Devolver a orca à natureza não seria fácil, se fosse possível, e o custo seria astronômico.

Embora as chances de encontrar a família de Keiko fossem pequenas, as fêmeas de orcas podem viver até os 90 anos, então “sua mãe provavelmente ainda estava viva”, diz Phillips, que fundou a Free Willy-Keiko Foundation (FWKF).

Keiko foi transferido em 1996 para um tanque especialmente construído no Oregon Coast Aquarium, onde ele não precisava se apresentar e tinha mais espaço, peixes frescos e água do mar fria. Foram necessários dois anos de recuperação antes que veterinários, o Congresso dos EUA e o governo islandês aprovassem sua realocação de volta à Islândia.

Ele foi levado do Oregon para a Islândia em setembro de 1998. Apenas uma aeronave era capaz de transportar Keiko: um avião de transporte militar C-17 da Força Aérea dos EUA, reabastecido duas vezes durante o voo.

Dentro do avião, Keiko estava em um contêiner de transporte aberto com água gelada até suas barbatanas. A equipe teve que continuar adicionando gelo, pois o calor do corpo da enorme baleia aquecia a água, mas ele permaneceu tranquilo e calmo durante toda a jornada. “Ele pode ter tido a sensação de que estava voltando para suas águas”, diz Phillips.

A chegada da baleia a uma baía costeira especialmente construída em Klettsvik, na Islândia, não foi o fim de sua jornada. “A palavra ‘liberação’ implica que estamos abrindo um portão e ele nada para fora, ele se foi. Todos estão felizes. Ótimo trabalho”, diz Vinick. Mas não foi exatamente assim que a liberação foi realizada.

Keiko havia perdido seus instintos de sobrevivência e não sabia que peixes vivos eram sua comida. Após ser incentivado a pegar um, ele o devolvia a seus treinadores, como se estivesse brincando de buscar, de acordo com Vinick.

Gradualmente, Keiko aprendeu a seguir um barco em “longas caminhadas” no oceano aberto. Para acompanhar as orcas selvagens que nadam 160 km por dia, ele precisava desenvolver sua resistência e capacidade pulmonar “de maneira semelhante à forma como você ou eu treinamos para uma maratona”, diz Vinick.

Ao contrário de Willy, Keiko nunca encontrou sua família. Em dezembro de 2003, Vinick recebeu uma ligação informando que Keiko havia morrido de pneumonia, aos 27 anos. “[Orcas] têm uma capacidade notável de não mostrar nenhum sinal de doença até que seja muito grave”, diz Vinick, que ficou devastado com a notícia. Quando as pessoas perceberam que a baleia estava respirando de forma anormal, já era tarde demais.

O legado deixado por Keiko

A reintrodução de Keiko ao oceano às vezes é criticada porque ele não conseguiu se reintegrar totalmente à vida selvagem. Phillips, no entanto, não acha “certo sentir que esse é o ponto de sucesso”. Ele se orgulha de que Keiko deixou a Cidade do México, onde ele acredita que logo teria morrido, e foi devolvido às suas águas natais, aprendeu a se alimentar sozinho e chegou à Noruega. O International Marine Mammal Project observa que oito orcas em cativeiro morreram nas instalações do SeaWorld durante o tempo em que Keiko estava sob os cuidados da FWKF.

Seu legado não é apenas uma mudança nas percepções sobre manter animais em cativeiro, mas também uma evidência de que santuários à beira-mar podem funcionar. Keiko foi a primeira orca nessa situação a ser devolvida às suas águas natais e provou que as baleias podem ter uma vida melhor em condições mais próximas de seu ambiente natural. O local onde ele vivia na Noruega agora é um santuário para belugas.

Assim como Keiko, a maioria das baleias e golfinhos em cativeiro hoje não seria capaz de sobreviver na natureza, pois a maioria já nasceu nesse locais. Mas os ativistas acreditam que eles não devem ser mantidos em pequenos tanques de concreto onde não podem usar seu instinto essencial para navegação, busca e caça de presas.

Assim como os santuários criados para elefantes ou grandes felinos resgatados, um santuário à beira-mar para mamíferos marinhos proporciona um habitat natural e prioriza seu bem-estar acima de tudo. Eles têm muito mais espaço para explorar, águas mais profundas, um fundo de areia e vida marinha com aves, peixes e caranguejos para interagir. As pessoas podem visitar esses locais para ver os animais de longe, mas eles não são obrigados a se apresentar.

O Whale Sanctuary Project está criando um santuário à beira-mar no Canadá e promovendo outros ao redor do mundo para permitir que cetáceos antes cativos vivam suas vidas em um ambiente oceânico natural.

Animais em cativeiro nos dias atuais

Mas essa prática ainda não acabou. Segundo a WDC, há cerca de 3.600 baleias e golfinhos em cativeiro em cerca de 58 países hoje, incluindo pelo menos 56 orcas. A WDC deseja que a reprodução, as transferências entre parques e as apresentações parem e que os padrões de bem-estar melhorem.

A legislação está sendo reforçada, com novas leis no Canadá, França, EUA e Coreia do Sul. Até a Rússia, que até recentemente era o único país a capturar orcas e belugas para cativeiro, não está mais capturando orcas e a polêmica prisão de baleias do país foi desmontada.

O foco agora está na China, que estima-se que detenha uma em cada três cetáceos em cativeiro no mundo hoje, diz Lott. De acordo com as informações mais recentes da WDC, a China possui um programa de reprodução de orcas, com 99 instalações mantendo mamíferos marinhos e mais 10 sendo construídas.

No Reino Unido, havia mais de 30 instalações mantendo baleias ou golfinhos. Apesar de não haver aquários no país há 30 anos, a captividade de desses animais não é ilegal e os ativistas estão buscando uma proibição para garantir que ela nunca retorne.

A maioria das orcas em cativeiro está abaixo do peso, com sistemas imunológicos comprometidos e dentes desgastados a tocos de tanto roer as barras de seus tanques. “Elas nunca serão capazes de se sustentar”, diz Vinick, “mas devemos a elas uma vida melhor”.

Keiko continua sendo a única orca a ter sido reintroduzida na natureza. “Sempre soubemos como é fácil capturar uma baleia”, diz Vinick. “O que Keiko nos mostrou é como é difícil devolvê-la.”

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