Um dos compositores mais enigmáticos e talentosos da música popular brasileira chama-se Arnaldo Dias Baptista, nascido em São Paulo aos 6 de julho de 1948. Ao atingir a maioridade, fundou, ao lado dos então adolescentes Sérgio Dias (seu irmão mais novo) e Rita Lee (com a qual depois se casaria), um inesquecível conjunto: Os Mutantes. Nem é preciso falar aqui da importância histórica e musical que o grupo teve no Brasil, isso certamente seria chover no molhado. Basta dizer que, no auge da ditadura militar, eles lançaram um LP chamado A Divina Comédia. A irreverência e a psicodelia, tão em voga naqueles adoráveis tempos beatlemaníacos, faziam parte do estilo mutante de ser. Arnaldo, como líder da banda e seu principal compositor, escreveu “Balada do Louco”, “Virgínia”, “Hey boy”, “Desculpe babe”, “Ando meio desligado” e “Vida de cachorro“, entre outros grandes sucessos.
Se Paul McCartney prenunciara o fim do sonho, ao se retirar do célebre quarteto de Liverpool, Arnaldo também deixou órfão Os Mutantes para tentar, a partir de 1973, uma carreira solo. No ano seguinte, com a participação vocal de Rita Lee em algumas faixas, ele gravou o clássico disco: Arnaldo LOKI Baptista. À frente do piano acústico, instrumento que tocava com perfeição, teve o acompanhamento de Liminha (baixo) e Dinho (bateria), neste que é um LP singular. Vale citar algumas músicas e suas frases marcantes para se ter uma ideia do que representou LOKI: “Será que eu vou virar bolor?” (eu vou voltar para a Cantareira…), “Uma pessoa só” (estamos todos reunidos em uma pessoa só), “Não estou nem aí” (será que é difícil esquecer os males?), “Desculpe” (sinto o pulso de todos os tempos comigo, até quando eu não sei) e “Navegar de novo” (o futuro está em nossas mãos).
Em 1977 ele forma o grupo de rock Patrulha do Espaço, deixando como legado um disco hoje raríssimo intitulado Elo Perdido. Disposto, porém, a romper com as convenções fonográficas e, assim, trabalhar em um projeto puramente experimental, Arnaldo se recolheu em 1981 para iniciar a gravação do LP Singin’ Alone, onde toca todos os instrumentos. Em meio às canções do mencionado disco – “Hoje de manhã eu acordei”, “O Sol”, “Jesus come back to earth”, “Train” e “Sitting on the road side”, está a belíssima “I feel in love one day”, em que o compositor fala das ilusões perdidas. Foi nessa época que ele, durante um provável transe poético, caiu janela abaixo, do 4º andar do hospital em que estava internado.
Nem é preciso dizer que, após sair do estado de coma, o incidente mexeu com sua vida. Arnaldo começou a pintar durante as sessões de terapia ocupacional e, anos mais tarde, já produzia trabalhos plásticos de temática contemporânea, retratando nas telas figuras humanas e animais. No sítio em Juiz de Fora, onde reside, recebeu o apoio de amigos e admiradores para a gravação de Disco Voador (1987) e Let it bed (2004). Nomeado recentemente embaixador da ANDA, por sua adesão ao vegetarianismo e amor aos animais, consta que agora Arnaldo prepara um CD no qual tratará desses temas. Seria de grande valia para a causa, sem dúvida, o lançamento de um trabalho musical de teor ecológico e animalista.
Diz a lenda que o autor deste artigo conheceu Arnaldo pessoalmente e recebeu dele, em 2/4/83, seus discos solos devidamente autografados. Naquela oportunidade o músico, tal qual Ismália de Alphonsus, já havia pendido suas asas para voar: “queria a lua do céu, queria a lua do mar…”. Mas Arnaldo sobreviveu à queda porque alguma coisa grandiosa ainda lhe reserva a vida. Seu longo retiro espiritual, sua alimentação compassiva, seu declarado respeito por todas as criaturas, sua rotina de paz, enfim, tudo isso representa uma necessária caminhada em tal direção. Que o sonho abolicionista pelos animais possa se fortalecer na obra do maior revolucionário da música popular brasileira, Arnaldo Dias Baptista, o nosso eterno LOKI.