EnglishEspañolPortuguês

Leishmaniose: Fórum abre discussões sobre a matança de animais

25 de agosto de 2010
7 min. de leitura
A-
A+

Estudos acadêmicos realizados por veterinários e pesquisadores em doenças tropicais comprovam que, apesar da matança de milhares de cães a incidência de Leishmaniose Visceral (LV) – popularmente conhecida como calazar – não tem diminuído nos últimos anos. Ou seja, é fato na comunidade científica que o assassinato de cães como medida de controle de infecção em humanos e cães, não vem surtindo efeito positivo.

O Brasil é o único país no mundo em que o tratamento de LV é proibido. Segundo informações da Organização Panamericana de Saúde, a nação concentra 90% dos casos de LV notificados nas Américas.

A ineficácia do método de controle da LV adotado pelo Ministério da Saúde tem sido motivo de discussão não só entre pesquisadores, mas em toda a sociedade. Segundo o especialista em LV canina, Dr. Victor Marcio Ribeiro, professor da PUC de Minas Gerais, estudos matemáticos confirmam o programa de eliminação de cães domésticos determinados pelo Ministério da Saúde não apresentam resultados favoráveis. “Durante os anos de 1990 a 1994, quase cinco milhões de cães foram examinados e mais de 80.000 eliminados. Nesse período, entretanto, a doença humana aumentou em quase 100%”, declarou Ribeiro, em seu artigo científico “Prevenção da Leishmaniose Visceral Canina no Brasil”.

O pesquisador estará neste sábado, 28, em Palmas (TO), para ministrar palestra sobre o tema. A atividade faz parte do III Fórum de discussão da Leishmaniose Visceral Canina, evento organizado pelos clínicos veterinários de Pequenos Animais do Tocantins, através da Associação Nacional de Clínicos Veterinários de Pequenos Animais. O fórum, que será aberto ao público, acontecerá no auditório do Sebrae – Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas – das 13h30 às 18h30.

Para Ribeiro, o Manual de controle de LV que dispõe sobre a vigilância e controle da doença é o mais controverso e o menos aceito pela sociedade. Esta será a discussão central do fórum.

Exames
Atualmente são utilizados dois métodos diagnósticos sorológicos, a Imunofluorescência Indireta (RIFI) e o Ensaio Imunoenzimático, também conhecido como Teste ELISA. Ambos se baseiam na busca de anticorpos anti-Leishmania em soro de cães. O Ministério recomenda a triagem com o método ELISA e a confirmação com a RIFI a um título de 1:40. Após o exame, os tutores precisam aguardar cerca de 60 dias pelo resultado do teste para saber se o animal está infectado e se terá que ser sacrificado, já que com a portaria interministerial nº 1426 editada em julho de 2008, é proibido o tratamento da doença com produtos de uso humano. “A sensibilidade desse exame é muito alta e ele só indica a quantidade de anti-corpos que o animal tem para doenças crônicas, entre elas, a LV. Portanto, não é seguro”, explica a veterinária Lucilândia Bezerra, da clínica Arca dos Bichos, autora do trabalho de mestrado “ Enzootia de Leishmaniose Viceral em Áreas Urbanas”, pelo Instituto Evandro Chagas.

No entanto, o médico veterinário do Centro de Controle de Zoonoses (CCZ), Wolney Aires Pedreira, argumenta que o exame é sim, confiável. “As pessoas geralmente questionam muito, por não querer acreditar no resultado que deu positivo”, afirmou. Em Palmas, de janeiro a julho, 1902 animais foram recolhidos para o recolhimento de amostras para a realização do exame para a identificação da doença, conforme informações do CCZ. Destes, 534 foram considerados soropositivos e dos recolhidos, 855 foram sacrificados.

“Somente os animais que representam risco a saúde pública são mortos. Muitos destes recolhidos já estavam em fase terminal”, explica Pedreira.
Lucilândia defende o tratamento da doença, e condena a atuação e a postura dos agentes de saúde que obrigam os cidadãos a matarem seus cães, não permitindo que os animais sejam tratados conforme orientação da Organização Panamericana de Saúde. Segundo ela, na Capital, é rotina as pessoas terem seus animais sacrificados mesmo com a indecisão dos exames, uma vez que o CCZ segue as recomendações do Ministério da Saúde.

Apesar de realizar o sacrifício dos animais soropositivos, Wolney não concorda com a matança dos cães. “Infelizmente é uma determinação do Ministério Público, mas acredito que devemos controlar a população de animais, através da castração, para diminuir os índices da doença”, declarou.

A dona-de-casa Jandira Angeline vive o terror de a qualquer dia ter seus dois cães sacrificados. “Percebi que meus cães estavam apresentando inchaço nas glândulas e os levei para fazer o teste no CCZ, que deu positivo. Só que fiz o contra-teste com outro veterinário e descobri que era meus animais estavam com a “doença do carrapato”. Fiz o tratamento e hoje eles estão sadios, mas os agentes do CCZ não saem da minha porta me ameaçando levar para o Ministério Público caso eu não entregue meus animais para o sacrifício”, desabafa Jandira, que já teve um cão sacrificado por conta do calazar.

Ambiente
Realizado em Palmas, o estudo mostrou que concentrar esforços no sacrifício de animais é uma forma errônea de combater a doença. “O foco não é o cão, ele também é uma vítima. Nós precisamos combater a proliferação do vetor da mesma forma como fazemos com o caso da dengue”, explica. Ela relata que o acúmulo de lixo orgânico e as péssimas condições de saneamento básico aliado à falta de educação ambiental são a causa do problema. “Isso ficou claro no meu estudo. Comparei duas regiões de Palmas, a 1 203 Sul e a Aureny III. Na Aureny os cães andavam soltos no lixo jogados pela população, e houve incidência de LV. Já na 1 203 Sul os animais viviam em ambiente limpo, em casa e com o cuidado dos tutores e mesmo com cães assintomáticos, não houve um caso de LV em humanos”, detalha Lucilândia.

De acordo com a veterinária, ficou constatado, assim como em outros estudos, que o meio ambiente influencia na incidência da doença, e que portanto, a educação ambiental deve ser a bandeira dos órgãos públicos quando se trata de prevenção da LV.

Tratamento
“Nós não queremos matar nossos pacientes, sabendo que existe tratamento”. Com esta frase, Lucilândia demonstra a insatisfação de ter que cumprir a determinação do Governo Federal.

A veterinária diz viver em um dilema. “Enquanto nós não tivermos a liberdade para tratar o animal, nunca saberemos a eficácia desse método”, completa.

Já existe no mercado uma vacina contra a Leishmaniose Visceral Canina, a Leishmune, do laboratório Fort Dodge Saúde Animal, registrada no Ministrério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) desde 2003.

Além desta vacina, existe uma outra do laboratório Hertape, em que, após vacinação, o animal continua negativo no exame de RIFI, diferente da vacina Fort Dodge. A vacina confere proteção superior a 92% e já protegeu mais de 70.000 cães vacinados em todo o Brasil. É importante ressaltar que os animais vacinados apresentam resultados negativos nos kits ELISA atualmente licenciados pelo MAPA (Kit Biogene e Kit Bio-Manguinhos).

Nacional: Ministério irá testar encoleiramento em massa
Autoridades do Ministério da Saúde anunciaram no inicio do mês de agosto, ao deputado Ricardo Tripoli (PSDB/SP), que vão testar o encoleiramento em massa de cães em alguns municípios onde a Leishmaniose vem matando humanos e animais. Devem ser escolhidos entre seis e 10 cidades, dependendo do aporte financeiro. Tripoli recebeu esta informação, ao protocolar um documento dirigido ao Secretário da Vigilância Sanitária, Gérson Penna, onde o deputado, a presidente da UIPA, Vanice Orlandi, e o coordenador do Projeto Focinhos Gelados, Fowler Braga, reivindicam justamente a inclusão do encoleiramento como forma de conter a disseminação dessa grave zoonose, e principalmente, acabar com a cruel matança em massa de cães.

“Existem evidências positivas sobre o uso da coleira. Inclusive, a Organização Mundial de Saúde recomenda em seu relatório sobre doenças transmitidas por vetores que os tutores as usem em seus cães como medida preventiva”, argumenta Vanice Orlandi. A presidente da Uipa lembra que além de repelir, a deltametrina mata o mosquito palha, transmissor da Leishmaniose. Já Tripoli ressaltou que o encoleiramento importa em gastos menores do que os empregados com a matança, que além de cruel, é dispendiosa aos cofres públicos. “Não se justifica continuar fazendo o que comprovadamente é caro, ineficaz e cruel”, sublinhou o parlamentar paulista.

Fonte: Jornal O Girassol

Você viu?

Ir para o topo