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"Ela morreu farejando a vida, e gostando": o comovente obituário de E. B. White para sua amada cachorra Daisy

18 de setembro de 2013
4 min. de leitura
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Por Vinicius Siqueira (da Redação)

E. B. White on Dogs (Foto: Reprodução)
E. B. White on Dogs (Foto: Reprodução)

Em homenagem a cachorra Nina, que faleceu ontem, continuamos com este maravilhoso e delicado obituário de E. B. White, na ocasião da morte de sua cachorra.

Histórias literárias transbordam em qualidade com autores que amam seu animais, e E. B. White – extraordinário ensaísta, adorador de Nova York, homem íntegro, partidário de um estilo linguístico refinado – é líder entre eles. As informações são do Brain Pickings.

Seu amado Scotty Daisy, um dos vários animais que foi tutor durante toda sua vida, foi a única testemunha de seu casamento com o amor de sua vida, Katherine, e “escreveu” esta carta absolutamente cativante para Katherine White, quando ela ficou grávida. Porém Daisy foi atropelada por um taxi desnorteado. White exorcizou suas dores da melhor maneira que conhecia: foi buscar consolo em seu talento e escreveu um delicado texto sobre seu amigo canino. Retirado do E. B. White on Dogs, a fantástica coleção de contos, poemas e ensaios, organizado por sua neta Martha White, este obituário foi dedicado à Daisy

“Daisy faleceu em 22 dezembro de 1931, quando foi atropelada por um táxi amarelo em University Place. No momento da sua morte, ela estava farejando em frente a uma floricultura. Era um dia de chuva e o táxi derrapou ao longo do meio-fio – exatamente o tipo de excitação que a teria divertido, se ela estivesse a uma distância segura. Ela ainda vive em sua mãe, Jeannie, um irmão, Abner, seu pai, a quem ela nunca conheceu, e duas irmãs, a quem ela nunca gostou. Ela tinha três anos.

Daisy nasceu na West Street Eleventh em um armário de roupas, às duas horas de uma manhã de dezembro em 1928. Ela veio, assim como seus irmãos e irmãs, como uma surpresa ruim à sua mãe, que tinha, anteriormente, por vários dias olhado com suspeita para a baixa qualidade da caixa de roupa de cama que havia sido estabelecida para a chegada dos filhotes, e que tinha ido para as roupas do armário só porque ela achou engraçado e queria um lugar escuro e estranho para ficar. Daisy era o menor da ninhada de sete, e a mais estranha.

Katharine S. White com Daisy, nas ruas de Nova York, em 1931 (Foto: Reprodução)
Katharine S. White com Daisy, nas ruas de Nova York, em 1931 (Foto: Reprodução)

Sua vida foi cheia de incidentes, mas não de realizações. As pessoas que a conheciam apenas de longe, a consideravam uma cadela teimosa, mas ela tinha um pequeno círculo de amigos que viu através dela, todo o seu valor. No Hospital Speyer, onde ela costumava ir quando estava indisposta, era conhecida como “Whitey”, pois, um homem me disse, que ela também era negra. Durante toda sua vida, ela estava sujeita a pequenas variações de humor e seu sentimento sobre cavalos nos colocou uma dúvida sobre sua sanidade. Uma vez que ela enfiou a coleira e perseguiu um cavalo por três blocos no meio de um tráfego pesado, na crença de que era um agente eficaz lutando contra os equinos. Os motoristas, a vendo apenas nos momentos de delírio, invariavelmente, se inclinavam para fora de seus assentos e lhe mostravam a língua, zombando dela, transformando a si próprios em sujeitos mais ridículos, para o momento, do que a cadela Daisy.

Ela tinha uma natureza estoica e passou a última parte de sua vida como uma inválida, devido a uma lesão em sua perna direita. Como muitos inválidos, ela desenvolveu momentos de alegria bastante questionáveis​​, apesar de negar que tinha razão para todo seu rancor. Ela também desenvolveu, sem instrução ou encorajamento, um curioso hábito de se agarrar às pessoas firmemente pelo tornozelo sem mordê-las, um hábito que lhe deu uma imensa vantagem pessoal e lhe rendeu muitos inimigos. Tanto quanto eu sei, ela nunca quebrou o fio de uma meia, tão delicada era a sua força (como a de um retriever), mas seu ponto de vista era questionável e sua atitude foi para além de se explicar à pessoa cujo tornozelo estava em jogo. Para a minha própria diversão, muitas vezes eu tentei diagnosticar esse temperamento peculiar, e eu acho que entendi: ela sofria de uma perplexidade crônica, e a aliviava se agarrar em algo.

Ela foi presa uma vez, por Patrolman Porco. Gostava de praticamente tudo na vida, exceto automobilismo, uma exigência que ela se submetia em silêncio, sem alegria e sem náuseas. Ela nunca cresceu, e ela nunca se esforçou para descobrir, de forma conclusiva, as coisas que poderiam ter diminuído a sua curiosidade e estragado seu gosto. Morreu farejando vida, e gostando.”

Na introdução à antologia, Martha conta que seu avô revelava muito de si em seus escritos sobre seu amados cães,

“Meu avô também sofria de Perplexidade Crônica. Ele tentava seguir sua carreira se controlando e, muitas vezes, utilizando os cães como assunto para extravasar”, relata.

Neste caso em particular, parece que Malcolm Gladwell estava errado em dizer que “Cães não são qualquer coisa, cães são cães”. Cães são, para White, além de cães, dignos de um respeito humano.

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