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Desconhecimentos e desentendimentos sobre vegetarianos

30 de setembro de 2013
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Foto: Divulgação
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“Muito pouco da grande crueldade mostrada pelos homens pode ser atribuída realmente a um instinto cruel. A maior parte dela é resultado da falta de reflexão ou de hábitos herdados”.
Albert Schweitzer

Mais uma vez nos vemos motivados a escrever sobre o tema vegetarianismo, pois é importante que aos poucos as pessoas comecem a se conscientizar da necessidade de cuidar realmente bem dos animais. O problema é que a imensa maioria não deseja despertar para esse assunto e ergue verdadeiras muralhas, levantam pesados escudos e afiadas espadas para reagir ao fato de que, queiram ou não, o mundo vai evoluir primeiro para o vegetarianismo/veganismo, e não vai parar mais, pelo menos não por causa da rejeição das pessoas e de seus temores pelas novas mudanças.

Dentre muitos os escudos levantados, vemo-nos obrigados a falar de uma comparação desnecessária entre bondade e maldade, quando deveríamos deixar mais uma vez de lado o egoísmo de pensarmos somente em nós mesmos e nos preocuparmos com o próximo. Dentro do meio espírita é bem comum ao se tocar no tema vegetarianismo, que algumas pessoas logo rebatam esse conceito alimentar – normalmente uma reação de medo ao que é novo – com a frase de que “Chico Xavier comia carne enquanto que Hitler era vegetariano”, questão essa bem controversa no que tange a parte da alimentação e que pincelei em um artigo anterior, mas faz-se necessário esclarecer ainda mais o fato de que essa frase é prejudicial aos dois lados, ainda mais aos onívoros, já que podemos ver que nem todos os vegetarianos são como Hitler e nem todos os carnívoros são como Chico.

Devemos estar atentos que: não ligar a morte de animais ao ato de comer carne, nos torna negligentes perante esses nossos irmãos. O foco de quem faz alusão a isso não é a bondade ou a maldade entre vegetarianismo ou onivorismo, mas a exclusão da verdade de que “Sim, nós maltratamos os animais!”, é assim que eles tentam finalizar um assunto que pode tirá-los da zona de conforto onde se encontram. Na verdade Hitler não era vegetariano ético como se costuma repetir por aí , normalmente por ter ouvido “alguém” falar essa célebre frase “Hitler era vegetariano e Chico comia carne”, repetida mais pela falta de conhecimento concreto sobre o assunto do que por conhecimento de causa, até porque o vegetarianismo não torna ninguém “santo” nem torna ninguém “assassino”, assim também, e de certa forma, com o onivorismo[0.1].

O que deveria realmente ser revisto é o fato de maltratarmos os animais por cinco minutos de prazer gastronômico, que nos faz mais mal do que bem e que nos incentiva a continuar matando aqueles a quem chamamos de “irmãos”. Se a carne não faz mal, por que então o pedido de que em dias de trabalho nas Casas Espíritas os trabalhadores se abstenham dela?

Mas, voltando ao assunto em questão, alguns historiadores contam que Hitler fez inúmeros experimentos com animais, matou seu próprio cão e mandou exterminar um sem número de cavalos para que não se tornassem propriedade dos inimigos da Alemanha. Um vegetariano ético jamais faria isso. O que prova que, quem se escuda nessa frase para afastar-se ou simplesmente para menosprezar o vegetarianismo, desconhece realmente o significado deste conceito.

Mais adiante veremos o que outros historiadores nos falam sobre isso.

Auschwitz começa onde quer que alguém olhe para um matadouro e pense: eles são apenas animais. 

Theodor Adorno [1]

Para Rynn Berry, historiador, fazia parte da propaganda nazista de Goebbles, seu Ministro da Propaganda, fazer o povo acreditar que Hitler era vegetariano e um profundo amante dos animais e pelo visto, foi tão bem feita que vem funcionando até hoje. Outros historiadores também alegam que durante certo tempo, mais no final da vida[2], Hitler passou a adotar em parte, uma dieta vegetariana indicada por seus médicos particulares a fim de resolver, ou ao menos diminuir, alguns problemas estomacais. Biógrafos e cozinheiros por outro lado atestam que ele tinha uma forte preferência por carne de porco defumada e salsichas. Conhecendo-se o mínimo sobre vegetarianismo, poder-se-ia de pronto, alegar que nenhum vegetariano ético teria tais preferências alimentares.

Dione Lucas, cozinheira de Hitler, escreveu um livro chamado “Gourmet Cooking School Cookbook” (Livro de Receitas da Escola de Culinária Fina), onde narra que um dos muitos pratos preferidos dele era squad recheado, e tratava-se nada mais nada menos do que carne de filhotes de pombos. Mais uma vez, buscando-se o conhecimento pelo verdadeiro conceito do vegetarianismo, é impossível crer que optando por não maltratar animais, um vegetariano optasse pelo squad.

A questão não é se Chico por comer carne era um homem do bem e por acreditarem alguns, que Hitler por ser vegetariano era um homem devotado ao mal. A questão não é também se Gandhi , tão esquecido por alguns rebatedores do vegetarianismo[3] , por ser vegetariano – e alguns historiadores o colocarem como frugívoro – era um homem do bem ou se a falsa ideia de que por ser Hitler taxado como vegetariano e ter assassinado tantos seres humanos e tantos animais, demonstra que os vegetarianos são ruins mesmo por escolherem não matar animais para comer, a questão é que somos irmãos e não temos o direito de dispor mais das vidas destes seres em nosso benefício, do contrário nos tornamos tolos ao chamá-los de irmãos. Ninguém que conheça um abatedouro por dentro voltará a comer carne, a questão é ética, assim como muitos já se preocupam com o aborto, outros se preocupam com os idosos, outros se preocupam com os animais, é um ciclo que não pode ser parado. É como dizer que Hitler tratava bem as crianças apesar de ser assassino de adultos , o que não implica que por isso você vá igualmente maltratar as crianças só por causa dele. Deixar de acreditar no vegetarianismo quando se cita Hitler, é fazer exatamente isso, é dizer: “ Não, eu não quero ser comparado a Hitler porque ele não comia animais mas matava pessoas, eu não mato pessoas por isso me vejo no direito de matar animais”. Mas quem nos deu esse direito? Essa é a verdadeira questão, Hitler não tinha direito de matar as pessoas, assim como não temos direito de matar os animais.

Cada um tem um patamar evolutivo, é sempre necessário dizer isso para que não haja melindre, mas faz parte da nossa evolução deixar de nos alimentarmos de nossos irmãos animais, queiramos ou não, é a evolução, uns o farão mais cedo outros mais tarde, mas todos o farão, porém escudar-se em exemplos simplórios como esse faz com que exemplos piores possam surgir dessa comparação, já que muitos dos crimes que margeiam nossa história foram cometidos por pessoas que comiam carne. Mas isso, muitos não desejam reconhecer. Se a intenção dos que usam essa frase é querer demonstrar que o vegetarianismo não torna as pessoas boas é até aceitável , já que é a conscientização e o aprendizado do amor, da moral e da ética, que irá nos tornar pessoas melhores, mas se a intenção é menosprezar o vegetarianismo, comete-se um erro insustentável , pois a discussão não se encerra com essa frase, ela se estende e nos traz a mostra inúmeros vegetarianos notáveis, que foram extremamente bons e acabaram por escolher o vegetarianismo como meio de se harmonizarem com Deus.E agora, como ficar perante esse fraco argumento em relação a essa frase, se tantos vegetarianos foram bons, mas não são citados nela?

Lembremos ao falar de vegetarianismo e usarmos o exemplo de Chico, ou de Hitler, que o próprio Jesus é considerado por inúmeros historiadores não apenas vegetariano ou vegano, mas frugívoro[4], assim como Gandhi, assim como Albert Schweitzer e como tantos outros que propagaram o bem. Ser bom ou ser ruim não é questão alimentar, mas é falacioso querer provar que vegetarianos são ruins porque Hitler, para os que desconhecem sua índole, era vegetariano; querer provar que outros que comiam carne eram ou foram bons é querer demonstrar de forma errônea que comer carne não é ruim. Mas comer carne pode para alguns, não parecer ruim para quem a come, mas é ruim para quem serve seu corpo como alimento, isso é que não pode ser omitido ou esquecido. Quando aprendermos a olhar para estes irmãos animais com verdadeiro amor, aí sim entenderemos a dimensão de bondade que o vegetarianismo nos trará. Escolher ser vegetariano por ética é escolher o respeito pelos animais, é proporcionar-lhes a liberdade de viver. Escolher ser vegetariano por capricho, para emagrecer, ficar bonito ou porque esse ou aquele personagem é ou foi vegetariano, é mostrar total desconhecimento pela vida dos animais.

Vegetarianismo precisa ser visto como uma questão de misericórdia pelos animais e não mais como uma questão de saúde ou bem estar pessoal , e misericórdia é o que a Doutrina Espírita nos pede,dia a dia.

Notas
[0. 1] O onivorismo, se visto pelo olhar do animal e dos vegetarianos, nada mais do que uma forma de assassinato ao qual os seres humanos já se acostumaram, contudo não é mais possível esconder a brutalidade com que os animais são abatidos, basta tentar dizer a quem come carne a forma como os animais morrem para que ele se altere e tente mudar o rumo na conversa, embora ache natural comer carne, nenhum onívoro quer saber como o animal virou bife.

[1] De origem judaica, era filósofo, sociólogo, musicólogo e compositor alemão. Grande expoente da Escola de Frankfurt ao lado de Herbert Marcuse e Jürgen Habermas

[2] Muitas biografias de Hitler narram à mudança alimentar para o vegetariansimo não pelos animais, mas pela saúde, a lógica do pensamento de quem se escuda no menosprezo do vegetarianismo usando Hitler como exemplo, deve se questionar o seguinte: Quantas pessoas Hitler matou antes, enquanto ainda comia carne? Lembrando que ele tornou-se chanceler alemão em 1933 , mesmo ano em que foi construído o primeiro campo de concentração , a Guerra se iniciaria então em 1939, a ideia da “Solução Final” teria surgido em 1941 e se iniciado em 1942, mas muitas pessoas até aí já haviam sido assassinadas e Hitler , segundo alguns historiadores, teria se suicidado em Abril de1945. Seria inválido usar uma personalidade como a de Hitler , ou de qualquer outro, para julgar ou não o vegetarianismo, mas o medo que se tem dele.Não há, a meu ver, outro motivo para esse tipo de comparação.

[3] Não apenas Gandhi é esquecido nesse discurso sobre vegetarianismo entre Hitler e Chico, mas grandes nomes como Buda, Lao Tzu Albert Schweitzer, Max Heindel, Helena Blavatsky, Alice Bailey, Annie Besan , C. W. Leadbeater, Einstein, Humberto Rohden , Ramatis, Rynn Berry , Andrew Linzey, Marcel Benedeti, os essênios, o próprio Cristo entre tantos outros que eram ou vegetarianos ou frugívoros, pois se abstinham da alimentação carnívora em respeito e misericórdia aos animais.

[4] Segundo alguns, Jesus alimentava-se somente de frutas e sementes.

Referências
Albert Schweitzer e a Ética para com os animais – Disponível em https://www.anda.jor.br/?p=12752

Animais, Esses Nossos Irmãos – Parte 7 – Disponível em http://feal.com.br/colunistas.php?art_id=70&col_id=28

Dinshah, J. (1974, January). “Book nook”. {A review of Speer, A. (1970). Inside the 3rd Reich (Por dentro do Terceiro Reich)} Ahimsa, p. 11. [Disponível na American Vegan Society, P.O. Box H, Malaga, NJ 08328, USA]
História do Vegetarianismo – Europa: Início do século 20 – Disponível emhttp://www.ivu.org/history/europe20a/hitler.html.

Meyer, R. (1985). “Was Hitler a vegetarian?” (Hitler era um vegetariano ?) Vegetarian Voice (Voz Vegetariana), 12 (2), p. 6. (Rudolf Meyer foi um dos presidentes da Vegetarier Bund Deutschlands) [Disponível na North American Vegetarian Society, P.O. Box 72, Dolgeville, NY 13329]
Rynn Berry, Why Hitler Was Not a Vegetarian (Porque Hitler não era vegetariano) – Disponível emhttp://www.vegsource.com/berry/hitler.html

Egroup Clara Luz – OS ANIMAIS TÊM ALMA!

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