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Dentista que matou leão no Zimbábue já tinha sido multado por caçar urso

3 de agosto de 2015
7 min. de leitura
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Foto: Reprodução
Foto: Reprodução

O que faz uma pessoa planejar, perseguir e matar um animal só por diversão? A foto com o leão morto que correu o mundo talvez explique. A expressão dos caçadores é de prazer, mas prazer de quê? Por que a caça a animais de grande porte é vista como um ato de crueldade por alguns e, ao mesmo tempo, um esporte para outros?
Milhares de caçadores de vários países, a maioria milionários, têm como hobby  matar animais de grande porte. E essa prática, que chamou a atenção do mundo, movimenta na África uma indústria que dá muitos lucros.
Cecil tinha 13 anos de idade e era um dos leões mais famosos de toda a África. Desde a infância, ele era monitorado por pesquisadores da tradicional Universidade de Oxford, na Inglaterra. Turistas de várias partes do mundo iam até o Parque Nacional de Hwange, no Zimbábue, só para vê-lo de perto. Mas nem a fama, nem o fato de viver em uma área onde a caça é proibida, impediram que ele fosse morto.
No início do mês passado, restos do leão Cecil foram encontrados por autoridades africanas. Segundo a investigação, três homens participaram da caçada: o dentista americano Walter Palmer e dois guias locais.
Os caçadores amarraram a carcaça de um animal na traseira de uma caminhonete para atrair Cecil para fora da área de proteção. Quando chegaram a uma fazenda, o dentista americano Walter Palmer acertou Cecil com uma flecha de um tipo especial, usada por caçadores. O leão agonizou por horas, e, por fim, foi morto a tiros. Os caçadores arrancaram a pele do animal, cortaram a cabeça e levaram embora.
O americano pagou o equivalente a mais de R$ 150 mil para os guias. Os dois foram identificados, pagaram fiança e vão ser julgados ainda este ano. A cabeça do leão, que é considerada um troféu pelos caçadores, foi entregue à polícia.
O americano virou alvo de uma revolta nas redes sociais. Pessoas postaram xingamentos na página do dentista. A reação foi tão forte que o dentista e a família dele desapareceram. Ele admitiu em nota ter caçado Cecil, mas afirmou que “não sabia da importância do leão para a ciência”.
O Fantástico foi até a região onde o dentista Walter Palmer mora e trabalha e a revolta das pessoas continua bastante forte. O dentista de 50 anos e pai de dois filhos mantém a porta do consultório fechada desde o início da semana. E, a todo momento, as pessoas chegam para deixar cartazes e fazer todo tipo de protesto. Definitivamente, a morte do leão Cecil transformou o caçador na caça.
Bichos de pelúcia foram deixados na porta do consultório em protesto. Uma mãe vestiu o filho com uma fantasia de leão. Um paciente diz que até gostava do dentista, mas depois da morte de Cecil, mudou de opinião. “Não quero mais ser paciente dele”, afirma.
Manifestantes querem que o governo americano permita a extradição do dentista para que ele seja julgado no Zimbábue. O pedido tem apoio de um abaixo-assinado na internet que já passou de um milhão de nomes.
Mas onde está Palmer? O Fantástico foi até a casa do dentista, tocou a campainha, mas ninguém atendeu. Para evitar tumultos na frente da casa do dentista, a polícia proibiu qualquer carro de estacionar nas redondezas.
Um homem que mora na casa ao lado diz que o dentista sempre foi uma pessoa fechada, distante, e que não cumprimentaria Palmer na rua. “Seguir um animal por 40 horas para depois matar, isso não é esporte”, diz.
Outro vizinho dá um voto de confiança. “Talvez ele não soubesse que o leão era monitorado. Acho que ele contratou o guia, e o guia atraiu o leão para fora do parque. Mas quem sabe?”, questiona.
Essa não foi a primeira vez que o dentista teve problemas. Anos atrás, ele foi condenado a pagar uma multa de US$ 3 mil por ter matado um urso em uma área onde a caça a esses animais é proibida nos Estados Unidos. Em um outro processo, a multa foi bem mais cara. O dentista foi acusado de assédio sexual por uma ex-recepcionista que trabalhou na clínica dele durante cinco anos. Ele negou, mas pagou uma multa de US$ 127 mil.
O dentista gosta de usar arco e flecha para caçar, e de exibir suas conquistas em fotos. Palmer era um caçador de troféus. A caçada por troféus é o tema de um documentário britânico. O tal troféu é a cabeça ou o corpo inteiro de um animal morto que, depois de limpo e empalhado, é levado pelo caçador para casa, como se fosse um desses souvenires de viagem. O caçador é movido pelo risco. “É um animal que pode te matar numa mordida”, diz um caçador.
Além da África do Sul, a prática é permitida em pelo menos mais dez países africanos, desde que o animal não esteja numa área de proteção ambiental.
Na África do Sul, existem mais de 150 fazendas dedicadas a este negócio. Na maioria delas, os leões não são selvagens, ou seja, foram criados em cativeiro com a finalidade de serem caçados quando adultos. Um turista paga, em média, US$ 30 mil (ou mais de R$ 100 mil) para matar um animal desses.
Os defensores da ideia dizem que esta é uma forma de proteger a população de leões selvagens, que não estão nessas fazendas. “A gente tira o foco dos que estão livres e ainda podemos repor os que foram mortos”, diz o criador de leões Koos Erasmus.
Uma ambientalista discorda. Ela diz que o número de leões selvagens na África diminuiu 80% nos últimos vinte anos. Então, uma coisa não compensa a outra.
Algumas dessas fazendas oferecem um serviço a mais: turistas podem acariciar filhotes de leão ou ainda trabalhar como voluntários para estar perto dos animais.
Uma australiana pagou US$ 3 mil para ficar no parque durante um mês. Mas, depois de um tempo, começou a se perguntar: o que acontece com os filhotes quando eles crescem? “Fiz uma pesquisa e descobri que eles estavam sendo levados para as fazendas de caça”, conta. O presidente da associação de criadores admite que alguns filhotes viram mesmo presas quando adultos.
Ambientalistas alertam: os leões que cresceram acostumados com a presença humana nunca vão ver os caçadores como uma ameaça e, portanto, não vão se defender. “O turista que estimula o contato físico com os filhotes está dando dinheiro para a indústria da caça em cativeiro”, aponta o ambientalista Chris Mercer.
A ONU alerta que cerca de 700 leões são caçados por ano na África, um número que preocupa o biólogo David MacDonald, o fundador do Instituto de Conservação da Vida Selvagem de Oxford. Há 20 anos, ele se dedica ao estudo dos leões africanos. Desde 2008, ele monitorava cada passo de Cecil usando um sistema de GPS. “Fiquei com o coração partido de saber que ele foi morto”, diz o biólogo.
David teme que o episódio desencadeie outro tipo de matança: leões que vivem na região podem atacar os machos da família de Cecil, numa tentativa de dominar seu território. O biólogo tem esperança de que tudo isso sirva para chamar a atenção do mundo e ajude o trabalho de proteção dos leões.
No Zimbábue, um homem diz que a culpa também é daqueles que não fazem nada para impedir que os caçadores atuem livremente na África.
Na cidade onde o dentista trabalha, um jovem levou a música do filme “Rei Leão” para a porta do consultório dele e disse: o gesto é uma homenagem a Cecil.
Fonte: G1 

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