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PRECONCEITO

Deficiência como sentença: cães esperam há anos por adoção no DF

A falta de informação sobre os cuidados e o preconceito colocam, muitas vezes, esses cachorros no final da fila de adoção

19 de novembro de 2022
8 min. de leitura
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Foto: Hugo Barreto/Metrópoles

Sebastiana é uma cadela caramelo de grande porte que, com apenas 1 ano de vida, passou por um episódio traumático para o desenvolvimento de sua plena mobilidade. Em outubro de 2020, ela foi atropelada em São Sebastião e, por conta da lesão na coluna, ficou paraplégica. Desde então, ela sonha em ter uma família, mas o preconceito em cuidar de um cão deficiente a colocou no final da fila de adoção.

A autônoma Renata Balthazar, 39 anos, foi uma das pessoas envolvidas no resgate e reabilitação de Tiana, apelido carinhoso dado pela mulher à cadela. Ela é a responsável atualmente pelos cuidados e despesas da animal, que fica em uma hospedagem na Asa Norte, enquanto aguarda por um lar.

“Animais de médio e grande porte, mesmo sem deficiência, já possuem uma certa dificuldade em serem adotados. E, infelizmente, ela é um padrão pouco procurado. E o preconceito em torno da paraplegia dela é ainda maior. Mesmo assim, a gente não esperava que a espera por um tutor se postergasse por tanto tempo “, lamenta Renata.

Seja de nascença, desenvolvida ao longo da vida ou adquirida após um trauma, muitos animais apresentam deficiências. Entre elas, as mais comuns são aquelas relacionadas à locomoção e mobilidade, como a paraplegia, e as de sentido, como a surdez e a cegueira.

Segundo Renata, ao longo dos últimos anos, apareceram algumas pessoas interessadas em adotar Tiana, mas nenhum dos processos deu certo.

“No primeiro contato, eles desistiram ao saber dos cuidados e preocupações, mesmo sendo coisas simples como esvaziar a bexiga, passar pomada para assadura e trocar a fralda. No caso dela, também é importante que a casa tenha piso liso ou gramado, para que não precise usar a cadeira de rodas “, conta.

A cadela, com atualmente 3 anos, é conhecida por ser brincalhona, bastante sociável e por amar passear. “Ela aguarda por seu recomeço há mais de dois anos. Ela quer mostrar que ser especial é para poucos e que adotar um animal com deficiência também é extraordinário”, ressalta a autônoma.

Foto: Hugo Barreto/Metrópoles

Superação

Embora também sejam comuns no reino animal, as deficiências podem tornar difícil o caminho para que estes animais sejam adotados, mesmo assim, a capacidade de superação deles é maior que a dos seres humanos. Como é o caso do pit-bull Izar, de aproximadamente 2 anos, que além de lidar com o estigma da raça, perdeu o olho direito após uma agressão.

O cão foi resgatado em condições de abandono em Águas Lindas de Goiás, em 2021. Ele estava com magreza extrema, uma série de doenças, infecção no olho e não tinha chances de sobreviver, de acordo com alguns veterinários.

“Percorremos um longo caminho para que ele ficasse saudável como está hoje em dia. Porém, há muito preconceito em torno da raça dele, considerada por muitos como agressiva. Só que Izar é um cachorro extremamente dócil, amoroso, que se adaptou muito bem à condição de não ter os dois olhos e espera por um lar”, conta Ana Paula Vasconcelos, protetora de animais.

A protetora conta que a deficiência visual não impede Izar de levar uma vida como a de outros cães que possuem os dois olhos. “A partir do momento que tem uma condição, vai ter uma atitude diferente. São alguns cuidados para facilitar a vida do animal. Quando chega perto dele, do lado que não enxerga, tem que falar com ele, para não se assustar, por exemplo”, explica.

Foto: Hugo Barreto/Metrópoles

Romper a barreira da discriminação

De acordo com Ana Paula, muitos adotantes ficam receosos em levar um animal com deficiência para casa porque pensam na complexidade da rotina de cuidados. Mas, de maneira geral, eles continuam a vida a partir dos recursos disponíveis.

“As pessoas acham que uma deficiência vai impedir o cão de ser feliz, de dar amor e carinho, mas elas precisam romper essa barreira da discriminação. Esse animais são felizes, as vezes até mais que a gente. Eles não sofrem com a deficiência. Eles continuam a desenvolver todos os comportamentos de maneira normal e demonstram uma capacidade de resiliência enorme”, defende Ana, que também é integrante do Fórum Animal da Ordem dos Advogados do Brasil secção Distrito Federal (OAB-DF).

No processo de adoção, os cães enfrentam diversos preconceitos, entre eles por conta da cor do pelo, porte, idade e deficiência.

“São algumas das barreiras que o ser humano acaba impondo por questões estéticas. Infelizmente a gente sabe que têm perfis que vão passar anos esperando por adoção e que até mesmo nunca vão conhecer uma família, mas é uma vida que precisa de acolhimento”, alega a advogada.

Aprendendo com os animais

Há cerca de três meses, a advogada Edryanne Santilli, 31 anos, adotou Pipoca, de 1 ano. A cadela morava nas ruas do DF e foi resgatada após ser vítima de atropelamento, no Lago Sul. O acidente a deixou paraplégica, mas não a impediu de ser plenamente ativa e acompanhar o pique dos outros dois cães da família.

“Nós achamos que seria possível consertar a lesão na coluna dela, mas não teve como reverter o quadro. Após constatarem a perda dos movimentos traseiros, chegaram a sugerir eutanásia por invalidez. Como que eu ia interromper a vida de uma cadela saudável e feliz como a Pipoca?”, relembra a tutora.

De acordo com a tutora, a adaptação da animal não foi fácil, mas a família não desistiu do processo. “No começo, ela se machucava muito, porque ficava se arrastando no jardim e causava feridas nas pernas traseiras. Hoje, ela usa essas calça justamente para evitar a formação de novos machucados. Muitas pessoas não sabem, mas a cadeirinha de rodas não é a solução, pois dependendo até reduz a mobilidade”, explica.

Para Pipoca, a deficiência não é uma limitação. “Eu não vejo que ela dê mais trabalho do que os outros cachorros, inclusive é até mais ativa e bem mais carinhosa. Aqui em casa, deixamos ela bastante livre para fazer tudo. A gente as vezes acha que é mais vulnerável, mas nem é verdade”, defende Edryanne.

Nas redes sociais, a cadela é sucesso entre os seguidores da tutora. Ela acredita que o principal fator para vencer o preconceito é dar visibilidade. “Falta muita informação e quebra de estigmas em relação aos animais deficientes. Por isso, acho importante compartilhar vídeos da Pipoca para mostrar que a condição não a difere dos outros cães”, pontua.

Saiba como ajudar

Quem tiver interesse em adotar ou ajudar nas despesas da cadela caramelo Sebastiana, pode acessar o perfil dela no Instagram @sebastiana_resgatada. Além disso, a ajuda financeira também pode ser feita através de doações para o Pix 00050308114, no nome de Renata Balthazar.

Para aqueles que quiserem adotar o pit-bull Izar, o contato deve ser feito com o Projeto Adoção São Francisco pelo Instagram @adocaosaofrancisco ou pelo preenchimento de formulário on-line (acesse aqui).

A ONG responsável pelo cão também possui outros cães e gatos à espera de adoção. Que quiser contribuir com os cuidados desses animais pode doar alguma quantia pelo Pix 21.396.480/0001-21 ou por meio da vaquinha virtual (clique aqui).

 

Fonte: Metrópoles

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