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CRUELDADE EXTREMA

Crime sob demanda: veja como traficantes de animais silvestres movimentam o mercado no Rio de Janeiro

Venda sob encomenda e pós-venda fazem parte do esquema das quadrilhas no estado, que contam até com veterinários do crime

28 de maio de 2023
7 min. de leitura
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Coruja-orelhuda apreendida e levada para o Centro de Triagem de Animais Silvestres do Ibama Foto: Domingos Peixoto/Agência O Globo

O tráfico de animais silvestres têm se expandido nas redes sociais. Como mostrou o EXTRA em reportagem sobre o esquema de quadrilhas do Rio, grupos no WhatsApp e no Facebook são criados especificamente para a venda de animais exóticos, como macacos prego, aranha e mão-de-ouro, além de répteis, aves e até insetos. O negócio, que antes era feito em algumas feiras livres pelo estado, hoje funciona também sob demanda com a ajuda da internet, e conta também com um pós-venda.

Foto: Domingos Peixoto | Agência O Globo
Iara. Foto: Domingos Peixoto | Agência O Globo
Papagaios-de-ombro-amarelo. Foto: Domingos Peixoto | Agência O Globo
Murucututu resgatado e levado ao centro do Ibama. Foto: Domingos Peixoto | Agência O Globo
Corrupião está na lista dos mais traficados no Rio. Foto: Domingos Peixoto | Agência O Globo
Macacos-prego. Foto: Domingos Peixoto | Agência O Globo

Depois que o negócio é fechado e o animal é entregue, segundo a Polícia Civil, os traficantes contam com o apoio de veterinários, que prestam serviços para os novos tutores dos animais. Como os animais são vendidos ilegalmente, o comprador não pode levá-los a uma clínica tradicional de veterinária, já que seria exigido o comprovante de compra legalizada pelo Ibama. Então, conforme apontam as investigações, há profissionais específicos aliados a esses grupos.

— O macaco, por exemplo, fica doente quase sempre. Aí, eles já têm um veterinário específico. O veterinário para cuidar do teu macaco, ele tem que exigir o documento que prova que o animal é legal, mas o que está no esquema não pede nada — explica o delegado titular da Delegacia de Proteção ao Meio Ambiente (DPMA), Wellington Vieira, que conta também parte da crueldade empregada:

— Para evitar que esses macacos mordam os tutores, eles (os traficantes) também optam por arrancar os dentes caninos dos animais com alicate, quando ainda são novos. Em aves, também cortam as asas, e se pegar no tecido mole, sangra e o bicho pode até ter uma infecção.

O esquema, além disso, também tem em vista aprimorar as técnicas para o comércio ilegal. A ação pôde ser vistas nos grupos monitorados pelo EXTRA. Em uma publicação feita na última quarta-feira, um homem anuncia com uma foto: “documento de macaco”. Poucas horas depois, outro homem responde: “Se for documento bom, já vendemos 300 macacos. Temos contatos de quase todos, vai ajudar todo mundo e fazer bastante dinheiro”.

Documentos também são falsificados pelos traficantes, para que a venda dos animais pareça legalizada — Foto: Editoria de Arte

Para passar uma ideia de que o animal é legalizado, algumas quadrilhas falsificam também anilhas — que funcionam como uma espécie de anel preso ao pé das aves quando há legalidade na venda — e até mesmo notas fiscais. Por isso, contam também com uma numeração do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Renováveis (Ibama), o qual é o órgão legalizador.

No caso de macacos, para haver uma venda legal, além de o animal ser de um criadouro legalizado, ele recebe um microchip, para ser monitorado. Esse dispositivo, porém, também pode ser falsificado pelos criminosos, assim como as notas fiscais das compras dos animais. Isso, segundo o delegado, é usado como uma forma de encarecer o produto, já que passa por algo dentro da lei. Muitas das vezes, até mesmo o comprador final pode ser enganado, já que as quadrilhas podem também falsificar os próprios animais.

— Têm animais parecidos, como a maritaca e o papagaio. Mas a maritaca custa R$ 100 e o papagaio, R$ 3 mil. Então, eles transformam essa maritaca num papagaio. Pintam as asas e fica igual a um clone. O papagaio entra no Top 10 animais que as pessoas mais querem — explica Vieira.

Oferta e demanda

Os preços dos animais, segundo a polícia, variam conforme a demanda e a procura. Em grupos de aplicativos de mensagens ou nas redes sociais, é possível encontrar uma iguana por até R$ 3 mil ou uma arará-canindé por cerca de R$ 6 mil. O valor de uma ave, porém, pode ser valorizado após a venda inicial e chegar a R$ 150 mil, elevando o nível do mercado ilegal.

— Existem diversos grupos de canaristas, onde essas pessoas realizam torneios amadores de cantos de aves. Eles as colocam em prédios e estabelecem um período para cantarem. A que mais canta, pontua melhor e, com isso, é melhor avaliada no mercado, podendo custar entre R$ 100 mil e R$ 150 mil. Essas pessoas, no entanto, não são os traficantes, são os canaristas, que compram dos criminosos. E, socialmente, alguns animais têm um grande apelo.

Denúncias ao Linha Verde

Em paralelo com o esforço de quadrilhas na captura de cada vez mais animais, o número de denúncias dessas práticas também aumentou, o que é comprovado por dados do canal Linha Verde — uma das principais fontes para direcionar as ações da polícia. Março deste ano apresentou o maior número de denúncias de caça ilegal de animais dos últimos sete anos.

Em todo o histórico de denúncias do crime, o Rio de Janeiro lidera o ranking como o município com mais registros, com 329 casos, seguido de Maricá (76), Magé (66), Nova Iguaçu (58) e Petrópolis (47).

Já a guarda e comércio de animais silvestres, teve o maior número de registros em março e abril deste ano, registrando, respectivamente, 145 e 94 denúncias. Na série histórica para esta classificação, o Rio de Janeiro (2.796) segue no topo, seguido de São Gonçalo (419), Nova Iguaçu (353) e Duque de Caxias (349).

As organizações criminosas do Rio têm uma ligação direta com quadrilhas de São Paulo e de Minas Gerais. Dessa forma, se um animal encomendado não é típico no estado, é solicitada a captura em outra região.

Ainda segundo da DPMA, existem, ainda, organizações criminosas de tráfico de animais protegidas pelo tráfico de drogas, o que é usado como uma forma de dificultar o acesso da polícia àqueles bichos. De acordo com o CPAm, algumas denúncias feitas ao Linha Verde, do Disque-Denúncia do Disque-Denúncia, dão conta da existência de cativeiros nessas áreas. Por isso, um trabalho de inteligência é feito com o intuito de confirmar essas notificações ao sistema.

A relação direta entre o tráfico de drogas e o tráfico de animais, no entanto, ainda não é conhecida a fundo pelos investigadores.

Fonte: EXTRA

Edição: ANDA

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