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EXPLORAÇÃO ANIMAL

Criadouro de animais silvestres objetifica sagui ao tratá-lo como prêmio em sorteio

Tratado como uma mercadoria, o sagui será entregue ao internauta que seguir as regras do sorteio, o que condenará o animal a viver aprisionado em cativeiro até o fim da vida

21 de agosto de 2021
Mariana Dandara | Redação ANDA
5 min. de leitura
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Foto: Reprodução/Facebook/Criadouro Aves do Paraíso

Um criadouro de aves silvestres e macacos em Xanxerê, no estado de Santa Catarina, anunciou um sorteio que terá como prêmio um filhote de sagui. A iniciativa reforça a objetificação de animais já realizada pelo criadouro através da venda de seres vivos que são reduzidos à condição de mercadoria e têm seus direitos desrespeitados.

Nas redes sociais, os responsáveis pelo Criadouro Aves do Paraíso anunciaram que os internautas que interagirem nas publicações e seguirem as páginas do estabelecimento no Instagram e no Facebook estarão “concorrendo a um sagui no final do ano”. “Você não tem nada a perder, então siga e participe”, incentiva o criadouro ao abordar o sorteio que condenará um sagui a perder a chance de viver em liberdade, em seu habitat, para ser tratado como animal doméstico – o que nenhum macaco jamais será por conta dos instintos inerentes à espécie.

O proprietário do criadouro se denomina “ambientalista” e usa do argumento de preservação ambiental para validar a exploração de macacos para venda. Em uma publicação no Facebook, consta a informação de que o criadouro, fundado há 20 anos, permitiu a criação de três áreas de conservação da biodiversidade na região de Xanxerê. Com base nessas conquistas benéficas ao meio ambiente, o criadouro tenta se estabelecer como um meio de garantir a preservação ambiental, quando na verdade o comércio de animais silvestres em nada tem relação com proteção à natureza, já que se trata de uma atividade comercial que visa o lucro.

O responsável pelo criadouro alega ainda que o criadouro tem grande importância no combate ao tráfico de animais silvestres e proporciona “segurança para os cidadãos de bem ao adquirirem legalmente animais nascidos em cativeiro”. Os dados, no entanto, contrariam esses argumentos. Todos os anos, cerca de 35 milhões de animais silvestres são traficados no Brasil e esse crime cresceu ainda mais durante a pandemia de coronavírus.

Apenas em São Paulo, segundo a Delegacia de Proteção Animal, os casos de tráfico da fauna aumentaram 26,5% de janeiro a novembro de 2020. Quase 14 mil ocorrências foram registradas em apenas 11 meses. No mesmo período, a Polícia Militar Ambiental resgatou 16.411 animais silvestres – dentre eles, os mesmos macacos que são comercializados pelo criadouro, além de aves e onças.

Foto: Reprodução/Facebook/Criadouro Aves do Paraíso

Para além de questões relacionadas à legalidade ou ilegalidade das práticas envolvendo à fauna brasileira, a manutenção de animais silvestres em cativeiro para atender aos anseios humanos também incorre em um desvio de ética. Isso porque tratar macacos e outras espécies selvagens como se fossem animais domésticos – a ponto de, inclusive, humanizá-las através, por exemplo, do uso de roupas – é um ato de desrespeito à natureza desses animais, que não pertencem ao ambiente urbano.

Os criadouros, por sua vez, colaboram para o aprisionamento de animais que nunca terão a oportunidade de desfrutar da vida na natureza. Nascidos em cativeiro, são condenados a viver aprisionados em gaiolas e pequenos recintos e têm seus instintos desrespeitados, sendo forçados a aprender a conviver com humanos e tornando-se, inclusive, dependentes deles, o que jamais aconteceria no habitat, mas acontece nos criadouros, como expõe nas redes sociais o proprietário do estabelecimento de Xanxerê.

“De todos os monkey que criei aqui no criadouro, esse tinha algo especial, desde bebê. Dormia desde os primeiros dias após o desmame com as crianças, assistia TV, sempre de fralda e roupa, foi ficando aos poucos mais estiloso, hoje mora em Balneário Camboriú (SC)”, diz uma das publicações do criadouro na qual um macaco aparece usando uma espécie de camiseta com gravata.

Foto: Reprodução/Facebook/Criadouro Aves do Paraíso

Em um vídeo divulgado no Instagram, o proprietário do criadouro caminha por uma área verde com um sagui em seu braço. Ao descrever a cena, ele afirma que um dos procedimentos realizados para que o animal seja domesticado “é uma caminhada matinal, todos os dias, sempre que possível, para eles poderem ficar mais confiantes na gente, mais apegados na gente”. “Esse aqui [o macaco do vídeo] estou caminhando sem guia, sem coleira, porque ele é muito mansinho, ele está muito apegado à gente, então não tem perigo algum, mas o certo é sempre uma coleira e uma guia. É dessa forma que a gente cria os saguis, totalmente dependente da gente”, afirma o homem, que ignora o quão antiético e especista é condenar macacos a viver apegados em humanos, presos em imóveis residenciais, ao invés de permitir que desfrutem da vida em liberdade.

As imagens publicadas pelo criadouro encantam internautas que, através dos comentários das publicações, apoiam a manutenção de animais silvestres em cativeiro e demonstram o desejo de ter um desses em casa. O frenesi causado pelas postagens mostram, portanto, uma realidade oposta a que é passada pelos proprietários do estabelecimento. Isso porque, além de dados oficiais desmentirem o argumento de que o comércio legalizado de silvestres combate o tráfico, os comentários de internautas provam que quanto mais é divulgada a ideia de que macacos e outros animais podem ser tratados como “domésticos” e criados dentro de casa, maior se torna o interesse de parte da sociedade em tutelar essas espécies, o que aumenta o risco de pessoas recorrerem ao tráfico, por ser uma via mais fácil e econômica para ter em casa um animal que não deveria viver em nenhum outro local senão na natureza.

Foto: Reprodução/Instagram/Criadouro Aves do Paraíso

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