O maior propósito de ler, escrever e debater textos sobre direitos animais é aprimorar nossa capacidade de responder ao ceticismo alheio. Ter a resposta certa pode muitas vezes representar a diferença entre ter um amigo a fazer piadas constantemente, conquistar o seu respeito ou, em última instância, conquistar um aliado na sua causa.
Por isso é sempre importante ter uma compilação dos questionamentos mais recorrentes em relação aos direitos animais para saber o que responder quando aquele coringa for sacado da manga de um onívoro. Quem é vegetariano sabe que essas questões não são muitas – apenas varia a sua construção:
1. Mas de onde você tira suas proteínas?
2. Você não vai ter anemia?
3. E as plantinhas, não sentem dor?
4. Tudo bem que você só queira comer mato, mas que direito você tem de me dizer o que comer?
5. Num mundo cheio de pessoas passando fome, é até imoral você se recusar a comer carne. Ou sua variação: Num mundo cheio de pessoas passando fome, as pessoas não podem se recusar a comer carne.
6. Por que você não gasta seu tempo com algo mais útil e elevado, como cuidar crianças carentes? Outra variação famosa dessa diz: Enquanto houver gente pobre e faminta no mundo, os animais não serão prioridade pra mim.
7. Pesticidas da agricultura matam mais animais que a pecuária.
8. Você está comparando seres humanos com animais, e isso é igualmente absurdo e imoral.
(Inclusive, é muito comum que elas se apresentem mais ou menos nessa ordem.)
Deixo os mitos nutricionais a cargo de profissionais mais bem preparados para lidar com eles. Limito-me a dizer, portanto, que carência de proteína ou anemia são consequência de uma dieta pobre, ou mesmo de subnutrição. Retirar a carne e subprodutos (leite e ovo) da dieta NÃO implica uma dieta pobre, nem subnutrição. Veganos de fato precisam de suplementação da vitamina B12, mas isso não é muito difícil de se resolver, nem é desculpa para não ser vegano, já que a maioria de nós suplementa iodo (no sal), ácido fólico (na farinha), flúor (na água) sem maiores questionamentos filosóficos sobre se esta suplementação requerida pela vida moderna condena nossa dieta (ou nossa civilização). De mais a mais, há vegetarianos – e veganos – o suficiente no mundo para provar este ponto. Mesmo associações de médicos e nutricionistas, além de profissionais dessas áreas que conhecem de fato do assunto já declaram isso, o que exclui que se trate apenas de doutrinação do “fortíssimo” lobby vegano (pausa para risos). Eu fiquei positivamente surpreso ao constatar que nenhum médico que consultei até hoje, desde que me tornei vegano, me chamou de louco ou tentou me convencer a mudar de dieta. Empiricamente, percebo que os profissionais da saúde estão deixando a ignorância e o preconceito em relação a este assunto.
No que concerne ao resto, a qualidade das perguntas não melhora em nada. Uma breve exploração ponto a ponto:
3. Não há evidência científica de que plantas sentem dor; mesmo que sentissem, isso não significa que não deveríamos deixar de comer animais; e se nossa preocupação é salvar plantas, mataríamos menos delas se fôssemos vegetarianos e não desperdiçássemos toneladas de grãos e folhagens alimentando animais para comê-los a seguir.
4. Defender o veganismo não equivale a impor-lhe minha dieta. Entretanto, já que você falou em direitos, as constituições democráticas – e o bom senso – reconhecem que as pessoas têm o direito à livre manifestação de pensamento. Mas já que você insiste na pergunta, não é questão de autoritarismo, mas puramente de lógica: não faz sentido que seu direito à picanha seja mais importante que o direito do boi à vida e à liberdade. Ninguém acusaria de autoritarismo a uma pessoa que limita a liberdade do pedófilo de fazer sexo com crianças; que limita a liberdade do estuprador de violentar mulheres; ou que limita a liberdade do maníaco assassino de matar pessoas.
5. Qualquer pessoa relativamente bem educada (digamos, com o ensino fundamental completo) sabe que o problema da fome do planeta não se deve à falta de alimentos, mas à concentração de recursos e de riqueza. Mas de fato a questão se torna mais interessante que isso quando recordamos que a pecuária drena recursos naturais, ocupa mais terra que a agricultura e é economicamente mais cara, de modo que a criação de animais para abate apenas ajuda a agravar o problema da fome.
6. Como sempre digo, nada nos impede de fazer ambos. Ou melhor ainda: você não precisa, a rigor, fazer nada pelos animais, na sua vida cotidiana. Deixar de explorá-los é o MÍNIMO que se pode fazer. Não custa nada (não, o estilo de vida vegano não é mais caro), a não ser um pouco mais de cuidado na hora de ir ao supermercado e farmácia e disciplina para comer na rua. De fato, é provável que você economize com o que não gastaria em carne, laticínios, ovos, produtos químicos testados em animais e remédios dos quais não se necessita realmente. Então, você pode continuar tão politicamente engajado quanto antes em salvar as crianças, acabar com a fome no mundo, promover a paz mundial, fazer uma revolução e mudar o mundo. Apenas estará, ao mesmo tempo, tomando uma atitude COERENTE com tudo isso (tanto na prática como na teoria). O mais provável, porém, é que quem fez essa pergunta não faça nada nem pelas crianças, nem pela paz mundial.
7. Isso simplesmente não é verdade. Animais criados para o consumo também consomem, indiretamente, pesticidas e produtos testados em animais. As taxas de uso disso tudo seriam menores se as pessoas comessem apenas vegetais. Quem paga por “boi verde” pode pagar tranquilamente por alimentos orgânicos. Os quais, aliás, são caros apenas por “grife” – triste este mundo em que saúde e respeito ao meio ambiente se tornam objeto de ostentação (e os economistas ainda dizem que cuidaríamos melhor do planeta se as florestas e a água tivessem valor de mercado…). Alimentos orgânicos podem ser igualmente produtivos e baratos. Por fim, a quantidade de terra liberada pela pecuária para a agricultura tornaria a necessidade do uso de pesticidas ainda mais duvidosa.
8. Aqui, um pouco de conhecimento de biologia e antropologia seria útil. Comparar animais e seres humanos é o que eu chamaria de uma analogia perfeita. Muito melhor do que as metáforas futebolísticas que ganharam a política. Seres humanos são animais e, portanto, qualquer diferença que exista entre nós (humanos) e eles (animais não-humanos) é meramente de grau, não de tipo. Não existem habilidades humanas que não estejam presentes (em maior ou menor grau) em outros animais. Não há, portanto, nada de absurdo e imoral nessa comparação. Respeitar animais não implica desrespeitar seres humanos – antes o contrário, e qualquer defensor dos direitos animais que não valorize igualmente os direitos humanos está profundamente equivocado. Como seres sencientes, temos todos os mesmos direitos básicos – aqueles direitos que se referem a essa nossa característica distintiva que é a senciência. São estes direitos: a vida, a liberdade e a integridade física e psíquica. Afinal, é para proteger suas vidas e sua integridade que animais são sencientes, e só na medida em que são livres eles podem fazê-los por si mesmos.
Pelo contrário, e por mais absurdo que pareça à primeira leitura, são os antropocentristas que desmerecem o ser humano e têm uma perspectiva moral limitada – e perigosa. Se o que torna o ser humano especial são suas habilidades especiais – compor sinfonias, escrever romances, desbravar o universo, partir o átomo, defender teses, transformar a natureza a ponto de deformá-la (e com isso ameaçar sua própria existência humana) ou comunicar-se num determinado idioma ou proferir uma determinada religião ou ideologia – então qualquer ser humano desprovido dessas habilidades especiais deixa automaticamente de ser especial. Torna-se, portanto, descartável. Eis então como abrimos as portas para a eugenia, o racismo, a xenofobia, a limpeza ética, os campos de concentração, os gulags, o extermínio em massa e a bomba atômica.
Com o tempo pretendo responder mais detidamente a cada uma dessas perguntas (exceto à oitava, que considero já satisfatoriamente respondida com o texto “Por que animais têm direitos?”). Queria, por final, deixar perguntas aos leitores. Aos vegetarianos e veganos: quais foram os questionamentos mais estranhos que já ouviram, tanto no aspecto positivo, de desafiador, quanto no negativo, de ser risível? Aos onívoros que eventualmente lerem esta coluna: que outras objeções racionais vocês levantariam contra o veganismo? Não vale o prazer da picanha, pois não existe justificativa racional para um prazer gustativo.