EnglishEspañolPortuguês

BELO HORIZONTE (MG)

Competição de Stock Car gera denúncia de ativistas, ambientalistas e estudantes da UFMG por descumprimento de normas ambientais

24 de fevereiro de 2024
Daniela Sousa (Jornalista e apresentadora do Papo do Quintal)
7 min. de leitura
A-
A+
Vista aérea do Mineirão e Complexo da Pampulha — Foto: Mineirão/Divulgação

Ativistas da causa animal e ambiental, bolsistas, pesquisadores e estudantes da Universidade Federal de Minas Gerais reclamam que a Prefeitura de Belo Horizonte não está seguindo as normas ambientais obrigatórias ao autorizar a realização da edição da StockCar, no entrono do estádio do Mineirão, situado na região da Pampulha, um dos cartões postais da capital.

Em dezembro de 2023 a Prefeitura de BH/MG fechou acordo de cinco anos com a empresa organizadora da competição de STOCKCAR para que a capital mineira sediasse, anualmente, o evento.

Há quase dois meses, desde que a notícia se espalhou pela cidade, os grupos vêm se manifestando nas redes sociais e, em coletivos de whatsApp, na busca de dialogar com o prefeito Fuad e com a Câmara de vereadores, em relação à autorização para a realização do evento no entorno no Mineirão que provocará não só o corte de mais de 100 árvores, mas também prejuízos aos moradores da região – que reclamam faz bastante tempo dos eventos realizados no entorno – , danos às pesquisas da universidade e, principalmente, aos animais que vivem na mata da UFMG e os são atendidos pelo Hospital Veterinário.
A gota d’agua para os ativistas e alunos foi o Conselho de Meio Ambiente de Belo Horizonte, conhecido como COMAM, aprovar o corte das árvores, após as contestações dos participantes na última reunião realizada para tratar da pauta.

Kelyane Paganini, advogada e diretora de meio ambiente da Pró-Civitas, explica que a UFMG não foi consultada hora alguma pela Prefeitura, quanto aos impactos que este evento poderia gerar à comunidade de estudantes, professores, pesquisadores e funcionários, assim como, à fauna presente no Campus.

“Nosso objetivo, ao contrário do que as fakes news que circulam dizem, nunca foi impedir a realização do Festival StockCar. Nosso objetivo sempre foi o de deslocar o Festival StockCar para outro lugar em Belo Horizonte. Reconhecemos as intenções de minimizar os impactos sociais por parte da equipe da organização, assim como, o investimento de cerca de 70 milhões de reais, porém, precisam ficar mais claras essas ações, no que se refere a proteção das pesquisas dentro da UFMG e dos animais que se encontram à margem da pista. E, referindo-se especificamente a isso, convém ressaltar que existem animais em biotérios em diversas outras unidades da UFMG e que as medidas de prevenção de contaminação sonora devem levar isso em consideração, assim como, deveriam levar em conta a preservação do santuário na ilha que fica na lagoa da Pampulha” – dispara a advogada.

Paganini reitera ainda que locais como a Cidade Administrativa, que cedia o governo do estado, deveriam ser levados em consideração para a realização do evento, principalmente, por estar na rota do aeroporto internacional da cidade, o que ocasionaria uma melhor logística para as equipes, mantendo todos os benefícios do Festival StockCar para a capital. De acordo com a advogada, o local conta ainda com o circuito “avenida Brasil” que possui comprimento semelhante ao descrito para a Pampulha, com o bônus de que a rua da Cavalariça poderia até ajudar na questão dos Box das equipes, além de valorizar o espaço arquitetônico planejado pelo arquiteto Oscar Niemayer.

O estudante de pós-graduação da universidade, pesquisador e mestre em fisiologia animal e ecologia Marcelo Dias, em carta enviada ao escritório de advocacia de Sergio Sette Camara, em janeiro deste ano, apontado pelos manifestantes como um dos articuladores – e, pai de um piloto da modalidade – para que o evento ocorra no entorno do estádio, também se pronunciou quanto ao temor da comunidade acadêmica da UFMG, quanto à realização do evento, no local. Em trecho da longa carta, o estudante chamou a atenção do empresário para o estresse que poderá será causado aos animais viventes do Campus, seja na mata do entorno, seja no biotério ou no hospital veterinário, onde a competição passará a poucos metros.

“Há uma considerável quantidade de laboratórios de pesquisa a apenas 200 metros do traçado proposto e 60 metros do maior hospital veterinário de Minas Gerais. Isso torna o ambiente totalmente incompatível com o nível de ruído gerado por esses veículos, aproximadamente 110 decibéis. Pesquisas seriam paralisadas, e o estresse sonoro pode levar a uma grande mortalidade de animais. Esses resultados possíveis fogem, inclusive, da esfera administrativa da própria universidade e poderia levar a processos contra a instituição por negligência” – pontua o estudante que nunca obteve uma resposta.

Um verdadeiro corredor ecológico presente na região, um hospital veterinário, um biotério e casas de amparo à autistas e idosos serão afetados, de acordo com os manifestantes, além das arvores que serão derrubadas – dentre elas 20 ipês amarelos protegidos por lei -, pelo evento, agendado para agosto deste ano.

Não estamos contra o evento e todos os benefícios mercadológicos que ele trará pra cidade. Adoramos esporte e vibramos com BH poder sediar uma competição desta magnitude. A questão não é essa e é importante desfazermos qualquer notícia falsa, neste sentido. O que estamos contestando é o local escolhido para acontecer a etapa da StockCar e os prejuízos absurdos que ele causará a todos os animais e residentes da região. Não podemos aceitar que este evento seja realizado na canetada, como tem acontecido- desabafa a ativista e fundadora do Instituto Sammy Aram, Katia Lopes.

A briga parece que ainda vai esquentar e, o que antes poderia parecer uma briga ganha aos organizadores começa a mostrar que ainda precisará de muito debate.

A deputada federal Duda Salabert e o engenheiro ambiental Felipe Gomes, conhecidos por suas batalhas pelas pautas ambientais, como ocorreu com a Serra do Curral – quando, em 2023, uma mineradora queria atuar em um espaço de extrema importância ecológica e histórica para a cidade – , comunicaram na data de hoje (23/02) que entraram com mandado de segurança na justiça para impedir o corte das árvores, aprovado pela maioria dos conselheiros do COMAM e, também com uma ação junto ao Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais – TCE para impugnar a licitação de mais de R$ 20 milhões de reais que, de acordo com declaração da deputada em suas redes sociais, “objetiva, de modo irregular, suprimir as árvores e transformar o entorno do mineirão em um autódromo.”

No próximo dia 26 de fevereiro, após solicitação dos manifestantes, será promovida uma audiência pública na Câmara Municipal de BH, promovida à pedido do vereador do PDT, Wagner Ferreira, que assumiu a vaga de Duda Salabert, após sua eleição como deputada.

Para Ariadne Rodrigues, ativista e educadora ambiental é importante informar melhor as pessoas sobre as questões que envolvem corrida, para entenderem que não se trata do evento, em si, mas do local de sua realização e das consequências.

“A Stockcar é um evento particular realizado num espaço público, que demandará adequações que serão pagas com dinheiro público, levando à supressão de ipês amarelos, que são protegidos por Lei Estadual n 9743/88. Esta supressão aprovada pelo Conselho de Meio Ambiente, numa reunião lotada, onde a sociedade civil organizada não foi ouvida e nem o pedido de diligência foi aceito, mediante o não licenciamento do empreendimento precisa ser levado em consideração e ao conhecimento de todos”

Vale lembrar que, em 2019, a etapa da StockCar que seria realizada no Autódromo Internacional de Curitiba (AIC), localizado na cidade de Pinhais, na região metropolitana da capital paranaense foi cancelado depois que Instituto Ambiental do Paraná (IAP) impôs uma multa de cerca de R$ 50 mil reais para a realização do evento, em decorrência do excesso de ruídos. E, mais recentemente, em dezembro de 2023, um dos mais tradicionais circuitos dos Estados Unidos, Laguna Seca, na California, também recebeu uma “reclamação” judicial de moradores e empresários locais que solicitaram o fechamento do autódromo, sob a argumentação de que a pista não respeita leis ambientais e o evento causa “incômodo público, com danos irreparáveis, não sujeito a danos monetários”.

Em tempos de cancelamento virtual das personalidades midiáticas por suas ações contrárias ao “politicamente correto”, resta saber se os patrocinadores e pilotos estão cientes dos prejuízos ambientais, entre outros, que o evento poderá causar se for sediado no local questionado pelos manifestantes, principalmente, em um momento em que o mundo debate a crise climática.

    Você viu?

    Ir para o topo