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VISÃO CIENTÍFICA

Como cientistas tentam combater ideia de que é 'tarde demais para salvar o planeta'

O geofísico e professor da Universidade da Pensilvânia é um dos responsáveis por uma pesquisa do final dos anos 1990 considerada chave no entendimento da influência humana sobre o aquecimento global

7 de setembro de 2022
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Foto: Ilustração | Pexels

Depois de décadas no combate a negacionistas do aquecimento global, cientistas estão voltando suas preocupações para o crescimento dos “profetas do apocalipse climático”.

Esse novo grupo, chamado em inglês de “doomers”, está no lado oposto dos céticos da mudança do clima que veem seu discurso perdendo força diante de evidências como recentes ondas de calor, secas intensas e grandes enchentes, como a chuva dos últimos dias no Paquistão que já matou mais de 1.100 pessoas.

Parte dos apocalípticos tem em comum, porém, a prática de disseminar desinformação: em redes sociais como o TikTok, há desde a falsa mensagem de que “tudo vai acabar em 10 anos” até a ideia de que “nada mais pode ser feito para salvar o planeta”.

O tiktoker norte-americano Charles McBryde, com mais de 160 mil seguidores, disse em um vídeo do final do ano passado que “mais ou menos desde 2019 venho acreditando que há pouco ou nada que nós podemos fazer para realmente reverter a mudança climática em escala global”.

Meses depois, McBryde fez um vídeo mais direcionado à tomada de ações e à necessidade de pressionar políticos como o presidente brasileiro Jair Bolsonaro. E falou à unidade de desinformação da BBC que não se considera mais um “doomer”: “Me convenci que podemos sair dessa”.

Os desafios para conter o aquecimento global são, de fato, gigantescos.

Um dos objetivos mais urgentes é limitar o aumento da temperatura no mundo em 1,5°C (em relação a níveis pré-revolução industrial) até o ano de 2030, e as ações atuais de governos e grandes empresas em direção a uma economia verde são consideradas insuficientes.

Mas o climatologista norte-americano Michael E. Mann teme que a popularização da narrativa apocalíptica se transforme no que ele chama de “inativismo” ? ou seja, jogar a toalha enquanto ainda é possível fazer algo.

Em sua visão, essa ideia favorece a indústria dos combustíveis fósseis, que quer ganhar tempo e evitar perda de mercado enquanto o mundo faz sua transição para uma economia verde.

“Tudo isso reflete uma miopia egoísta, um benefício financeiro de curto prazo para poucos à custa de um sofrimento de longo prazo para todos nós. É difícil encontrar vilões piores do que negacionistas do clima e aqueles que querem adiar as ações”, diz Mann à BBC News Brasil.

O geofísico e professor da Universidade da Pensilvânia é um dos responsáveis por uma pesquisa Do final dos anos 1990 considerada chave no entendimento da influência humana sobre o aquecimento global.

O estudo contém um famoso gráfico apelidado ? pelo seu formato ? de “taco de hóquei”.

Mann dedica seu livro The New Climate War: The Fight to Take Back Our Planet (em tradução livre, A Nova Guerra do Clima: A Luta para Ter de Volta o Nosso Planeta; sem edição brasileira) e suas falas públicas a combater a crença de que tudo está irremediavelmente perdido.

Por exemplo, ele aponta uma notícia positiva que afirma não ter ganhado destaque suficiente entre o público.

Um relatório de 2021 do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês), da ONU, desbancou uma antiga ideia de que, se interrompêssemos todas as emissões de gases agora, a temperatura global continuaria subindo de qualquer forma por um período de 30 a 40 anos.

O entendimento mudou: os estudos mais recentes mostram que a interrupção imediata do acúmulo de carbono na atmosfera teria efeitos positivos já em um prazo entre 3 e 5 anos. Ou seja, em uma perspectiva de longo prazo, os resultados são “imediatos”.

Mas Mann lembra que os subsídios para os combustíveis fósseis chegam a quase US$ 6 trilhões (R$ 30 trilhões),segundo dados do Fundo Monetário Internacional (FMI), um montante que representou em 2020 7% do PIB mundial.

E não há soluções mágicas. O cientista norte-americano aponta voto e pressão popular como os caminhos para a mudança. Afirma que evitar cada 0,1°C de elevação na temperatura global já conta muito.

Crítica ao pessimismo

Mann não vê apenas na desinformação o foco de problemas da visão apocalíptica: critica o pessimismo de pensadores sérios sobre o tema, que se baseiam em evidências científicas.

Ele cita o jornalista David Wallace-Wells, autor do best-seller A Terra Inabitável: Uma História do Futuro (Companhia das Letras, 2019).

Na visão do climatologista, há um “fetiche pelo apocalipse climático [climate doom porn, na expressão original]”.

O termo faz sentido quando se sabe que há um canal da TV paga, o WeatherSpy, dedicado a desastres naturais com programas de nome como Contagem Regressiva do Clima Extremo.

“Talvez seja pela mesma razão que pessoas andam de montanha-russa, pulam de bungee-jump ou fazem sky-diving ? às vezes, elas só querem sentir esse frio na espinha. O apocalipse climático dá a elas essa mesma descarga de adrenalina. Estou chamando isso de droga? Acho que sim”, escreve Mann em seu livro.

Ele afirma que “nós precisamos falar tanto sobre o desafio quanto sobre a oportunidade. Sim, nós já estamos vendo perigosos impactos da mudança climática, e ainda permanece o desafio de reverter o perigoso aquecimento planetário adicional. Mas nós temos a oportunidade de criar um mundo melhor para nós mesmos, nossos filhos e netos. É essa a nossa luta”.

Mercedes Bustamante, professora do Departamento de Ecologia da Universidade de Brasília (UnB), diz que “há preocupação da comunidade científica e de instituições sobre a comunicação do tema”.

A ideia é “fornecer uma visão balanceada sobre o desafio que precisamos enfrentar e as soluções que podemos viabilizar em diferentes escalas de tempo”.

Para a professora da UnB, “a perspectiva fatalista, ou seja, de que não há mais espaço para soluções, contribui somente para tornar a marcha mais lenta na resolução da crise global”.

Qual o melhor caminho para chamar a atenção?

Há discordâncias dentro da comunidade de cientistas e ativistas do clima sobre qual mensagem é mais eficaz para sair do imobilismo.

Para alguns, ajuda a dar dimensão da gravidade do problema atual se lembrar que os dados sobre o aquecimento global são preocupantes e que os esforços para eliminar emissões de carbono continuam insuficientes.

Em um famoso discurso, a jovem ativista sueca Greta Thunberg, então com 15 anos de idade, dizia “eu quero que você sinta o medo que eu sinto todos os dias e eu quero que você aja. Eu quero que você se comporte como se a nossa casa estivesse pegando fogo, porque é isso o que está acontecendo”.

Thunberg logo se tornaria um rosto para a ideia de enfrentar com urgência as mudanças climáticas.

Em abril deste ano, cerca de mil cientistas participaram de uma série de protestos em 25 países como parte de uma coalização chamada “Rebelião dos Cientistas”.

O objetivo, segundo o manifesto do grupo, é “expor a realidade e a severidade da emergência climática e ecológica com engajamento em desobediência civil não violenta”.

Peter Kalmus, cientista da Nasa e parte da “Rebelião dos Cientistas”, disse ao jornal The Guardian que “essas notícias [de eventos climáticos fora do normal] provavelmente vão começar a se estabilizar. É onde nós estamos agora. Essa é uma semana normal de 2022. Como então vai ser uma de 2024? E 2025?”.

Mann, que enfrentou durante anos ataques de negacionistas e relata ter sido alvo de campanhas promovidas pela indústria dos combustíveis fósseis, afirma que prossegue em seus esforços de décadas para chamar atenção ao problema “simplesmente me mantendo focado na tarefa que está a mão”.

“Eu tenho fé de que nós tomaremos as ações necessárias. E eu fico encorajado pelas ações que governos como os de Estados Unidos e Austrália estão tomando. Já era tempo e nós ainda não estamos fazendo o suficiente. Mas parece que os dividendos para quem esteve na linha de frente por décadas começaram a aparecer. É possível vencer a maior batalha que temos como espécies”, diz ele.

O presidente norte-americano Joe Biden sancionou um plano de US$ 700 bilhões para atuar contra a mudança climática. A Austrália tornou lei as seguintes metas: emissões de gases precisarão ser cortadas em 43% no intervalo entre 2005-2030 e zerar até 2050.

O governo chinês também tem investido esforços em pesquisa e desenvolvimento para eficiência sustentável e em estratégias de descarbonização de sua economia.

Para Alexandre Costa, cientista do clima e professor da UECE (Universidade Estadual do Ceará), “há atualmente entre os cientistas uma atmosfera de ‘está desesperador, mas ainda dá para salvar muita coisa. A pior alternativa é entregar os pontos”.

“Nós precisamos assumir uma posição que é o oposto do conformismo, do tanto faz.”

“Minha experiência pessoal foi difícil nos últimos dez anos. Principalmente pela frustração de não ser ouvido.”

Costa afirma que o pensamento apocalíptico é “tão paralisante quanto o negacionismo. Embora eles estejam em extremos opostos na narrativa, o efeito prático dos dois é muito próximo.”

Ele faz uma conexão do “doomismo” com o fenômeno do ecofascismo na Europa e nos EUA. Pela sobrevivência durante uma grande crise climática (que ainda pode ser evitada), grupos de extrema-direita já defendem o bloqueio de fronteiras e a proibição da imigração.

“Sempre tento dissuadir colegas [cientistas] que estejam derivando para esse caminho”, afirma o climatologista.

“Não vamos conseguir nada de bom com a ideia de que tudo está perdido. Aí é um terreno estéril, infértil.”

Fonte: bol

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