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MORTE LENTA E DOLOROSA

Como Brasil contribui para prática cruel que tira barbatana de tubarão vivo

4 de setembro de 2022
7 min. de leitura
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Você sabe o que é ‘shark finning’ e por que, além de cruel, essa prática representa um problema para todo o ecossistema marinho?

O termo é usado para designar o corte da barbatana de um tubarão, que, em seguida, é descartado ainda vivo no mar, resultando em uma sentença de morte lenta e dolorosa aos animais.

Mas o que as pessoas, em geral, têm a ver com isso e como podem ajudar a mitigar essas capturas brutais?

De acordo com estimativas da Humane Society International, organização não-governamental de proteção animal com atuação em mais de 50 países, cerca de 72 milhões de tubarões são mortos, por ano, unicamente para que suas barbatanas sejam retiradas. O objetivo? Servir de iguaria para uma sopa tradicional e sofisticada, consumida em países asiáticos como China, Japão, Hong Kong e Vietnã.

O custo de uma tigela de sopa de barbatana de tubarão pode chegar a até US$ 100 dólares (cerca de R$ 500). Um luxo para poucos, mas que tem como resultado um problema global: hoje, inúmeras espécies de tubarões estão ameaçadas de extinção devido à captura predatória e ao desequilíbrio nos sistemas marinhos.

Além disso, apesar do consumo da sopa de barbatana de tubarão se restringir à região da Ásia, estes animais circulam (e são alvo) nos oceanos do mundo todo e, mesmo com diversos países proibindo a prática, não são raras a caça e o comércio ilegal de barbatanas.

As partes retiradas costumam incluir nadadeiras peitorais, nadadeiras dorsais e a nadadeira caudal dos tubarões, mas, a depender da espécie, tamanho e características do animal também podem ser retiradas as nadadeiras pélvicas, menos apreciadas. As espécies afetadas são diversas, dentre elas os tubarões-martelo, o tubarão anequim e o tubarão-lixa.

Brasil tem o maior consumo de carne de tubarão no mundo

Nos últimos anos, sobretudo no início da década de 2010, o IBAMA (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) apreendeu dezenas de toneladas de barbatanas de tubarão durante operações de fiscalização no litoral brasileiro.

Uma publicação da Universidade Estadual Paulista (Unesp) aponta que, entre 1998 e 2014, operações no Pará e no Rio Grande do Sul resultaram na apreensão de 85 toneladas de barbatanas secas, prontas para exportação. Há registros históricos de apreensões também em estados como Santa Catarina, São Paulo e Rio Grande do Norte. Fora o total que não chega ao conhecimento das autoridades. Um indicativo de que o ‘finning’ está mais próximo do que imaginávamos, mesmo a prática sendo proibida há anos no país.

Chama atenção ainda que, conforme estudos recentes, sete em cada dez brasileiros não sabem que a carne de cação que é vendida nos supermercados é, na verdade, de tubarão (só muda a nomenclatura). O Brasil também é o maior importador e consumidor mundial da carne de cação, ou seja, mesmo que de forma involuntária, esse consumo estimula a comercialização e ameaça a preservação de espécies de tubarão.

Os efeitos nocivos do ‘finning’ voltaram a gerar debates recentemente, a partir de uma série de postagens feitas online pelo agente ambiental do Ibama, Wallace Lopes. A primeira mensagem publicada no Twitter destacando uma apreensão de toneladas de barbatanas de tubarão feita pelo Ibama no Pará, em 2012, teve mais de 6,7 mil replicações, quase 800 comentários e mais de 30 mil curtidas.

Na sequência, o fiscal federal deu detalhes de como funciona a prática e destacou que apesar de os brasileiros não terem tradição em consumir sopa de barbatana de tubarão, desempenha, nas suas palavras, “um papel central para o risco de extinção que, infelizmente, aflige muitas espécies de tubarão”.

“O caso é que a maioria dos países não possui o costume de consumir carne de tubarão. O Brasil também não tinha, mas aí a indústria pesqueira nacional resolveu essa questão dando um nome diferente à carne de tubarão: vendida aqui com o nome genérico de ‘cação’. Essa informação enganosa, os preços atrativos e o fato de ser uma carne branca e sem espinhos são alguns dos fatores que resultaram no aumento do consumo entre as famílias brasileiras. O problema é que o produto que vemos fatiado em postas ou em filés pode esconder espécies em extinção”, aponta nas publicações.

A explicação está na falta de rótulos adequados referentes à espécie que está sendo vendida. “Além da possibilidade de consumo de espécies ameaçadas, pode servir também de “lavanderia” para o comércio de barbatanas, que é muito mais lucrativo”, denunciou Lopes.

Para o dr. Renato Hajenius Aché de Freitas, professor do departamento de Ecologia e Zoologia e supervisor do Laboratório de Biologia de Teleósteos e Elasmobrânquios da Universidade Federal de Santa Catarina, que é referência na temática de tubarões, a preocupação é genuína.

Isso porque há demanda no mercado e a prática afeta predadores de topo de cadeia, que são responsáveis por manter o equilíbrio no ecossistema marinho.

“O que acontece é que a carne de cação, uma das causas da captura de tubarões, não tem um preço agregado alto. Com isso, para economizar espaço nas embarcações e aproveitar o ‘supra sumo’ extraído dos animais, que são as barbatanas destinadas principalmente à exportação ao mercado asiático, historicamente as nadadeiras vem sendo retiradas dos bichos ainda vivos e joga-se o restante do corpo no mar. Isso ocasiona o risco de desaparecimento de diferentes espécies de tubarões já ameaçadas de extinção, e causa um desequilíbrio em vários aspectos da vida marinha”, aponta Freitas.

Redução do consumo ajuda a preservar espécies

No Brasil, como não há consumo de barbatanas e muitas das espécies de tubarões são protegidas de captura pela legislação, segundo o professor da UFSC, acontece que para além da busca pela carne de cação, muitos dos tubarões ao caírem em redes morrem. Este também é um fator considerável para ocorrer o comércio ilegal das barbatanas.

“Nesses casos, o pescador, muitas vezes, se depara com a seguinte opção: ou devolve o tubarão para o mar mesmo o animal estando morto ou esconde essas nadadeiras no barco e tenta repassá-la para outra embarcação antes de retornar. A negociação é feita ali mesmo e as peças são levadas por esses atravessadores para águas internacionais. Não há como mensurar o tamanho desse comércio paralelo. Além disso, existe ainda desembarque em locais não tradicionais e de madrugada mesmo em águas brasileiras para burlar a (baixa) fiscalização existente”, esclarece.

O especialista destaca ainda que qualquer cidadão pode denunciar a prática de ‘finning’ para órgãos de controle, como a PMA (Polícia Militar Ambiental), o IBAMA, o ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade), entre outros. Entretanto, para ele, a principal prática que as pessoas deveriam adotar é deixar de consumir a carne de cação, o que contribuiria não só para a preservação desses animais, mas também para a saúde dos consumidores e o equilíbrio de ecossistemas inteiros.

“Muitos desses tubarões estão ameaçados de extinção e muitas vezes não conseguimos detectar a espécie que está sendo comercializada. Ou seja, sem o consumo, a captura de tubarões também diminui como consequência e, em efeito cascata, tende a cair o corte ilegal de barbatanas de tubarão”.

“Além disso, existe também uma questão de saúde por trás da redução desse consumo: muitas dessas espécies por serem predadores do topo de cadeia, acumulam metais pesados em sua carne (como chumbo, mercúrio, níquel, etc) obtidos de outras fontes, o que é prejudicial às pessoas porque não se sabe o efeito disso ao longo da vida”, finaliza.

Combate global

Desde a década de 1990, ações de combate ao ‘finning’ vem se tornando mais frequentes e enérgicas no combate à exploração dos tubarões. Em 1999, a Organização das Nações Unidas (ONU) criou o ‘Plano de Ação Internacional para a Conservação e Manejo de Tubarões’. Apesar de nenhum país ser obrigado a participar da iniciativa, muitas nações estão aderindo a normativas de responsabilidade.

Nos Estados Unidos, desde 2010, uma lei de conservação de tubarões exige que os animais cheguem em solo com suas barbatanas intactas, reduzindo a prática de ‘finning’. No Brasil, em 2014, foi editada a portaria número 445, que define espécies ameaçadas de extinção no litoral brasileiro e que proíbe a captura dessas espécies, também inibindo a ação. No mês passado, a portaria 148 atualizou as informações contidas na normativa anterior.

Outros esforços importantes vêm da Europa. No ano passado, o governo do Reino Unido indicou que vai introduzir a proibição da importação e exportação de barbatanas de tubarão. Já uma iniciativa popular criada nos países que compõem a União Europeia colheu, até janeiro, mais de 1,2 milhão de assinaturas para apresentar ao Parlamento e acabar com o comércio de barbatanas no bloco.

Na própria Ásia, cadeias de restaurantes e hotéis também vem interrompendo a venda da sopa de barbatanas, um indicativo de que ainda há muito a ser feito, mas a conscientização está cada vez maior.

 

Fonte: Uol

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