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ANIMAIS

Como as alterações climáticas podem afetar o futuro da lebre-de-cauda-branca?

12 de maio de 2023
Por Filipe Pimentel Rações
4 min. de leitura
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ebre-de-cauda-branca (Lepus townsendii) com pelagem de inverno num ambiente livre de neve. Foto: Yellowstone National Park / Wiki Commons

O aquecimento global, impulsionado pelas alterações climáticas provocadas pelas atividades humanas, está a causar uma reconfiguração de um grande número de habitats pelo mundo fora. À medida que sobe a temperatura da Terra, também às áreas cobertas de neves vão reduzindo cada vez mais, afetando fortemente a diversidade de animais e plantas que se adaptaram para viver nesses ambientes gelados e hostis.

A contração das áreas com neve, e o seu eventual desaparecimento, algo que a Ciência não põe de parte que possa vir a acontecer num futuro não muito distante, terá impactos especialmente duros sobre as espécies de animais que, fruto de evoluções adaptativas ao longo de milhões de anos, conseguem mudar a cor da sua pelagem ou das suas penas.

Lebre-de-cauda-branca com pelagem escura. Foto: Patrick Congdon / Wiki Commons

Durante o inverno, estes animais ‘vestem-se’ de branco, para de confundirem com o meio nevado e escaparem aos olhares de presas ou de predadores. No verão, as suas tonalidades acastanhadas são a camuflagem perfeita contra um pano de fundo mais escuro. Mas neste quadro de convulsão climática, essas adaptações podem vir a ser mais prejudiciais do que benéficas.

Mafalda Sousa Ferreira, investigadora do Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos, da Universidade do Porto (BIOPOLIS-CIBIO), explica que “um animal de cor escura destaca-se numa paisagem coberta de neve, e torna-se imediatamente visível por presas ou predadores”. Para presas, como a lebre, “a capacidade de se manterem camufladas pode fazer a diferença entre a vida e a morte”, salienta.

Foi precisamente sobre a lebre, mais especificamente sobre a lebre-de-cauda-branca (Lepus townsendii), que Mafalda Sousa Ferreira, mais outros três investigadores portugueses do BIOPOLIS-CIBIO e ainda especialistas da Universidade de Montana e do Museu de Natureza e Ciência de Denver, nos Estados Unidos da América, publicaram recentemente um artigo na revista ‘Science’.

Sendo essa espécie de leporídeo capaz de mudar a cor do seu pelo como estratégia de camuflagem, os investigadores quiseram perceber como poderá ela lidar com a redução das áreas cobertas de neve.

“O desaparecimento da cobertura de neve, que se prevê que vá a acontecer no próximo século em muitas áreas do globo, vai fazer com que estas espécies que evoluíram a camuflagem branca de inverno fiquem expostas em habitats com pouca ou sem neve”, alerta a cientista portuguesa, acrescentando que esses animais “vão brilhar como uma lâmpada contra um fundo negro”.

No caso da lebre-de-cauda-branca, nem todos os indivíduos têm a mesma coloração durante o inverno, sendo que alguns podem ser totalmente brancos, outros podem apresentar tons acastanhados e outros podem ainda ter uma “coloração intermédia”. Isso acontece, porque nem todas essas lebres vivem nos mesmos habitats, e por isso têm de adaptar essa capacidade de camuflagem ao meio envolvente.

Lebre-de-cauda-branca com pelagem de inverno. Foto: Amedio Cortese

Paulo Célio Alves, outro dos investigadores portugueses que assina este artigo, afirma que “com recurso sobretudo a vários espécimes preservados em museus de história natural, fomos capazes de analisar toda a fantástica variação na coloração de inverno que é observada na lebre-de-cauda-branca. E para além da análise da cor, conseguimos a partir destas peças de museu sequenciar toda a sua informação genética”.

Foi esse trabalho de análise do genoma dessa espécie que permitiu aos investigadores descobrirem que a cor do pêlo dessas lebres é controlada por três genes que determinam a produção de melanina e o seu transporte pelo organismo do animal.

Essa capacidade é o resultado de milhões de anos de história evolutiva, recorda José Melo-Ferreira, um dos coordenadores do artigo, destacando que “a adaptação que vemos atualmente resulta de uma longa história evolutiva, e que a variação nestes genes tem sido crucial para a sobrevivência das espécies em ambientes sazonais há muito, muito tempo”.

Então, o que podem as alterações climáticas, e a consequente redução da cobertura de neve, significar para a sobrevivência da lebre-de-cauda-branca? Os cientistas acreditam que as lebres que forem capazes de se manter total ou parcialmente castanhas durante o inverno terão maior probabilidade de sobrevivência. Assim, os indivíduos com essas características genéticas poderão difundir mais amplamente e, mais bem preparados para enfrentarem um mundo com menos neve, ajudar a aumentar as populações dessa espécie.

“Apesar destas serem boas notícias para a lebre-de-cauda-branca, os nossos resultados também servem como um aviso para outras espécies que sofrem os efeitos das alterações climáticas”, acautela-nos José Melo-Ferreira.

Fonte: GreenSavers

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