EnglishEspañolPortuguês

Cavalgada do Mar provoca polêmica entre entidades de defesa dos animais

26 de fevereiro de 2010
9 min. de leitura
A-
A+

A 26ª Cavalgada do Mar acabou revelando a negligência de tradicionalistas com seus cavalos. O cuidado inadequado provocou a morte de dois equinos e deixou doentes outros 15 no sábado (20), primeira dia da jornada. Revoltados com os maus-tratos, mais de duas dezenas de entidades de defesa dos animais lançaram uma “Carta Aberta aos Gaúchos de Bom Senso” e programaram para esta sexta-feira (26) um protesto em frente ao Palácio Piratini, em Porto Alegre (RS). Eles pedem o fim da atividade.


Percurso de 240 quiômetros, que se iniciou no sábado, já matou dois cavalos pelo esforço (Foto: Daniel Marenco/Zero Hora)


O descuido com os animais por parte de participantes foi reconhecido pelos organizadores. Conforme o veterinário da cavalgada, Alexandre Monteverde, no mínimo 30% dos cavalos forçados a percorrer 240 quilômetros em oito dias não têm condição física para a tarefa. Ele conta que os dois mortos eram obesos e sedentários, levados para o sacrifício por tutores sem conhecimento. Morreram com sinais de desidratação extrema e cansaço.

O presidente da Fundação Cultural Cavalgada do Mar, Vilmar Romera, reconhece que ocorrem “absurdos”, como no caso de um cavaleiro que chegou com uma égua prenhe. “Cavalo só morre por falta de cuidado. Tem cara que traz para a cavalgada animal que ficou três meses comendo dentro de cocheira. Tem gente aqui que nunca viu cavalo. Que só sabe diferenciar o cavalo de uma vaca por causa do chifre”, afirma.

Apesar de reconhecer a falta de cuidado, Romera não considera que tenha qualquer responsabilidade como organizador da cavalgada e não compreende os protestos. “Que culpa eu tenho se tu matas o teu cavalo? Morreram dois, o que é natural. Se morrerem 15 cavalos, não tenho nada com isso. Quem sou eu para dizer que alguém não pode participar? O animal tem de ser preparado. Esse é um problema do tutor do cavalo. É como mulher. Se tu não tratares bem, vais levar chifre”, diz Romera.

Protesto será em frente ao Piratini

Fazia 12 anos que não morriam animais durante a cavalgada. Em uma edição de 15 anos atrás, no entanto, chegaram a morrer oito. O problema está no perfil de cavalos e cavaleiros. Segundo Monteverde, veterinário da cavalgada, os equinos deixaram de ser animais de tração e trabalho para se transformar em animais de estimação, como cães e gatos. E seus tutores são profissionais urbanos que os mantêm em hotéis para cavalos, onde só vão vê-los nos finais de semana.

“Esses animais não se exercitam e ficam obesos. Como nunca foram submetidos a esforço, no momento em que vêm para a caminhada podem sofrer. A maioria dos que participam não foi a um veterinário para uma avaliação”, disse o veterinário.

A notícia das mortes provocou indignação de protetores dos animais. Para eles, o calor excessivo, a falta de preparo e as longas distâncias configuram crueldade. Na Carta Aberta, as entidades afirmam que “o dito companheiro do gaúcho, um dos símbolos do pago, está sendo vilipendiado (…) por tradicionalistas de fim de semana” e pedem o fim imediato da cavalgada. A manifestação desta sexta-feira foi marcada em frente ao Palácio Piratini, porque a governadora Yeda Crusius participou da abertura do evento.

“Os verdadeiros tradicionalistas deveriam tratar os cavalos com respeito e dignidade”, critica Helena Dutra, do Grupo pela Abolição do Especismo.

A cavalgada também é censurada por pessoas do ramo, como o veterinário Hugo Farias, diretor-técnico no Estado da Associação Brasileira de Criadores de Cavalos da Raça Mangalarga. Participante de jornadas muito mais exigentes, nas quais os animais fazem de 45 a 55 quilômetros por dia durante 15 dias, ele critica a falta de preparo dos participantes do evento do Litoral e o sofrimento a que as montarias são submetidas.

“Normalmente, são cavalos de lazer, de pessoas que pensam que cavalgar é sentar em cima. O tutor acha que aguentam tudo. Mas são animais preparados para a beleza, o que significa que são tratados para ter gordura”, afirma Farias. “Não vejo razão de ser nessas cavalgadas”

Descansando em Cidreira, o folclorista Paixão Côrtes, a maior autoridade em tradicionalismo gaúcho, viu apenas as pegadas deixadas pela Cavalgada do Mar deste ano. O evento não o entusiasma. Apesar de achar a ideia boa, ele considera que ela é desperdiçada pela falta de conhecimento e de propósito. Confira a entrevista concedida nesta quarta-feira pelo folclorista:

Qual é a sua visão a respeito de eventos como a Cavalgada do Mar?
Paixão Côrtes – As cavalgadas podem chamar a atenção à ligação entre o gaúcho e o cavalo no movimento tradicionalista. Assim como existem apresentações de danças, podem ocorrer essas demonstrações de cavaleiros. É salutar, quando bem organizada. Mas bem organizado significa ter objetivos e não simplesmente montar no cavalo sem perspectivas maiores. Passo um bom tempo aqui em Cidreira e não vejo razão de ser nessas cavalgadas. É simplesmente uma caminhada a cavalo. Não há pesquisa ou questionamento sobre nada. Não serve para questionar os problemas do Rio Grande. É um passeio. É comer, beber e dar risada.

Existe desconhecimento sobre os cavalos por parte dos participantes?
Paixão Côrtes – O gaúcho sempre esteve ligado ao cavalo. Ele podia dormir mal, nos arreios, mas o cavalo precisava ficar em um condição excepcional, porque era através do cavalo que o gaúcho podia fazer o seu trabalho. Na cavalgada, há participantes inconscientes da responsabilidade que deveriam ter. Estão percorrendo grandes distância cavalos mal-alimentados e não habituados a isso. Não estou dizendo que não existem pessoas com conhecimento, mas tenho visto aqui que são pessoas sem a mínima noção da sua responsabilidade e da dignidade do animal. Estão fazendo exibição descaracterizante, em vez de exaltar o cavalo e a identidade da terra.

O trajeto pelo litoral faz sentido?
Paixão Côrtes – O litoral foi a primeira rota dos tropeiros, a partir de 1731. Mas eu falo com os cavaleiros aqui e eles não sabem nada do que estão fazendo, não têm conhecimento nenhum da História. Tinham de conhecer e de fazer o resgate. Uma cavalgada dessas tem de ter algum objetivo além de simplesmente montar. Existes festas e recepções, mas o tradicionalismo não vive de festas. Vive da realidade e do desenvolvimento do Rio Grande. Precisa ter substância. É preciso ter a cultura do saber, não só a do montar.

Carta aberta

A seguir, leia a carta aberta divulgada pelos ativistas.

Cavalarianos marcam as areias do litoral com o sangue do cavalo

Mais uma vez nos cabe denunciar os abusos da exploração animal em relação aos cavalos deste Rio Grande do Sul. Neste momento, centenas de animais estão sendo obrigados a trajeto cansativo, sob forte calor, submetidos a cavaleiros despreparados, em uma marcha insana e despropositada, a chamada cavalgada do mar.

Tais cavaleiros não sabem ou fingem ignorar a fragilidade dos cavalos?

Não bastam os carroceiros que exploram, sugam e matam seus animais… também os “tradicionalistas” de forma insensível e exibicionista não se importam de expor seus “amigos” a um estresse desnecessário e fatal (fontes “extraoficiais” informam que não dois, mas seis cavalos já morreram… e, pela declaração do veterinário que acompanha a cavalgada, ontem havia mais dez animais em tratamento… )

O dito companheiro do gaúcho, um dos símbolos do pago, está sendo vilipendiado não apenas por carroceiros pobres, movidos pela necessidade de sustento (mas não menos exploradores) agora também por tradicionalistas de fim de semana que exploram até a morte seus animais.

A única finalidade parece ser ocupar espaços na mídia e servir de palco para promoções pessoais e de candidatos a cargos eleitorais.

As leis de proteção aos animais não devem ser utilizadas apenas para os carroceiros. É preciso que essa cavalgada tenha fim imediatamente, poupando os cavalos de mais sofrimento e morte. É preciso que denunciemos ao país tamanha crueldade e também que se diga ao Brasil que nem todo o rio-grandense comunga destas ideias tradicionalistas estapafúrdias. Ser gaúcho é tão somente ter nascido dentro das fronteiras deste estado, e isso não faz de ninguém melhor ou pior do que qualquer outro ser humano.

Esses fatos lamentáveis demonstram a superficialidade do discurso ufanista de gaúcho, pampa, cavalo, pilcha, negrinho do pastoreio, chimarrão, churrasco, prenda e peão. Discurso vazio, ufanismo barato, bairrismo apequenado, desrespeito e falta de ética. Não assistiremos calados à morte e sofrimento dos animais. Enquanto o coordenador da cavalgada exibe-se na mídia dizendo que “vai marcar a beira da praia com a pata do cavalo”, nós não deixaremos que siga marcando o chão deste Estado com o sangue dos cavalos.

MGDA – Movimento Gaúcho de Defesa Animal – entidades filiadas
ACAPA – Associação Carazinhense de Proteção aos Animais, Carazinho
Amigo Bicho & Companhia – Grupo de Conscientização da Vida Animal –  Rio Grande
Amigos, Associação de Proteção e Defesa da Vida Animal – Gravataí
AMOGA – Associação Montenegrina dos Guardiões dos Animais – Montenegro
APATA – Associação Protetora de Animais  de Taquara
APROCAN – Associação Protetora dos Animais de Canoas
ASPA – Associação Santanense de Proteção aos Animais – Santana do Livramento
Associação Camarense de Proteção aos Animais – General Câmara
Associação Gaúcha de Proteção aos Animais-  Charqueadas
Associação Jeronimense de Proteção aos Animais  – São Jerônimo
SOS Animais – Associação Pelotense de Cidadania – Pelotas
ATPA – Associação Torrense de Proteção aos Animais – Torres
Clube Amigo dos  Animais, Santa Maria
Gatos e Amigos – Porto Alegre
NBPASFA – Núcleo Bageense de Proteção aos Animais São Francisco de Assis – Bagé
ONDA. Organização Nacional  de Defesa Animal –  Cachoeirinha
REDIA – Rede de Educação Estadual dos Direitos dos Animais e do Meio Ambiente, Porto Alegre
SOAMA. Sociedade Amigos  dos Animais – Caxias do Sul
S.O.S ANIMAIS – Viamão
União Santa Mariense Protetora dos Animais,  Santa Maria
UPV – União Pela Vida – Porto Alegre
GAE – Grupo pela Abolição do Especismo
Chicote Nunca Mais

Fonte: Zero Hora e Ambiente Já

Você viu?

Ir para o topo