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FASE EXPERIMENTAL

Biodiversidade na pista: IA ajuda a detectar animais e diminuir acidentes e mortes nas estradas

22 de maio de 2024
5 min. de leitura
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Foto: Getty Images

Todos os anos milhares de animais selvagens morrem atropelados nas estradas do Brasil, com destaque para o cacchorro-do-mato (Cerdocyon thous), o tamanduá-mirim (Tamandua tetradactyla), o tatu (Dasypodidae sp.), o tamanduá-bandeira (Myrmecophaga tridactyla) e capivara (Hydrochoerus hydrochaeris), nesta ordem.

Faltam dados atualizados sobre esses registros, mas um estudo comumente citado, feito pelo Centro Brasileiro de Estudos em Ecologia de Estradas (CBEE) estima que a cada ano 475 milhões de animais selvagens sejam vitimados nas estradas do país, uma média de 15 vidas por segundo.

Para amenizar o problema, pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) desenvolveram um modelo de visão computacional, que detecta, automaticamente, espécies da fauna brasileira nas rodovias. A ideia é que, no futuro, os motoristas recebam no celular ou num computador de bordo de seu carro alertas de animais na pista e possam evitar acidentes.

O projeto surgiu devido ao grande volume de atropelamentos e mortes de animais nas rodovias, contam os pesquisadores. “Outro motivador foi a falta de mecanismos computacionais em nosso país para este contexto”, diz o analista de sistemas Gabriel Souto Ferrante, mestre em Ciência da Computação e Matemática Computacional, que desenvolveu o modelo de visão computacional como parte do seu mestrado no Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação da Universidade de São Paulo (ICMC), da USP, em São Carlos.

De acordo com ele, o objetivo era verificar se sistemas baseados em inteligência artificial, que detectam objetos em movimento, podem ser adaptados e treinados para monitorar a travessia de animais em estradas brasileiras. “Concluímos que, além de classificar automaticamente as espécies atropeladas com maior frequência, modelos desse tipo, se devidamente refinados e instalados em dispositivos eletrônicos, podem emitir alertas quase instantâneos sobre a presença de bichos em trechos vigiados das rodovias.”

Seu orientador, o cientista da computação Rodolfo Ipolito Meneguette, também do ICMC-USP, acrescenta que projeto surgiu da ideia de agregar um novo serviço ao sistema de transporte inteligente, com objetivo de reduzir a quantidade de atropelamentos de animais nas pistas, bem como os prejuízos causados por esses acidentes. “Nosso objetivo era criar um repositório de animais brasileiros silvestres nas vias e avaliar o uso de inteligência artificial para detectá-los nas estradas em computação de borda”, explica.

Computação de borda é aquela em que o poder computacional está fora dos data centers e servidores, ou seja, está mais próximo à captura de dados para aumentar a velocidade de processamento, comumente com dispositivos remotos. No caso do repositório, trata-se um banco de dados (especificamente imagens), que a inteligência artificial utiliza para entender padrões das espécies selecionadas.

De acordo com o artigo resultante do trabalho, publicado na revista Scientific Reports, os atropelamentos de animais selvagens são um problema recorrente e perigoso, que também afeta humanos e tem recebido cada vez mais atenção de ambientalistas em todo o mundo. Segundo os pesquisadores, a resolução desse problema é desafiadora devido aos elevados investimentos necessários em infraestruturas rodoviárias, para reduzir eficazmente as colisões de veículos com animais selvagens.

Ainda conforme o artigo, apesar das recentes aplicações de técnicas de aprendizagem automática em sistemas de detecção de baixo custo e economicamente viáveis, por exemplo, para alertar os motoristas sobre a presença de animais e recolher estatísticas sobre espécies animais ameaçadas de extinção, o sucesso e a ampla adoção destes sistemas dependem muito da disponibilidade de dados. para treinamento do modelo.

É aí que entra o repositório sobre espécies da fauna brasileiro, criado durante o projeto. Em termos mundiais, há numerosos relatos de atropelamentos de animais como veados, raposas, coelhos, melros, ouriços e faisões, para citar alguns. No Brasil, as espécies ameaçadas de extinção com grande chance de serem mortas nas rodovias incluem a anta (Tapirus terrestris), a onça-parda (Puma concolor), o jaguarundi ou gato-mourisco (Puma yagouaroundi), tamanduá-bandeira e o lobo-guará (Chrysocyon brachyurus).

Foram essas que os pesquisadores usaram para treinar o modelo de visão computacional que desenvolveram. Para isso, eles criaram o repositório com 1.823 fotos dessas espécies retiradas da internet e editadas, quando necessário, para deixá-las mais definidas e oferecer diversos ângulos para o sistema poder identifica-las. “Logo em seguida escolhemos algumas redes neurais para detecção de objetos para treinamento e testagem sobre vídeos da internet e outros gravados no parque ecológico de São Carlos”, conta Ferrante. “E ao final, realizamos a avaliação de performance em laboratório e em dispositivos de computação de borda.”

Os resultados mostraram que modelo de visão computacional escolhido e suas variantes tornam possível a detecção rápida e precisa em cenários limpos e definidos de animais na pista. Trata-se da arquitetura YOLO, sigla do inglês You Only Look Once, ou “você olha apenas uma vez”, em tradução livre, muito usada para detecção de objetos e seres vivos. “Em imagens feitas durante o dia, em que o animal está bem visível, os modelos treinados por nós detectaram corretamente a espécie em 80% dos casos”, conta Ferrante.

Esse índice cai bastante, quando há interferências do ambientes, como pouca luz e obstáculo entre a câmera e o bicho. Ou seja, os modelos não tiveram um bom desempenho. Apesar disso, os pesquisadores acreditam que o sistema pode vir a ser usado na prática nas estradas do país. “O seu emprego seria possível por meio da utilização de equipamentos de computação de borda mais robustos”, diz Ferrante. “É possível fazer testes com novas arquiteturas de detecção de objetos mais recentes. Além disso, o apoio de concessionárias das rodovias pode ser de grande ajuda.”

Fonte: Um Só Planeta

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