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SANTA CATARINA

Banho, tosa e cuidados: projeto acolhe cães abandonados, ensina profissão a detentos e inspira iniciativa nacional

21 de fevereiro de 2024
5 min. de leitura
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Foto: Divulgação/SAP

É no espaço anexo ao Complexo Penitenciário do Vale do Itajaí, em Itajaí, no Litoral Norte de Santa Catarina, que os detentos da unidade têm uma segunda chance. No canil construído há quatro anos pelos próprios internos, eles cuidam de cães abandonados e vítimas de maus-tratos. Enquanto acessam sentimentos esquecidos de afeto e cuidado dado pelos animais, aprendem uma profissão para ingressarem no mercado de trabalho.

“De todos os presos que passaram pelo projeto, nenhum até hoje voltou para a prisão. Isso é muito significativo para a gente”, resume Bruna Longem, idealizadora e coordenadora da ação.

O ‘ReabilitaCão’, consolidado pela servidora estadual em 2020, permite que os presos criem empatia, aprendam práticas no cuidado aos animais e, ao final, ganhem um diploma. A iniciativa, que já atendeu cerca de 300 internos, agora está prestes a virar um programa estadual e expandir para outras prisões.

Em paralelo, a Secretaria de Administração Prisional e Socioeducativo de Santa Catarina (SAP) aguarda uma portaria do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP) incentivando outros estados a fazerem projetos similares. A base do documento é inspirada na experiência catarinense.

“Esse projeto, nessa fase atual, durou quatro anos. Até para que a gente solidificasse e visse que realmente funciona. Agora, é a segunda fase, em que se torna o programa, uma política pública de estado”, afirma.

Bruna explica que no início a proposta enfrentou resistência. No entanto, o piloto encontrou apoio depois que os dados de reincidência mostraram que o contato com os animais modificou o comportamento dos detentos e deu a eles propósito.

Apenas detentos que possuem bom comportamento, estão em regime semiaberto e não foram condenados por crimes sexuais podem participar do ‘ReabilitaCão’. A equipe multidisciplinar também avalia o estado de saúde mental, priorizando grupos que precisam de mais atenção.

E foi esse olhar às populações mais vulneráveis que chamou a atenção do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT). Em um relatório nacional sobre as condições em que vive a população LGBT+ dentro das cadeiras, divulgado no ano passado, o órgão elogiou a ação.

Dos locais visitados em todo o país, o projeto foi único com destaque positivo no levantamento que deu ênfase à ressocialização de grupos com experiências específicas de vulnerabilidade no sistema prisional. Neste grupo estão as pessoas trans, com deficiências físicas e aquelas diagnosticadas com sofrimentos psíquicos.

“A gente prioriza pessoas com ansiedade severa, depressão, crises. E a população LGBT privada de liberdade é um grupo que tem menos política pública e é mais estigmatizado”, explica a coordenadora ao lembrar que os integrantes da iniciativa apresentam melhora súbita na saúde mental ao terem contato com os animais.

Isso porque, a cinoterapia, como é conhecida a prática de promover o bem-estar físico, emocional, social e cognitivo dos pacientes com o uso de animais, se mostrou eficiente em outras prisões do mundo. Além disso, é desenvolvida no país em outros espaços, como hospitais e lar de idosos.

“Projetos assim ajudam nessa questão. É cientificamente comprovado que o contato do ser humano com os animais acaba melhorando essa questão cognitiva. E a gente conseguiu comprovar isso com o projeto também”, disse Bruna Longen, servidora da SAP.

Formada em direito, a coordenadora do projeto e Superintendente de Execução Penal de Santa Catarina, defendeu uma tese sobre os dados positivos do ReabilitaCÃO na vida dos apenados em um mestrado no ano de 2023.

Foto: Divulgação/SAP

Estrutura

Diariamente, os detentos do Complexo Penitenciário do Vale do Itajaí que participam do ‘ReabilitaCão’ começam as tarefas por volta das 7h e finalizam às 17h. A estrutura tem espaço para abrigar 20 cães. A cada três dias de serviço no local, garantem um dia de remissão de pena.

Dentro do calendário organizado anulamente pela coordenação, os internos participam de feiras de adoção dos cães que ajudam a cuidar e fazem os cursos para aprimorar o manuseio com os cães. As atividades são programadas por meio de Ongs parceiras, voluntários e articulação com a Assistência Social da cidade.

Os animais abandonados abrigados na estrutura são recolhidos na região onde está loclizado o Complexo. Afastado do centro e em área rural, o bairro Canhanduba possui grande incidência de abandono de cães, conforme a coordenadora do projeto.

Mercado de trabalho

Além de aliviar o sofrimento dos detentos, o projeto revelou uma nova oportunidade de reinserção no mercado de trabalho. Quem participa da iniciativa e tem acesso aos cursos de auxiliar de veterinário, adestramento canino e técnicas de banho e tosa, por exemplo, tem a chance de sair da prisão com emprego.

Segundo a Associação Brasileira da Indústria de Produtos para Animais de Estimação (Abinpet), o segmento de produtos veterinários cresceu 16% em faturamento no ano de 2023, seguido pelo setor de cuidado com os pets, com 15% de aumento. As projeções foram feitas com base em números até o 3º trimestre de 2023.

“Muitos saem com emprego já certo. Teve um apenado, inclusive, que abriu uma pet shop”. Isso mudou a realidade dele, afirma Bruna.
Atualmente, 2,1 mil detentos fazem alguma atividade laboral, como a do ReabilitaCão. Além disso, no universo de 24,6 mil internos, 8.360 trabalham. Com o programa a ser implementado no estado, a Secretaria de Administração Prisional quer aumentar o percentual de atividades nas cadeias.

Para conseguirem estruturar o programa, as unidades prisionais deverão demonstrar interesse à secretaria. Em paralelo, os municípios interessados também poderão auxiliar com a mediação entre os animais e entidades parceiras para auxiliar no capacitação dos detentos.

Os detalhes de como será a implementação estadual do ReabilitaCão deverá ser divulgado nos próximos meses pelo governo estadual.

Fonte: G1

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