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HOLOCAUSTO

Atropelamentos de mamíferos em rodovias matam animais saudáveis da fauna brasileira

17 de abril de 2024
5 min. de leitura
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Foto: Ilustração | Freepik

O Laboratório de Patologia Comparada de Animais Selvagens (LAPCOM), da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia (FMVZ) da USP, analisou cadáveres de animais selvagens atropelados em rodovias para entender se o estado de saúde do animal impacta no aumento do número de acidentes. Porém, o que o estudo encontrou foi que a grande maioria dos selvagens atropelados não apresentava sinais de outros problemas de saúde, o que demonstra que parte da fauna saudável e apta à reprodução é perdida em fatalidades.

“O trauma veicular retira das populações naturais a ‘nata’ reprodutiva, essa é a informação mais impactante da pesquisa, que diz respeito à saúde única e à conservação. Para um patologista, é muito triste necropsiar um animal saudável, além de ser uma situação muito impactante para a conservação”, comenta José Luiz Catão-Dias, professor da FMVZ e orientador do trabalho.

De acordo com um estudo brasileiro publicado na Heliyon, mais de 37 mil mamíferos são atropelados por ano no Estado de São Paulo. Por causa desse número exorbitante, o pesquisador Pedro Enrique Navas ficou com uma pulga atrás da orelha: a hipótese inicial do seu doutorado era que animais doentes são mais suscetíveis a acidentes por, talvez, não conseguirem reagir aos veículos. Assim, ele deu início à pesquisa, fazendo a necropsia de corpos de mamíferos selvagens mortos por atropelamento em São Paulo, Santa Catarina, Paraná e Mato Grosso do Sul. Essas análises resultaram em dados sobre saúde, envenenamento por agrotóxicos e padrões de traumas.

Os dados mostraram que, dos 452 animais aptos para monitoramento na tese, a grande maioria não estava doente, ao contrário, eram indivíduos saudáveis e em condições se reproduzir.

“A ideia partiu de uma iniciativa de trazer para dentro do laboratório uma linha de pesquisa em ecopatologia de estradas, considerando a necessidade que temos de entender o que acontece com a fauna dentro de um contexto de saúde única. Quanto mais invadimos as áreas florestadas, mais temos contato com os animais selvagens. Por isso, investigar cadáveres de animais atropelados é uma excepcional forma de obter amostras e entender o impacto da antropização [ação humana] ”, diz Catão-Dias ao Jornal da USP.

Para ter acesso às carcaças nas rodovias, foram feitas parcerias com projetos de pesquisa de conservação que monitoram estradas, como o Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Mamíferos Carnívoros (CENAP), o Instituto de Conservação de Animais Silvestres (ICAS) e a Iniciativa Nacional para a Conservação da Anta Brasileira (INCAB), parcerias técnico-científicas com concessionárias de estradas do Estado de São Paulo e buscas ativas pelas carcaças no Mato Grosso do Sul.

No total, durante três anos de monitoramento, só nas rodovias do Mato Grosso do Sul foram registrados mais de 13 mil animais atropelados, dados obtidos em colaboração com o Projeto Bandeiras e Rodovias do ICAS. Nos três biomas observados (Mata Atlântica, Cerrado e Pantanal), havia muitos atropelamentos de tamanduás-bandeira e os animais carnívoros foram os mais afetados, como cachorros-do-mato, jaguatiricas e onças.

“Os resultados da saúde foram estarrecedores, a gente achou pouquíssimos animais com doenças que poderiam estar associadas a uma baixa performance do indivíduo em geral”, relata Pedro. “Em termos de conservação de espécies, o atropelamento de fato tira animais que estariam aptos para se reproduzirem e manterem as populações estáveis.”

Outro dado impactante foi encontrado em uma pesquisa de iniciação científica da então estudante de graduação do LAPCOM, Marina Pellegrino da Silva. A partir das necropsias, ela procurou em carnívoros pesticidas derivados do chumbinho (produto utilizado para envenenar animais). Nesses animais, 30% testaram positivo para o veneno em três regiões do Estado de São Paulo, o que levanta uma hipótese que animais envenenados entram comprometidos na rodovia e não conseguem reagir antes de serem atropelados. Os pesquisadores ressaltam que rodovias sempre oferecem riscos para os animais, mas caso eles não se encontrem saudáveis ou sob efeitos químicos as chances de morte podem ser ainda maiores.

Além dos dados sobre mortalidade, a pesquisa identificou alguns padrões de impactos físicos que o atropelamento pode causar em determinadas espécies. Em um artigo derivado da tese, publicado no Journal Of Comparative Pathology, o estado do corpo de antas brasileiras após colisão oferece um entendimento maior sobre o padrão de trauma nesses animais. “Essa vida já foi perdida, mas as informações sobre o animal morto podem ampliar o potencial de conservação da espécie”, aponta o pesquisador.

Esse conhecimento pode auxiliar na tomada de decisão de profissionais que atendem as antas depois do trauma: ao saber quais tipos de lesões esses animais geralmente têm e, numa situação em que é necessário agir de forma rápida, escolher a melhor abordagem para salvar a vida dos animais.

Na perspectiva de segurança rodoviária, tanto para animais quanto para humanos, medidas de mitigação são importantes para garantir que esses traumas não aconteçam. Algumas alternativas possíveis são a construção de pontes vegetadas para os animais fazerem a travessia, passos inferiores (como dutos de água) e cercamento das rodovias. Segundo os pesquisadores, nas rodovias que o estudo acompanhou e que implementaram algum dos tipos de proteção, a taxa de mortalidade por atropelamento de animais caiu cerca de 80%.

A tese Avaliação do estado sanitário e do trauma em mamíferos selvagens atropelados em rodovias de três biomas do Brasil: impactos antrópicos na biodiversidade brasileira ganhou menção honrosa na 12ª edição do Prêmio Tese Destaque USP.

Fonte: Jornal da USP

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