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Animais sentenciados à morte: uma reflexão sobre as zoonoses

19 de agosto de 2013
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O homem e os animais começaram a disputar o mesmo espaço pela sobrevivência. Esse convívio mútuo e fora das leis naturais acarretou uma série de impactos ambientais. A intromissão teve como consequência a inclusão do homem no ciclo de desenvolvimento das doenças ocasionadas apenas em certas espécies de animais. As chamadas zoonoses ficaram populares por se alastrarem dos animais para os homens dentro das áreas urbanas e rurais. Dentre as mais comuns estão a raiva e a leishmaniose – também conhecida como calazar. Os centros de Controle de Zoonoses são responsáveis pelos animais abandonados e doentes, controlando a população destes com eutanásia (se “for o caso”) e com os programas de adoção, que são direcionados para pessoas e universidades – direcionado à vertente de estudos.

Zoonoses são doenças de animais transmissíveis ao homem. Os agentes que desencadeiam essas afecções podem ser microrganismos diversos, como bactérias, fungos, vírus e alguns vermes parasitas (helmintos, por exemplo). Os órgãos competentes para que haja o controle dessas enfermidades são os Centros de Controle de Zoonoses (CCZ), desenvolvendo sistemas de vigilância sanitária e epidemiológica.

Em 2012 o veterinário Luiz Elias Bouhid de Camargo, elaborou conceitos importantes sobre a construção desses centros e suas políticas de gestão. De acordo com Luiz, “os centros de controle de zoonoses desempenham suas funções através do controle de populações de animais domésticos e controle de populações de animais sinantrópicos – aqueles animais que se adaptam a viver junto com o homem. Essa ação é baseada em trabalhos educativos, procurando esclarecer e contar com a colaboração e participação de toda sociedade, complementada por ações legais e fiscais.”

Na Capital, um dos 14 veterinários responsáveis pelo Departamento de Vigilância e Controle de Zoonoses, Sérgio Maurilio Tavares, pontuou alguns critérios estabelecidos pelo CCZ de Goiânia: “Dentre as atividades do Centro de Zoonoses está a vacinação dos animais para controle da raiva e leishmaniose, tanto em cães quanto em gatos. Controle da população de animais em situação de rua, assim como a captura dos mesmo. Alguns já chegam bastante doentes, neste caso, são submetidos à eutanásia, os que estão sadios esperam até três dias para serem adotados.”

Hoje o trabalho de recolhimento dos animais se estende aos animais que estão doentes, ou que atacaram alguma pessoa. Também é de responsabilidade do órgão a captura de grandes animais, como cavalos e bovinos, que estão localizados em terrenos baldios, pois estes fazem parte das estatísticas envolvendo acidentes de trânsito em área urbana. Sérgio ainda ressalta da importância da conscientização das pessoas quanto ao abandono. “A maioria dos animais que estão na rua, foram abandonados por seus tutores.”

(Foto: Sandra Ramos)
(Foto: Sandra Ramos)

Existe ainda a destinação de animais para o estudo em universidades. Não foram esclarecidos quais os métodos utilizados para estes estudos. Contudo cabe às organizações acadêmicas a formalização de documentos que comprovem os “bons-tratos” humanitários no tratamento dos bichos.

A delimitação do espaço do CCZ-Goiânia associada à Lei Mauro Rubem, limita o centro na ação de coleta de animais em situação de rua. O pouco espaço e a falta de destino destes limitam o processo do controle na reprodução, uma vez que cabe, também ao órgão a castração dos mesmos.

São recolhidos de 15 a 20 animais por dia pela carrocinha. O DM esteve no local por volta das 15h em horário de expediente e dia útil. Havia no local somente seis cachorros. Dois cães estavam sob observação, pois haviam atacado pessoas, outros dois esperavam pela adoção e o restante esperava pela reclamação de seus tutores. O que vai acontecer com esses animais por tempo indeterminado, apenas os funcionários do CCZ sabem e não comentam com mais ninguém.

Principais Zoonoses

O veterinário Rafael Ribeiro, especialista em controle ambiental, esclarece as principais zoonoses que afetam os seres humanos, suas formas de contágio e prevenção.

“As zoonoses são doenças que podem infectar tanto homens quanto animais e serem transmitidas entre ambos, nas duas vias, em condições naturais. Os dois desempenham e cumprem, enquanto hospedeiros (onde os microrganismos vivem parte ou toda a sua vida, desde larvas a fase adulta), ou reservatórios (onde eles se reproduzem passando a infectar outros hospedeiros), importantes e fundamentais papéis na manutenção e persistência desse tipo de doença nos ambientes silvestres e urbanos. Entre as zoonoses mais conhecidas e importantes no Brasil, podemos citar a febre amarela, a malária, a hantavirose, a doença de chagas, a raiva humana e animal, a leptospirose e a peste.”

Febre amarela

A febre amarela é uma doença viral de gravidade variável e de curta duração (cerca de 12 dias). Ocorrendo em todo o território brasileiro, possui duas modalidades: a urbana e a silvestre. A Febre Amarela Urbana foi erradicada do Brasil em meados da década de 60, segundo dados do Ministério da Saúde. Embora surtos tenham ocorrido nos anos de 2007 e 2008 em cidades nos estados de SP, MG, GO e DF, técnicos da Secretaria de Vigilância Epidemiológica afirmam que o tipo ocorrido foi de Febre Amarela Silvestre.

Os dois tipos de Febre Amarela: Silvestre (FAS) e Urbana (FAU) apenas se diferenciam em relação aos tipos de vetores, hospedeiros e locais de ocorrência. Enquanto a FAS tem como principais hospedeiros os macacos, e vetores os mosquitos dos gêneros Haemagogus e Sabethes (ambos conhecidos apenas como pernilongos ou muriçocas), o tipo Urbano se utiliza dos seres humanos como hospedeiros e dos mosquitos do gênero Aedes, o mesmo que é responsável pela transmissão do dengue no Brasil.

Outros animais, como alguns roedores e os gambás têm um papel relativamente importante na manutenção da doença pelo fato de viverem bem próximos ao homem (chamados animais sinantrópicos). Essa proximidade pode acarretar surtos importantes. Atividades como o desmatamento, ecoturismo e atividades ligadas ao meio rural podem aumentar o risco de contaminação e sua consequente propagação.

O controle desta doença é feito com o combate do vetor principal Aedes, a vacinação regular da população e a vigilância epidemiológica feita pelo Ministério da Saúde através da Secretaria de Vigilância em Saúde tanto em relação aos casos humanos, como em casos notificados nas populações de macacos.

O tratamento para a Febre Amarela é baseado apenas nos sintomas, combatendo-os à medida que aparem. Febre, vômito e dores abdominais são os sintomas mais característicos da Febre Amarela, mas também comuns a diversas outras febres hemorrágicas (tifo, dengue, hantavirose, malária). Apenas o exame específico pode determinar a infecção pelo vírus amarílico.

Raiva

A Raiva é uma das doenças mais antigas conhecidas e é transmitida ao homem pela inoculação do vírus contido na saliva de animais infectados quando somos mordidos. A raiva animal é extremamente importante do ponto de vista econômico em todos os países nos quais ela é encontrada.

Tanto a raiva humana quanto a raiva animal são transmitidas por vertebrados, ou seja, alguns animais são responsáveis por manter a doença. Na Ásia, América Latina e África os cães são os principais disseminadores da hidrofobia (nome dado à raiva) e ela permanece sendo uma doença importante do ponto de vista da saúde pública.

Em países onde foi possível a erradicação do vírus em populações de animais urbanos, os casos em humanos diminuíram, porém, os animais silvestres se mostram ainda como um grande desafio a ser vencido.

Na Europa e América do Norte, as raposas, guaxinins e morcegos são os animais responsáveis pela manutenção do vírus no ciclo silvestre. Nesses continentes, grande atenção tem sido dada ao controle da doença em populações silvestres, por meio de vacinas recombinantes ou vacinas com vírus atenuados.

Os morcegos hematófagos ou vampiros (que se alimentam de sangue, da espécie Desmodus rotundus) são os principais transmissores da doença para animais, ainda que até 2003 os cães tenham participado na maior parte da epidemiologia da doença. Recentemente, outros morcegos não hematófagos foram incriminados como transmissores da doença tanto no ambiente silvestre como no urbano.

O controle da raiva se faz primariamente pela vacinação anual dos animais urbanos e pelo controle das populações de morcegos hematófagos no ambiente rural e secundariamente pelo tratamento do paciente mordido com vacinas antes do diagnóstico positivo e com soro contendo anticorpos se a infecção for confirmada. Mesmo assim, a raiva é uma doença de alta letalidade e tratamento difícil.

Em Goiás os casos de raiva humana são raros, tendo o último caso sido confirmado nos órgãos oficiais em 2008. As maiores incidências têm ocorrido nos Estado dos do Nordeste e Norte brasileiro.

Contra o massacre de animais

Promulgada pela Assembleia Legislativa de Goiás a lei estadual nº 17.767, de autoria do deputado Mauro Rubem (PT-GO), que prevê que o governo daquele Estado incentive a viabilização e o desenvolvimento de programas que visem ao controle reprodutivo de cães e gatos e promova medidas protecionistas, por meio de identificação, registro, esterilização cirúrgica, adoção e de campanhas educativas para a conscientização do público quanto à guarda responsável desses animais.

De acordo com o deputado Mauro Rubem, autor da iniciativa, o Poder Público tem que estabelecer normas que regulamentem a vida dos animais domésticos, já que existe uma série de atos violentos e de intolerância cometidos por uma parcela da sociedade. “Esse projeto é importante para fortalecer a causa de preservação e relação entre o ser humano e os animais. Nosso objetivo é colaborar com a causa”, justificou.

De acordo com um dos artigos, será vedada a morte desses animais pelos órgãos de controle de zoonoses, canis públicos e estabelecimentos oficiais congêneres, com exceção feita à eutanásia, permitida no caso de males, doenças graves ou enfermidades infectocontagiosas incuráveis que coloquem em risco a saúde de pessoas ou de outros animais. Segundo a justificativa apresentada pelo deputado, o projeto visa garantir a proteção e a promoção da vida desses animais, além de proporcionar um meio ambiente saudável, tendo em vista que o abandono desses animais nas ruas acarreta problemas sérios de saúde pública. “Cães e gatos são depositários de algumas doenças, tais como a leishmaniose visceral, uma doença crônica que pode levar à morte”, explicou o parlamentar.

O projeto foi aprovado em duas votações na Assembleia Legislativa e, como não foi sancionado nem vetado pela governadoria, virou lei, sendo promulgado pela Assembleia Legislativa.

Leishmaniose Tegumentar Americana

A leishmaniose é uma das doenças de maior importância de saúde pública mundial. A Organização Mundial de Saúde (OMS) estima que aproximadamente 350 milhões de pessoas se encontrem em risco de infecção, e que pelo menos 2 milhões de casos surjam em todo o mundo anualmente.

Nas Américas, apenas o Chile e o Uruguai parecem não ter problemas com a doença. Ele ocorre no Brasil em todos os estados desde sua primeira identificação em 1895. Inicialmente considerada uma doença de hábito silvestre exclusivo, infectando pessoas que moravam ou se utilizavam com frequência de ambientes florestais, a Leishmaniose tegumentar Americana tem mudado seu perfil, sendo atualmente bastante comum em ambientes rurais e urbanos.

No Brasil, o número de casos tem crescido a partir da década de 80 e esse fato está intimamente ligado à chamada “expansão da fronteira agrícola” que tem levado a um maior contato do trabalhador com áreas de desmatamento para a produção de grandes culturas de exportação.

A maior dificuldade de controle da LTA é o fato de que, no Brasil, ela possui uma diversidade bastante grande de reservatórios e vetores e padrões de transmissão, que ainda não foram completamente compreendidos.

A LTA é causada por diferentes espécies de protozoários dos gêneros Leishmania e Viannia, sendo largamente encontrada em animais silvestres e envolvendo os seres humanos secundariamente. Os vetores da doença no Brasil são os mosquitos do gêneroLutzomyia (mosquito-palha), existentes em todos os estados brasileiros. Várias espécies de ratos, canídeos (silvestres e domésticos), além de marsupiais são os reservatórios da LTA.

Os sintomas clássicos e mais comuns da LTA são o aparecimento de lesões cutâneas semelhantes a úlceras, e que persistem aos tratamentos comuns. Formas mais raras se apresentam com inchaço de regiões das vias aéreas superiores e lábios, com deformações das cartilagens e eventual perda das mesmas.

O tratamento da LTA é feito exclusivamente em hospitais, pelo alto grau de dificuldade de aplicação destes medicamentos, taxa de efeitos colaterais alta e necessidade de tratamento de infecções secundárias. A taxa de cura é difícil de ser avaliada e o paciente deve permanecer sob vigilância por 12 meses antes de ser considerado curado.

O controle da LTA é baseado no monitoramento da ocorrência das doenças em animais domésticos, com a eutanásia dos casos positivos e posterior investigação e controle dos vetores. Por se tratar de uma doença com inúmeros reservatórios e vetores silvestres, as medidas preventivas são consideradas de extrema importância para a diminuição da incidência da doença. Ações consideradas efetivas e relativamente simples passam pelo uso regular de repelentes e roupas fechadas em atividades ao ar livre, a limpeza de ambientes domiciliares, evitando a reprodução dos mosquitos, a destinação adequada do lixo, o uso de mosquiteiros de malha fina e evitar atividades nos horários de maior atividade dos vetores (crepúsculo e noite).

Atribuições das CCZ – Cidadania e Meio Ambiente

1 Planejar, implantar e executar as atividades de vigilância de zoonoses, doenças transmitidas por vetores e agravos causados por animais que ofereçam risco à saúde pública;

2 Realizar inspeções zoossanitárias, visando o cumprimento de normas e padrões de interesse sanitário nacional, estadual ou municipal. Inspeções zoosanitárias: são inspeções realizadas em imóveis, terrenos baldios, vias e logradouros públicos e coleções hídricas envolvendo animais de interesse à saúde pública, objetivando a eliminação, diminuição ou prevenção de risco à saúde;

2 Propor ações integradas entre os diferentes setores (saúde, agricultura, meio ambiente, educação, entre outros) sempre que possível e principalmente em casos emergenciais, visando melhor solução de forma oportuna;

3 Promover, implantar, apoiar programas e ações éticas de adoção de animais alojados nas UVZ, visando à adoção de animais saudáveis e aptos ao convívio social;

4 Realizar necropsia de animais de interesse à saúde pública, de acordo com as normalizações técnicas específicas para cada doença ou agravo;

5 Realizar a coleta, acondicionamento e conservação de amostras biológicas de animais para encaminhamento aos laboratórios, conforme fluxos estabelecidos, com vistas ao diagnóstico laboratorial das zoonoses ou agravos;

6 Elaborar e implantar o Plano de Gerenciamento de Resíduos de Serviços de Saúde (PGRSS), dos CCZ’s;

7 Manter capacitados os seus profissionais em vigilância das zoonoses e agravos por animais que ofereçam risco à saúde pública;

8 Subsidiar, organizar e avaliar informações relacionadas à vigilância epidemiológica das zoonoses e dos agravos causados por animais que ofereçam risco à saúde pública, conforme normalização oficial vigente;

9 Propor, participar, apoiar, colaborar, realizar parcerias, intra e interinstitucionais, para a realização de ações, atividades de controle de animais que ofereçam risco à saúde pública, que fazem interface com saúde humana, saúde animal e meio ambiente.

Fonte: Diário da Manhã

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