Ela tinha apenas quatro meses de nascida quando sofreu aquele acidente que a deixou paraplégica. O motorista que a atropelou não deu importância para o sinistro, muito menos se preocupou em prestar socorro, afinal ela vivia pelas ruas, à procura de comida, de afeto – às vezes até de um local para dormir. Poucas pessoas se prontificavam a fazer um rápido cafuné, pois como quase não tomava banho acabava exalando mau cheiro.
No entanto, naquele dia alguém ouviu o seu “grito” de dor que se anunciava num olhar sofrido e que parecia pedir uma mão. Foi assim que a pequena Baby, hoje com quatro anos de idade, ganhou um lar e também uma família – e que família grande, por sinal! Junto com ela moram outros 300 animais, dentre cães e gatos, que também foram retirados das ruas pela bacharel em Direito, Raquel Viana. “A Baby só tinha quatro meses quando foi atropelada. A levei para um veterinário que sugeriu o sacrifício dela porque achava que ela não ia se salvar. Ela anda sobre uma cadeira de rodas improvisada porque não tem as patinhas traseiras e é a mais experta do grupo”, concluiu Raquel.
Sem receber qualquer tipo de incentivo do poder público e contando com o apoio de voluntários, ela mantém sozinha o abrigo “Sem raça definida”, no distrito de Outeiro, na Região Metropolitana de Belém (PA). Espaço que ela criou há cinco anos com o objetivo de ajudar aos cães e gatos em situação de abandono e de maus-tratos.
Apesar de ficar relativamente afastado, os animais que são levados para o abrigo geralmente são aqueles que foram abandonados por seus supostos tutores no centro urbano de Belém, inclusive em bairros nobres.
Nas ruas
Pelas ruas de Belém, não é difícil encontrar um, dois, três ou mais cachorros e gatos perambulando pelas calçadas, de porta em porta e até bebendo água da vala. Muitos deles carregam no corpo as marcas e cicatrizes da agressão do homem e poucos encontram a recíproca do amor, confiança e fidelidade que eles depositam em seus tutores.
De acordo com a voluntária da Associação de Defesa e Proteção dos Animais (Asdepa), Madlene Cardoso, o maior problema que eles enfrentam para poder realizar o trabalho de resgate dos animais de rua é a falta de políticas públicas eficazes. “A gente consegue manter o abrigo graças a doações e com recursos dos próprios voluntários para comprar ração, medicamentos e materiais de banho dos animais”, comentou.
Embora não negue as dificuldades, Madlene enfatiza que todo o trabalho que realizam é motivado pelo amor que sentem pelos cachorros e gatos. Como a Asepa não tem condições de manter os quase 300 animais no espaço que serve de abrigo a estes bichinhos, todo domingo realizam ações de adoção dos animais na Praça da República. “As pessoas que adotam, assinam um termo de responsabilidade”, enfatiza.
Casa de Tuti
Em Pau D’Arco, o abrigo de animais Casa da Tuti, que conta atualmente com 104 cães e 280 gatos, por pouco não fechou as portas recentemente. A fundadora do espaço, Maria de Jesus Bentes, tem menos de um mês para desocupar o terreno onde o abrigo funciona. “Já conseguimos outro sítio para montarmos o abrigo, mas precisamos de ajuda (cimento, ferro, tijolo e seixo) para estruturar o novo espaço”, contou.
Para Maria de Jesus, a situação dos cães abandonados em feiras e ruas é um reflexo da crueldade humana, por isso ela se dedica a trabalhar em defesa destes animais. “Assim como a sociedade é enganada pelos políticos, os animais são enganados pelos seus tutores que prometem, mas na hora de cumprir abandonam os mais frágeis”, comparou. Ela conta que frequentemente cães e gatos são jogados por cima do muro para que sejam cuidados. “Tem pessoas que jogam cachorras grávidas por cima do muro, mas eu fico com os animais porque eles não têm culpa. Muitas pessoas veem o abrigo como um espaço para eles abandonarem os animais”, desabafou.
Diariamente os animais consomem 60 quilos de ração, sem contar os gastos com medicamentos e produtos para banho dos cachorros. Se não fosse pelas doações que recebe, o abrigo não poderia mais se manter.Questionada de onde vêm tantos animais para o abrigo, a proprietária da Casa da Tuti reiterou que os bichos são colhidos nas ruas de Belém e levados para serem cuidados no espaço.
Abandono
O Centro de Controle de Zoonoses de Belém estima são 15 mil os animais que vivem em situação de rua na cidade. População esta que poderia ser maior se não fosse a atuação destas entidades, mantidas pela sociedade civil, que dão amor aos animais.De acordo com o vereador Igor Normando (PHS), a cidade das mangueiras está muito atrasada no que se refere aos cuidados que sua população animal precisa ter, principalmente no que se refere à fiscalização e punição para quem comete maus-tratos contra os animais.Para se ter ideia do atraso, nenhuma cidade paraense possui um hospital veterinário público, enquanto que em São Paulo já se planeja construir um segundo empreendimento deste tipo.
Normando encaminhou um requerimento à Prefeitura de Belém solicitando a criação da Secretaria Municipal de Defesa Animal e pretende encaminhar um ofício ao Governo do Estado sugerindo a criação do Conselho Estadual de Proteção aos Animais. “Nós precisamos pensar em um projeto de lei no qual se crie sanções administrativas para quem comete maus-tratos contra os animais, sejam eles cachorros, gatos e até cavalos. É importante criar uma Comissão Permanente de Defesa Animal”, frisou o vereador que também sugere, ao MPE, a criação da primeira promotoria de Defesa Animal.
Ele anunciou também que estuda a possibilidade de que no segundo semestre, Belém possa realizar um grande mutirão de castração de cães e gatos para combater a superpopulação. O vereador esteve à frente de um movimento ocorrido na última semana em defesa dos animais, que contou com a presença de atores globais que aderiram à causa, como Bruno Gagliasso, Giovanna Ewbank e Fiorella Matheis. Futuramente a Câmara de Belém, por iniciativa de Normando, irá promover uma sessão especial para debater os maus-tratos aos animais.
Animais nas ruas também são uma questão de saúde pública
O diretor do Departamento de Zoonoses da Secretaria de Estado de Saúde (Sespa) Bernardo Cardoso, explica que o controle da população de animais não pode ser feito somente por meio da castração. Por isso é importante se discutir estratégias e ações para a solução dos problemas. “Não podemos somente castrar e devolvê-los às ruas. É importante saber para onde encaminhar os animais”, frisou.
A Universidade Federal Rural da Amazônia (Ufra), por meio do Instituto de Saúde e Produção Animal – Hospital Veterinário realiza técnica cirúrgica de castração em cadelas, apropriada para campanhas de redução da superpopulação de cães, sendo a técnica já empregada em campanhas de castração em outras regiões do Brasil.
A técnica cirúrgica é menos invasiva ao organismo do animal, com menor tempo cirúrgico, aproximadamente 10 minutos, a um baixo custo, sendo realizada por apenas um cirurgião, dispensando o auxílio do cirurgião auxiliar, uso de antibióticos no pós-operatório, tendo uma menor exposição de órgãos abdominais, minimizando o risco de contaminação.
Recentemente, Santa Cruz do Arari, no arquipélago do Marajó, foi notícia no mundo inteiro por causa das denúncias contra o prefeito Marcelo Pamplona (PT), acusado de exterminar cerca de 300 cães, num episódio cruel no qual os animais foram laçados, arrastados pelas ruas, amordaçados, espancados e jogados noo rio. O caso é investigado pelo Ministério Público do Estado, que já anunciou que vai mover uma ação contra Pamplona por improbidade administrativa. Para o MPE, o prefeito utilizou recursos e instrumentos da prefeitura para executar a ação.
Depois disso, começaram a surgir denuncias em outras cidades paraenses acusando prefeitos de mandarem exterminar cachorros. Em Jacareacanga, por exemplo, as denuncias que correm são de que os cães foram queimados vivos até a morte. Diante de tamanha brutalidade, a sociedade paraense finalmente atentou para um problema importante que envolve, no mínimo, meio ambiente e a saúde pública.
Fonte: Diário do Pará