EnglishEspañolPortuguês

Consequencialismo negativo

9 de agosto de 2021
6 min. de leitura
A-
A+

Os consequencialistas defendem que para se decidir sobre um curso de ação, devemos primeiramente ponderar os interesses de cada indivíduo que será afetado se uma ação particular for realizada. O consequencialismo negativo é a versão do consequencialismo que se centra na redução dos danos. Essa teoria tem esse foco porque assume que não há coisas de valor intrínseco positivo, enquanto que há coisas de valor intrínseco negativo. Portanto, ao decidir sobre agir de uma forma particular, um consequencialista negativo consideraria quais danos isso causaria, eliminaria, aumentaria ou diminuiria.

De acordo com o consequencialismo negativo, a necessidade em se reduzir o sofrimento tanto quanto for possível deve ter prioridade sobre qualquer outra coisa. Não há uma quantidade possível de benefício que possa compensar a existência de sofrimento.

Uma versão de consequencialismo negativo é o utilitarismo negativo. Outras formas possíveis do consequencialismo negativo incluem o prioritarismo negativo, igualitarismo consequencialista negativo e, em geral, qualquer posição consequencialista segundo a qual não exista valor positivo a considerar.

Para ver as diferenças entre as formas tradicionais de consequencialismo e o consequencialismo negativo podemos considerar o caso do utilitarismo negativo. Há diferenças significativas entre o utilitarismo negativo e o utilitarismo tradicional, embora tenham alguns pontos em comum.

As três ideias que definem o utilitarismo tradicional são:

(1) O que é bom para os indivíduos é que a quantidade de felicidade (ou satisfação de desejos) seja a maior possível. A quantidade de felicidade é igual à quantidade de felicidade positiva menos a quantidade de sofrimento (ou frustração de desejos).

(2) O que é melhor em geral é que a soma total de felicidade seja a mais elevada possível.

(3) Devemos agir de forma a aumentar a soma total de felicidade.

As três ideias que definem o utilitarismo negativo são:

(1) O que é bom para os indivíduos é que a quantidade de sofrimento (ou frustração de desejos) seja a menor possível.

(2) O que é melhor em geral é que a soma total de sofrimento seja a mais baixa possível.

(3) Devemos agir de forma a diminuir a soma total de sofrimento tanto quanto for possível.

Ao contrário do utilitarismo tradicional, o utilitarismo negativo considera que não existe uma quantidade de experiências positivas que possa compensar a existência de sofrimento. De acordo com a teoria tradicional do utilitarismo, o sofrimento pode ser aceitável se produz uma quantidade maior de felicidade positiva. Isso nunca seria aceitável de acordo com o utilitarismo negativo.

Assim sendo, em várias situações o utilitarismo negativo defenderia decisões similares àquelas aplicadas em outras teorias consequencialistas tais como o igualitarismo e o prioritarismo, mas diferentes daquelas do utilitarismo tradicional. No utilitarismo tradicional, por exemplo, se houvesse a possibilidade de produzir grande felicidade a alguém à custa de infligir um nível relativamente pequeno de sofrimento a outro indivíduo, isso seria aceitável. O utilitarismo negativo, assim como o igualitarismo, rejeitaria essa opção.

E quanto a outros pontos de vista consequencialistas negativos? O prioritarismo negativo centra-se em reduzir o sofrimento, mas dando um peso extra àqueles que estão sofrendo mais. O igualitarismo consequencialista negativo também é centrado na redução do sofrimento e na redução da desigualdade.

Existem alguns casos nos quais o utilitarismo negativo chega a conclusões diferentes daquelas obtidas pelo igualitarismo, igualitarismo negativo, prioritarismo e prioritarismo negativo. Por exemplo, tomemos uma situação na qual se agíssemos de certa maneira um indivíduo seria submetido a um sofrimento considerável e outro não, enquanto que se agíssemos de uma forma diferente ambos os indivíduos sofreriam, mas em menor medida que o indivíduo no primeiro exemplo. Em outras palavras, no último exemplo, o sofrimento seria distribuído igualmente e o efeito em cada indivíduo seria reduzido; a dor não seria totalmente infligida em apenas um deles. De acordo com o utilitarismo negativo, se o sofrimento total dos dois indivíduos for o mesmo que o sofrimento experimentado por um deles no primeiro exemplo (pois cada uma das duas pessoas sofreria a metade do total), teríamos de ser indiferentes a ambos os resultados possíveis. Entretanto, uma posição como o igualitarismo (ou o igualitarismo negativo) considera a situação na qual somente um indivíduo sofre como a pior, já que esse indivíduo estaria em uma situação muito pior em comparação àquela em que ambos estariam, caso dividissem o fardo. Nesse exemplo, o utilitarismo negativo opera de um modo similar ao utilitarismo tradicional porque considera a mera quantidade total e não a sua distribuição.

Existe outra posição que rejeita o aumento de felicidade se isto implicar a inflição de sofrimento, mas essa posição é diferente do consequencialismo negativo. Para aqueles que mantêm essa visão, é inaceitável infligir sofrimento de forma a aumentar a felicidade não porque valorizem reduzir o sofrimento ou porque valorizem reduzir o sofrimento mais do que qualquer outra coisa, mas porque simplesmente consideram moralmente errado prejudicar outros seja pela razão que for. Essa é uma visão deontológica, ou não-consequencialista, ao contrário das teorias consequencialistas.

Na prática, o consequencialismo negativo é uma teoria que geralmente protege os mais vulneráveis e se opõe à exploração desses para o benefício de outros se isso resultar em seu sofrimento. Uma vez que os animais não humanos são capazes de sofrer, de acordo com o consequencialismo negativo, é moralmente inaceitável danar os animais ou causar-lhes qualquer tipo de sofrimento para benefício humano. Por esse motivo, a exploração dos animais é moralmente inaceitável.

De acordo com as teorias consequencialistas negativas como o prioritarismo negativo, o utilitarismo negativo e o igualitarismo consequencialista negativo, devemos também ajudar aos animais que estão sofrendo. Mesmo se seu sofrimento não é devido à exploração por parte dos humanos, devemos ajudá-los sempre que for possível fazê-lo, desde que isso não cause sofrimento considerável a outros.


Referências

Acton, H. B. & Watkins, J. W. N. (1963) “Symposium: Negative utilitarianism”, Proceedings of the Aristotelian Society, Supplementary Volumes, 37, pp. 83-114.

Benatar, D. (2006) Better never to have been: The harm of coming into existence, New York: Oxford University Press.

Chao, C. (2012) “Negative average preference utilitarianism”, Journal of Philosophy of Life, pp. 55-66.

Contestabile, B. (2005) “Negative utilitarianism and justice”, Philosophy as Therapy [acessado em 11 de junho de 2015].

Gloor, L. (2017) “Tranquilism”, foundational-research.org, July [acessado em 21 de agosto de 2017].

Gloor, L. & Mannino, A. (2016) “The case for suffering-focused ethics”, foundational-research.org, August [acessado em 15 de julho 2017].

Goodman, C. (2009) Consequences of compassion: An interpretation and defense of buddhist ethics, Oxford: Oxford University Press.

Griffin, J. (1979) “Is unhappiness morally more important than happiness?”, The Philosophical Quarterly, 29 (114), pp. 47-55.

Keown, D. (2005) Buddhist ethics: A very short introduction, Oxford: Blackwell.

Mayerfeld, J. (1996) “The moral asymmetry of happiness and suffering”, The Southern Journal of Philosophy, 34, pp. 317-338.

Mayerfeld, J. (2002) Suffering and moral responsibility, Oxford: Oxford University Press.

Pearce, D. (2010) “Why be negative?”, The Hedonistic Imperative [acessado em 16 de outubro de 2012].

Pearce, D. (2017) Can biotechnology abolish suffering?, North Carolina: The Neuroethics Foundation.

Sikora, R. I. (1976) “Negative utilitarianism: Not dead yet”, Mind, 85, pp. 587-588.

Smart, R. N. (1958) “Negative utilitarianism”, Mind, 67, pp. 542-543.

Suffering Focused Ethics Resources (n.d.).

Tomasik, B. (2013) “Three types of negative utilitarianism”, Reducing Suffering [acessado em 5 de fevereiro de 2017].

Tranöy, K. E. (1967) “Asymmetries in ethics: On the structure of a general theory of ethics”, Inquiry, 10, pp. 351-372.

Você viu?

Ir para o topo