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ALERTA

Exploração de jumentos para consumo pode levar espécie à extinção no Nordeste em 2022

Explorados por décadas no transporte de tração, os jumentos se tornaram alvos de abandono e da matança para exportação de carne e couro

3 de agosto de 2021
Mariana Dandara | Redação ANDA
5 min. de leitura
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FOTO: DIVULGAÇÃO/AGORA NA BAHIA

A exploração de jumentos para consumo humano aproxima cada vez mais a espécie da extinção. Estimativas do Conselho Regional de Medicina Veterinária do Estado da Bahia (CRMV-BA) apontam que em 2022 a espécie pode ser extinta no Nordeste.

Somente em abril de 2021, 5.396 jumentos foram mortos para a exportação de carne e couro, tendo a China como principal importador desses produtos. O reflexo dessa matança em ritmo acelerado é ameaça imposta à sobrevivência da espécie. Em 1995, cerca de 300 mil jumentos viviam na Bahia. Em 2006, eram 168 mil e em 2017, esse número caiu para 93 mil.

“O jumento está no Brasil desde o tempo do descobrimento e foi se reproduzindo, desenvolvendo espécies que só existem aqui e que vão acabar. Pelos números apresentados nos levantamentos do próprio Ministério da Agricultura, a partir do ano que vem, não teremos mais jumentos na Bahia e nem no Nordeste inteiro”, lamentou a médica veterinária e diretora técnica do Fórum Nacional de Proteção e Defesa Animal, Vânia Nunes.

A pele dos jumentos é utilizada pela Medicina Tradicional Chinesa para a fabricação de produtos fármacos e cosméticos. Além da China, Itália, Portugal, Hong Kong e Espanha são os principais importadores de peles cruas e couros de jumentos, mulas e cavalos. Além de importarem do Brasil, esses países também compram esses produtos da África e da América do Sul.

O risco dos jumentos serem extintos no Nordeste acende um alerta para a necessidade de preservar a espécie. Isso porque a maior parte desses animais vive nessa região. Só na Bahia, estão concentrados 90% dos jumentos brasileiros. Desde julho de 2017, o estado exporta carne e couro para a China. Sozinha, a empresa Amargosa foi responsável pela matança de 44 mil jumentos entre agosto de 2017 e setembro de 2018. Após esse período, uma ação judicial levou à proibição da matança de jumentos na Bahia. A liminar, proferida em novembro de 2018, foi revertida em setembro do ano seguinte.

Com a exploração para consumo, vieram as denúncias de maus-tratos. Inúmeras irregularidades cometidas pela agropecuária nesse segmento foram alvo de um alerta feito por pesquisadores da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia (FMVZ) da USP. Em abril, os cientistas publicaram um artigo numa edição especial do Brazilian Journal of Veterinary Research and Animal Science por meio do qual apontaram um aumento de mais de 8.000% na matança de jumentos para consumo na última década. Os dados, baseados em registros do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), mostram que, entre 2010 e 2014, pouco mais de 1 mil jumentos foram mortos, enquanto entre 2015 e 2019, 91.645 animais perderam a vida.

De acordo com o IBGE, apenas na Bahia foram 84.112 jumentos mortos entre 2017 e 2019. O instituto de pesquisa registrou ainda uma redução de 28% nos rebanhos da espécie entre 2011 e 2017. De acordo com os pesquisadores, os dados expõem o risco da espécie ser extinta, visto que a taxa de reprodução não tem a mesma velocidade que a de matança. Cada gestação dura mais de um ano, havendo altos índices de morte da fêmea e do filhote no parto.

“A gente vê que os critérios não estão sendo obedecidos e existe muita ilegalidade. Não estão sendo obedecidos critérios sanitários, nenhum acompanhamento de vigilância. Esses animais são capturados ou comprados a preços baixos, ficam aglomerados com fome e com sede e vão para o abate”, afirmou ao jornal Correio 24 Horas a coordenadora da Frente Nacional de Defesa dos Jumentos, Gislane Brandão.

Para a médica veterinária Vânia Nunes, interesses econômicos estão sendo priorizados enquanto o poder público se omite diante do caso. “Sabemos que existem interesses econômicos que beneficiam alguns segmentos e fazem essa prática continuar permitida, apesar dos alertas que já foram feitos. Essa prática está acabando com os jumentos. A gente não pode admitir uma situação como essa. Estamos vendo uma verdadeira chacina de uma espécie fundamental”, lamentou.

FOTO: DIVULGAÇÃO/PRF

Com a expansão da tecnologia e o uso cada vez maior de máquinas no campo, produtores rurais que antes exploravam os jumentos, passaram a abandoná-los. Conforme explicado por Vânia, a presença desses animais em vias públicas fez com que eles fossem capturados e vendidos a preços baixos para serem mortos para consumo.

Enquanto não são levados para o matadouro, os jumentos costumam ficar confinados em espaços pequenos. Além do sofrimento causado pela falta de espaço, esses animais amontoados uns sob os outros sofrem com a falta de água e comida. Também não recebem cuidados veterinários. Durante o transporte, também são submetidos a maus-tratos ao serem transportados famintos em carretas superlotadas. Além do sofrimento físico e psicológico, os jumentos têm contato próximo com outras espécies sem controle sanitário, o que pode levar à disseminação de doenças que não só podem contribuir para a extinção da espécie, como também podem adoecer outros animais e até humanos.

“Já temos registros de anemia infecciosa equina em grande quantidade e também de mormo, que é muito grave e pode levar os animais e as pessoas à morte. Nisso a gente alerta para os riscos internacionais, já que esse material do abate é exportado. A própria influenza, que hoje faz com que todo mundo tenha que tomar vacina de gripe, veio das galinhas, de uma falta de observação e cumprimento de protocolos sanitários de transporte de animais. A gente tem várias doenças que vêm dos porcos e das galinhas e, nesse ritmo, vamos acabar tendo uma doença que venha dos jumentos”, alertou Vânia Nunes.

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