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VENEZUELA

Bicho-preguiça machucado inspira criação de centro de resgate

Casal intervém na reabilitação de preguiças machucadas em meio a uma crise de conservação devido a pandemia da Covid-19 e a queda em andamento da economia

24 de julho de 2021
Giovanna Reis | Redação ANDA
6 min. de leitura
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Foto: Haydée and Juan Carlos Rodríguez

Faz quase um ano do dia que Haydée e Juan Carlos Rodríguez avistaram uma preguiça machucada deitada do lado da rodovia enquanto eles estavam passeando de carro. Em uma tentativa de atravessar de uma árvore para outra na cidade venezuelana de San Antonio de Los Altos, perto de Caracas, a preguiça escalou para uma linha de alta tensão e foi eletrocutada.

O animal perdeu as garras em três de suas patas por causa das queimaduras e os Rodríguez ouviram de um especialista de vida selvagem local que era provável que ela não sobrevivesse, e que eles deveriam deixá-la morrer.

Hoje, a preguiça não está apenas prosperando, mas tem servido de inspiração para o casal criar o que eles acreditam ser o primeiro centro de reabilitação e resgate dedicado a preguiças na Venezuela. “ Nosso objetivo é de dar a preguiças machucadas uma segunda chance de vida na selva”, diz Haydée, uma especialista de marketing de 36 anos. “ Nós esperamos fazer com que as pessoas sejam mais conscientes sobre o que fazer caso eles vejam preguiças [machucadas], e contribuir para um entendimento sobre essa espécie em nosso país, que é tão enigmático e pouco estudado”.

O trabalho dos Rodríguez é vital considerando o estado de conservação e reabilitação da vida selvagem na Venezuela, que tem sido subfinanciado por anos. Uma vez um próspero petroestado, Venezuela está nas garras de uma crise econômica e política implacável desde 2014, quando foi atingido pela queda dos preços do petróleo. Seu PIB encolheu em dois terços em cinco anos, espera-se que continue a contrair à medida que as aflições do país são exacerbadas pela pandemia da Covid-19.

A hiperinflação gira em torno de 5,500%, de acordo com o FMI, e está estimado que mais de 90% dos venezuelanos vivam abaixo da linha de pobreza. A crise humanitária agravada pelas sanções impostas pelos Estados Unidos, que são ostensivamente direcionadas para políticos específicos, mas foi condenada como tendo impacto devastador na população civil. Na luz desses problemas, a conservação da vida selvagem foi deixada para trás. “ Não é prioridade para o governo controlar caça furtiva e desflorestamento”, diz Jon Paul Rodríguez, um professor de ecologia no Instituto Venezuelano para Pesquisa Científica (IVIC), e co-fundador da Porvita, uma ONG de conservação da vida selvagem.

Imerú Alfonzo Hernández, um ambientalista que ajudou os Rodríguez em seu trabalho de resgate, tem uma visão ainda mais terrível do setor de conservação na Venezuela. “ A destruição da indústria do petróleo e o desemprego resultante tem feito o estado recorrer à degradação ambiental [em busca de receita], sem medir as consequências”, diz Hernández, que é presidente da Associação Nacional dos Eco-Defensores, que nutre atividades para proteção ambiental em comunidades de baixa renda. Devido à falta de gasolina, ele adiciona, mais árvores têm sido cortadas para lenha.

Apesar da Venezuela ser um dos países mais biodiversos do mundo, seu rico ecossistema tem sido corroído pela mineração de ouro e outras atividades industriais, diz Hernández. De acordo com a Global Forest Watch, 533,000 hectares de florestas úmidas primárias foram destruídos entre 2002 e 2020 – uma área com mais de três vezes o tamanho de Londres. “ Os programas de proteção ambiental da universidade, fundações e associações como os nossos têm sido praticamente eliminados, doações são quase zero, e pesquisas estão paralisadas [ por falta de arrecadação]”. Diz Hernández.

Pelo Zoom, os Rodríguez explicaram como aquele primeiro resgate inspirou eles a fazer mais para as preguiças do país. Chuwie – nomeado em homenagem ao personagem do filme Star Wars Chewbacca – moveu os Rodríguez com a vontade dele de viver, apesar de ter perdido um rim e com as feridas da sua perna se tornando sépticas.

“ Infelizmente, ele não sobreviveria na selva com apenas uma pata com garras”, diz Juan Carlos, de 45 anos, o qual possui um trabalho regular como artista de renderização 3D. Chuwie mastiga serenamente uma folha de figueira ao fundo, exibindo uma distinta mancha escura no pelo que os machos crescem nas suas costas na idade adulta. “ Mas ele não é definitivamente um bichinho de estimação, e nós evitamos tocá-lo. Preguiças são animais solitários.

Atualmente, os Rodríguez têm três outras preguiças nos seus cuidados, que eles carinhosamente referem como sendo seus inquilinos, incluindo um bebê que perdeu a sua mãe, tem um apetite voraz e está no caminho para ser liberado na natureza quando estiver forte o suficiente. O casal tem construído estrutura de escaladas e berços de tamanho generosos para preguiças em recuperação, que estão localizadas na varanda deles com vista para as montanhas. No jardim, tem espaço para os animais praticarem escalada em árvores. “Nós tentamos o máximo possível simular um ambiente onde eles vivem, porque enfim é onde nós queremos retorná-los. É onde eles pertencem ”, diz Juan Carlos.

Foto: Haydée and Juan Carlos Rodríguez

No presente, não há pesquisa compreensiva da população de preguiça na Venezuela. “ Eu estimaria que há centenas de milhares deles”, diz Jon Paul Rodríguez. “ Eles são comuns nas bordas entre o urbano e áreas florestadas … mas eles precisam da cobertura contínua de árvores para se mover ao redor. Se as florestas se foram, eles morrerão”.

Nos últimos cinco meses, Juan Carlos e Haydée resgataram 41 preguiças, e devolveram 36 deles para a vegetação exuberante onde eles são normalmente encontrados. Alguns não puderam ser salvos – eles sofreram sofrimentos fatais de eletrocussão, que os Rodríguez dizem ser a causa mais comum de morte que eles veem. Mordidas de cachorros e acidentes na estrada são duas outras razões citadas em chamados que eles recebem.

“ Nós [ humanos] invadimos o espaço deles. Quando eles não conseguem se mover de árvore para árvore, eles ficam confusos e escalam nas linhas de energia. É assim que eles encontram a sua morte”, diz Haydée. Todos esses resgates estão documentados numa página de Instagram chamada de Chuwie. O casal coleta diligentemente dados da dieta e hábitos do estilo de vida das preguiças.

Sem conservacionistas de preguiças para ir para dentro na Venezuela, o casal teve que construir uma rede de veterinários e especialistas através da América do Sul dispostos a fornecer conselhos e suporte. Sam Trull, diretor do Instituto Preguiça na Costa Rica, que reabilita preguiças e as reintroduz na natureza, ela diz que agora considera o casal seus amigos, e acha recompensador fazer parte da missão deles.

“ Quanto mais preguiça eu ajudo, melhor”, diz Trull. “ Por agora, exceto pela preguiça-guará no Brasil e a preguiça-pigmeu no Panamá, [ três dedos] ´preguiças não são acreditadas de estar em perigo de extinção. Mas essa é uma falsa sensação de segurança, porque não há nenhuma informação sobre os seus números, e não houve muito interesse em estudá-los até recentemente. O que eu gostaria de dizer, que soa um pouco brega, é que, as preguiças não estarem ameaçadas de extinção, não significa que elas não estejam em perigo”.

Na Venezuela, Haydée e Juan Carlos estão determinados a continuar o trabalho deles, inspirados pela restauração da saúde notável de Chuwie. “ Para nós”, diz Haydée, “ ele é a preguiça mais bonita no mundo”.

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