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IRRESPONSABILIDADE

Aumento do descarte de EPIs na pandemia traz impactos ao meio ambiente

16 de julho de 2021
Marcela | Redação ANDA
7 min. de leitura
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Foto: Divulgação

A pandemia de Covid-19 acrescentou novos elementos ao cotidiano das pessoas, como o uso de máscaras e luvas na prevenção contra o novo coronavírus. Os equipamentos, até então comuns aos ambientes hospitalares, passaram a ser utilizados amplamente pela população, o que provocou também um aumento no descarte.

Um estudo publicado no periódico científico Heliyon aponta que o uso generalizado de equipamentos de proteção individual (EPIs) colocou em circulação bilhões de descartáveis, o que pode causar um aumento expressivo no volume de plástico destinado às costas marinhas e ao fundo do mar.

Segundo o Instituto Akatu, ONG voltada para o consumo consciente, desde o início da pandemia, mais de 12 bilhões de máscaras foram jogadas fora no Brasil. O tempo de decomposição pode chegar a 500 anos, em média, dependendo do tipo de material utilizado.

Especialistas consultados pela CNN destacam que a eliminação incorreta dos materiais traz impactos de curto e longo prazos para o meio ambiente, além de riscos para os seres humanos, as aves, os animais e a vida marinha.

O pesquisador Alexander Turra, do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo (USP), destaca que a pandemia intensificou um problema antigo, que é o descarte de lixo nos oceanos. Diversos estudos realizados neste período mostram que houve um crescimento no consumo de plásticos descartáveis na pandemia. Segundo o especialista, uma das explicações é o aumento da frequência na utilização de serviços de entrega de refeições, um dos reflexos do isolamento social.

“Tivemos um fenômeno muito marcado pela pandemia que foi o aumento do uso de descartáveis. Associado a isso, houve diminuição do trabalho de catadores no processamento desse material, por conta também da proteção que eles tinham que ter em relação à exposição. Como a reciclagem foi diminuída, boa parte dos produtos recicláveis acabou indo para os aterros”, explica Turra à CNN.

Segundo o pesquisador, o descarte inadequado dos materiais coloca em risco a vida marinha. O grande problema está associado à ingestão e o que isso pode causar a esses animais. No caso das máscaras que têm uma estrutura de metal, isso pode perfurar o tubo digestivo e levar à morte. “Outro problema é a inanição, o estômago fica cheio de lixo e o animal acaba não sentindo que está com fome, com isso, come menos, absorve menos nutrientes e morre”, explica.

O monitoramento realizado por grupos de pesquisa mostra que a maior parte dos animais encontrados mortos nas praias, como tartarugas, golfinhos e aves, apresenta material plástico no tubo digestivo. “O fato de ter plástico lá não significa necessariamente que o animal morreu por isso, mas indica que esses animais estão tendo uma exposição evidente e abrangente em relação a esses resíduos”, acrescenta.

Um estudo conduzido por pesquisadores do Instituto Argonauta para a Conservação Costeira e Marinha e da Pontifícia Universidade Católica do Chile documentou a morte de um pinguim (Spheniscus magellanicus) devido à ingestão de uma máscara do tipo PFF2. O animal foi encontrado na Praia de Juquehy, em São Sebastião, no litoral norte de São Paulo.

Para o pesquisador, a falta de conscientização acerca do descarte adequado dos materiais esbarra no problema mais abrangente da destinação final dos resíduos no país. Ele afirma que, no curto prazo, é preciso trabalhar a conscientização das pessoas para o descarte apropriado. Mais para frente, melhorar os sistemas de coleta, tratamento e destinação final de resíduos.

Brasil teve aumento de 70% no descarte de resíduos hospitalares em 2020

Segundo a Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe), em 2020 houve um aumento de 70% no descarte de resíduos hospitalares no Brasil, incluindo máscaras, toucas, luvas, aventais, além de agulhas e seringas. “Fizemos um acompanhamento com todas as empresas que realizam essa operação. Com esses dados, estimamos os números do Brasil inteiro”, explica o presidente da Abrelpe, Carlos Silva Filho.

De acordo com a Abrelpe, as unidades de tratamento de resíduos de serviços de saúde operam atualmente com uma capacidade de cerca de 80% no Brasil. Os pontos de tratamento estão presentes em pelo menos 4.540 municípios, em todas as regiões do país.

O presidente da associação explica que as operações são realizadas com boa parte do maquinário ocioso, de modo a antecipar possíveis cenários de aumento da demanda, como na pandemia. “Devido a essa capacidade ociosa, não teve prejuízo nenhum”, afirma.

Os resíduos dos serviços de saúde devem ser coletados de forma separada dos resíduos comuns. O material é processado e passa pela esterilização para eliminar as chances de contaminação. O procedimento pode ser feito por meio de diferentes técnicas, incluindo incineração, micro-ondas especiais e autoclave. “O que mais funciona no Brasil é o encaminhamento por autoclave, que é um processo de vapor quente com esterilização, para que esse material não tenha mais nenhum contaminante”, diz Carlos.

Após o tratamento, os resíduos devem ser destinados aos aterros sanitários. Segundo o especialista, o Brasil ainda enfrenta desafios para o tratamento e descarte adequados. “Temos materiais que ainda vão para lixões, são queimados a céu aberto ou abandonados em locais inadequados. Infelizmente, ainda não temos 100% de destinação adequada no Brasil”.

Segundo estimativas da Abrelpe que consideram o ano de 2019, 36,2% dos resíduos de serviços de saúde foram descartados sem tratamento prévio em locais como aterros, valas sépticas e lixões. Do restante dos materiais, 40,2% foram incinerados, 18,5% passaram pelo procedimento de autoclave e 5,1% por tratamento em micro-ondas especiais.

O presidente da Abrelpe, reforça que além do tratamento e da destinação adequada, a criação de novas unidades de processamento dos resíduos é fundamental. “Se continuarmos no ritmo de crescimento acelerado como temos hoje, pode ser que, em alguns anos, se não tivermos novas unidades, o sistema entre em colapso”.

Pesquisa investiga o descarte dos EPIs no Brasil

Os pesquisadores alertam que o descarte adequado dos materiais é fundamental também para evitar a contaminação de outras pessoas com o novo coronavírus e prevenir que os resíduos sejam despejados na natureza.

Uma pesquisa conduzida pelo Projeto Coral Vivo, grupo que atua na conservação e sustentabilidade socioambiental de recifes de coral, busca entender se os brasileiros conhecem a maneira apropriada para realizar o descarte de equipamentos de proteção individual em suas cidades. O questionário pode ser respondido online aqui, até o final do mês.

“Também vamos saber se as pessoas estão realmente descartando esse material para ver o volume que está sendo incrementado na produção desse lixo urbano”, explicou Maria Teresa Gouveia, coordenadora de políticas públicas do Projeto Coral Vivo.

De acordo com Teresa, o estudo poderá apresentar um panorama sobre a eliminação de EPIs no Brasil, além de fomentar a criação de políticas públicas voltadas para a conscientização sobre o descarte correto dos materiais. Os resultados poderão ser utilizados como base para a orientação de gestores da área da saúde na criação ou reformulação de estratégias de comunicação sobre o tema.

Descarte de EPIs agrava um problema crônico de poluição
Há mais de 30 anos, o biólogo Mario Moscatelli atua na recuperação de ecossistemas costeiros. Para o pesquisador, a pandemia adiciona novos elementos à poluição, que já é um problema crônico.

Moscatelli alerta que além dos prejuízos para a fauna marinha, a degradação dos materiais leva à formação de microplásticos que são incorporados na cadeia alimentar. Ele explica que os microplásticos são ingeridos por pequenos peixes que, por sua vez, servem de alimento para os peixes maiores, que são consumidos pelos humanos.

“Isso tem consequências até agora não avaliadas. Muitos dos plásticos, dependendo da sua composição, podem liberar substâncias tóxicas que podem conduzir até mesmo ao câncer”, afirma.

No Brasil, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária, por meio da Resolução da Diretoria Colegiada da Anvisa (RDC nº 222/2018), regulamenta as boas práticas do gerenciamento de resíduos pelos serviços de saúde, incluindo o descarte de Equipamentos de Proteção Individual (EPIs).

O documento reúne uma série de tópicos que orientam o manejo adequado dos materiais, de acordo com o tipo de resíduo, indicando ações como coleta, armazenamento, separação, identificação, transporte e destinação.

No entanto, as ações de licenciamento e fiscalização dos serviços de saúde são de competência dos órgãos de vigilância sanitária locais. Em nota enviada à CNN, a Anvisa afirma que não possui dados sobre o aumento de descarte de EPIs no país durante a pandemia.

“A Anvisa receberia notificações por meio de sua Ouvidoria, mas até o momento não recebemos qualquer notificação de sobrecarga no sistema em qualquer localidade do país”, diz o texto.

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