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MINAS GERAIS

ONG cumpre decisão judicial negligenciada por Prefeitura de Caeté

13 de julho de 2021
Patrícia Dutra (em colaboração para a ANDA)
10 min. de leitura
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Foto: Divulgação

Vinte e sete cães em flagrante situação de maus-tratos passaram por atendimento veterinário na última sexta-feira, 09/07/21 em Caeté. A ação, que por decisão judicial expedida em 29/07/2020, deveria ter sido executada pela Prefeitura de Caeté, foi organizada e feita pela ONG Sociedade Galdina Protetora dos Animais e da Natureza (SGPAN) que existe há 13 anos na cidade. As protetoras estavam aflitas diante da omissão da prefeitura e diante das péssimas condições dos animais.

Há um ano, dia 29/07/2020, a juíza da Comarca de Caeté, Graziella Maria de Queiroz Franco Peixoto, expediu sentença inédita no Brasil que teve “grande repercussão na mídia mas nem isso fez com que a Prefeitura de Caeté se movesse”, afirmou a SGPAN em suas redes sociais.

Foto: Divulgação

As ordens dadas pela juíza foram limpeza do terreno, retirada de lixo e focos de transmissão de doenças, identificação de todos os animais existentes no local, elencando-os por raças, sexo, condições físicas e de saúde, se são esterilizados ou não; identificar, registrar, vacinar (antirrábica e óctupla),

vermifugar, controlar parasitas, castrar todos os animais da acumuladora e limpar o lote. A sentença determinou ainda que a prefeitura faça o cercamento do terreno “e as devidas obras nos canis para a soltura dos animais e devida limpeza do interior da residência”, definiu a juíza.

A Prefeitura de Caeté descumpriu a maioria das determinações. Fez limpeza do lote duas vezes (setembro/2020 e fevereiro/2021), fez apenas vacina antirrábica e testes de leishmaniose e ignorou o restante das ações pelos animais, deixando-os em situação de maus-tratos.

Foto: Divulgação

Aprisionados há muitos anos por uma pessoa idosa com transtorno de acumulação de animais e lixo em Caeté, alguns animais muito magros e famintos ficam acorrentados ou presos em espaços pequenos do lado de fora da casa. Um deles, como se pode ver no vídeo, aparece comendo a diarreia que acabou de fazer. A maioria vive dentro da casa pequena cheia de lixo, com muito mau cheiro e umidade, presos em correntes curtas nos pés de móveis velhos. O lote é cheio de lixo e restos de comida, latas com água parada, muito mau cheiro e focos de dengue.

Diante da omissão da Prefeitura e da situação calamitosa da idosa e dos animais em absoluta condição de maus tratos, a ONG decidiu contratar veterinário, comprar os insumos e executar as ações acima, apesar de estar com dívida de mais de 110 mil reais.

O veterinário contratado pela ONG combinou a data com a pessoa, ela aceitou e a ONG então comprou os insumos necessários como vacinas óctupla, Simparic, Capstar, Bactrovet, vermífugo etc.

Foto: Divulgação

Dois animais tiveram que ser internados, um com pneumonia e outro com convulsão. O estado geral dos animais é muito ruim, muito magros, famintos, acuados, é fácil perceber que estão sob stress constante. Três cadelas não castradas, uma já no cio. “Uma situação deprimente, tanto da pessoa quanto dos animais”, relatou o veterinário Marlon Mendes, que fez o atendimento veterinário numa mesa improvisada no lote da pessoa, com ajuda de um estudante de Veterinária e uma protetora. Em breve ele emitirá laudo completo que será enviado ao Ministério Público.

Esta mesma ação já foi executada outras três vezes pela SGPAN. A primeira vez foi em 2016 e a última foi em dezembro de 2019. Ao longo desses anos a SGPAN sempre pediu providências à Prefeitura, mas nunca foi atendida.

Sem resposta

De acordo com a decisão da juíza de Caeté, a ONG deveria agir “para acompanhamento e dispensação de esforços em conjunto com o Município de Caeté para cumprimento das obrigações”. Mas, diante da omissão da Prefeitura, a ONG se viu obrigada a agir pelo bem dos animais e da pessoa.

Logo que decidiu planejar a ação, a SGPAN mandou oficio ao prefeito Lucas Coelho dia 18/06/21.

Foto: Divulgação

“Gostaríamos mais uma vez de saber se a Prefeitura de Caeté realmente não vai cumprir as decisões judiciais expedidas pela juíza Grazziela Maria de Queiroz Franco Peixoto dia 29/07/2020”, foi a pergunta da SGPAN que não teve resposta.

Nos últimos meses a SGPAN enviou vários ofícios ao prefeito Lucas Coelho pedindo que a Prefeitura cumprisse as leis pelos animais e as determinações da juíza, mas a ONG nunca teve resposta. Até setembro de 2020 a ONG era parte no processo mas, a pedido da Prefeitura, a juíza a retirou.

Após mandar oficio ao Centro de Zoonoses da Prefeitura pedindo os insumos para a ação, a vice-presidente da SGPAN telefonou para a veterinária do Centro de Zoonoses da Prefeitura de Caeté, Isabel Magalhães, que informou que em outubro de 2020 fez vacinação contra raiva e testes de leishmaniose nos animais.

“Essas duas ações não significam o cumprimento da ordem da juíza pois em nada mudou a realidade dos animais, que continuam aprisionados em correntes curtas dentro e fora da casa, magros, doentes, famintos, em meio a muito lixo e mau cheiro”, disse a vice-presidente. A veterinária respondeu que cumpriu ordens da Procuradoria Jurídica da Prefeitura de Caeté.

A Zoonose disponibilizou para a ONG algodão, luvas, álcool, testes rápidos de leishmaniose, seringas e agulhas. Ou seja, a própria Prefeitura, ao fornecer esses insumos, reconheceu a necessidade do cumprimento das decisões da juíza, mas não as executou.

Foto: Divulgação

Manifestação

Em fevereiro de 2021, seis meses após a sentença da juíza, e diante da omissão do prefeito, ativistas fizeram manifestação com cartazes em frente a Prefeitura e Fórum de Caeté. Alguns dias depois a Prefeitura fez a segunda limpeza e telou uma parte do lote, mas o mato já cresceu novamente.

Em setembro de 2017, as protetoras se reuniram com a secretária de Assistência Social, expuseram a condição ruim de vida da idosa e dos animais e pediram providências, mas pouco foi feito. Quase quatro anos depois a situação continua a mesma – ou pior.

Foto: Divulgação

Histórico

Prints em anexo mostram trechos da decisão judicial que, além das ações citadas acima, determinou também que SGPAN acompanhasse as ações. Até hoje a ONG foi convidada pela Prefeitura a ir até o lote duas vezes, uma em setembro de 2020 para acompanhar equipe da Prefeitura para avaliação da situação, e outra em fevereiro deste ano para acompanhar o trabalho de limpeza do lote.

O que causa surpresa é que a juíza da Comarca de Caeté, Graziella Maria de Queiroz Franco Peixoto, determinou prazo de 30 dias, “sob pena de arbitramento de multa”, para que o Município de Caeté realize diversas ações na casa e lote de acumuladora de lixo e de animais, no centro de Caeté, mas, um ano depois, as ações não foram executadas e não houve aplicação das multas previstas na sentença.

A decisão, inédita no Brasil, expedida dia 29/7/20, deu-se a partir de Ação Civil Pública movida pela promotora de Justiça de Caeté, Anelisa Cardoso Ribeiro, depois de esgotar todas as tentativas de acordo com a acumuladora e poder público.

Foto: Divulgação

Multa

O Município deve, segundo a decisão, promover o acompanhamento da acumuladora por técnicos do CRAS/CREAS e do CAPS, visando o atendimento médico, psicológico e assistencial e também o acompanhamento dos animais por um médico veterinário, “no intuito de tratá-la do transtorno de
acumulação. O Município deverá remeter a este juízo relatório médico e veterinário no prazo de 30 (trinta dias), sob pena de arbitramento de multa”.

“A juíza estabeleceu multas à Prefeitura de Caeté em caso de descumprimento. Houve descumprimento! Queremos saber se a Prefeitura foi multada”, postou a ONG em suas redes sociais.

A juíza definiu também que o Município deve manter os devidos acompanhamentos por equipe
multidisciplinar composta por psicólogos, psiquiatras, assistentes sociais, agentes comunitários e médicos veterinários e exigiu relatórios médicos e veterinários trimestralmente, pelo prazo de 12 meses, sob pena de arbitramento de multa.

À acumuladora a juíza definiu a obrigação de não impedir as ações do Município em sua residência e em relação aos animais; não adquirir, adotar ou aceitar a doação de novos animais em sua residência, devendo encaminhar o animal ao responsável do Município em caso de abandono na porta de sua residência para atendimento, castração e encaminhamento a adoção pelo município; não acumular lixos e entulhos em seu terreno; manter adesão às consultas e aos tratamentos médico e psicológico determinados pelo CREAS/CRAS, CAPS ou qualquer outro órgão do Município de Caeté. O descumprimento de qualquer das obrigações está sujeito ao arbitramento de multa.

“Enquanto houver superpopulação de animais, os acumuladores terão facilmente acesso a animais para abrigarem mais e mais em suas casas. Não há solução fora da castração em massa e continuado Programa de Educação e de Conscientização para a Guarda Responsável de Animais. Isto está na lei 21.970/2016, que precisa ser cumprida com urgência pelas prefeituras. Isso é questão de saúde pública, de Saúde Única! Se não tivermos mais animais nas ruas para serem resgatados pelas pessoas em transtorno de acumulação, não teremos também nem maus tratos e nem transmissão de doenças!”, salientou a coordenadora do Movimento Mineiro pelos Direitos Animais MMDA, Adriana Araújo, que também coordenado o Grupo de Trabalho Nacional sobre Acumulação.

“Os animais da acumuladora são algumas das milhares de vítimas da Prefeitura de Caeté omissa com os animais”, postou a ONG.

Foto: Divulgação

Detalhes

A decisão judicial expôs as condições de vida da acumuladora, seus animais e os riscos para a vizinhança. “A situação é calamitosa, pois além de colocar a saúde da idosa em risco, coloca
também seus vizinhos e a coletividade em geral, tendo em vista que, como bem se sabe, o acúmulo de entulhos e lixos serve para atração de animais peçonhentos, o acúmulo de água parada sirva para proliferação do mosquito Aedes Aegypti, o que demonstra o potencial lesivo em que se encontra o imóvel da ré. Além do acúmulo de entulhos e lixos, a requerida acumula animais de estimação, pois a ré afirmou ao Ministério Público que cuida de 33 cães, 08 gatos e várias galinhas. No entanto, os relatórios acostados aos autos indicam que a residência da ré não apresenta estrutura necessária para criação de todos esses animais. Não há canil no local e o imóvel não é cercado (…) demonstram a seriedade da situação, o eminente risco à saúde da ré, pessoa idosa, o risco imposto à coletividade e também à saúde dos animais”.

Em outro trecho da decisão a juíza diz: “Os elementos de informação reunidos nos autos indicam que os animais da acumuladora estão em comprometimento do bem estar, havendo indicativos de que os animais não se alimentam adequadamente, em razão da hipossuficiência financeira da idosa. Além disso, há relatos sobre animais doentes e que necessitam de tratamento. E sob esse aspecto, de todo oportuno ressaltar que o Município de Caeté reconhece a necessidade de colocar em prática política de controle de natalidade de cães e gatos, tanto que firmou com o Ministério Público Termo de Ajustamento de Conduta para adoção das medidas pertinentes. Assim, as medidas propostas na inicial e que visam resguardar a saúde e o bem estar dos animais”.

Leia a sentença completa abaixo:

Decisão ACP 5000698-45.2020 (1) (2)

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