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Pesca ameaça grandes santuários marinhos da América Latina

Várias áreas marinhas protegidas na América Latina não têm vigilância suficiente ou fundos para prevenir esses crimes, e em alguns casos falta até algum plano administrativo definindo uma estratégia de monitoramento,Várias áreas marinhas protegidas na América Latina não têm vigilância suficiente ou fundos para prevenir esses crimes, e em alguns casos falta até algum plano administrativo definindo uma estratégia de monitoramento,Várias áreas marinhas protegidas na América Latina não têm vigilância suficiente ou fundos para prevenir esses crimes, e em alguns casos falta até algum plano administrativo definindo uma estratégia de monitoramento

15 de março de 2021
Michelle Carrere (Mongabay) | Traduzido por Tainá FonsecaMichelle Carrere (Mongabay) | Traduzido por Tainá FonsecaMichelle Carrere (Mongabay) | Traduzido por Tainá Fonseca
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Uma investigação colaborativa feita por Mongabay Latam, Ciper no Chile, Cuestión Pública na Colombia e El Universo no Equador olharam para a pesca e as ameaças que isso representa para os santuários marinhos da América Latina.

A investigação revelou a suspeita de atividades de pesca em áreas marinhas protegidas em três países na América Latina assim como no México.

Várias áreas marinhas protegidas na América Latina não têm vigilância suficiente ou fundos para prevenir esses crimes, e em alguns casos falta até algum plano administrativo definindo uma estratégia de monitoramento.

É nesse contexto que frotas estrangeiras, particularmente da China, incluindo barcos com histórico de pesca ilegal, também passam por santuários marinhos durante seu caminho.

Imagem de pescador lançando rede ao mar
Pixabay

Depois do tráfico de drogas e armas, o tráfico de animais é a terceira atividade ilegal mais lucrativa no mundo. Por volta de 26 milhões de toneladas de peixe e outros materiais marinhos são pescados ilegalmente todo ano para abastecer o mercado negro estimado em até $23 bilhões.

A pesca ocorre de várias formas, uma delas envolve a pesca dentro de áreas marinhas protegidas que foram criadas para proteger sua biodiversidade.

Um time de jornalistas da Mongabay Latam, Cuestíon Pública na Colômbia, El Universo no Equador e Ciper no Chile, com o auxílio de especialistas em monitoramento de satélites e cientistas, analisaram o movimento de barcos em áreas marinhas protegidas num período de 5 anos entre 2015 e 2020.

Essa pesquisa revelou a pesca em santuários marinhos no Chile, Colômbia, Equador e México. Esses quatro países estão entre o top 6 na América Latina com a maior área de território marinho protegido, mas as descobertas levantam dúvidas sobre se eles têm as ferramentas para controlar, monitorar e erradicar tais atividades ilegais dentro de suas áreas marinhas protegidas

O que as imagens revelam

A habilidade de rastrear movimentos de barcos no oceano depende se há um dispositivo de satélite a bordo. O dispositivo “é necessariamente uma ‘caixa’ que está em conexão com satélites em órbita”, diz o cientista Fabio Favoretto, um membro do DataMares, uma organização civil que analisa informações sobre pesca no México e que colaborou com a Mongabay Latam na análise de informações para essa pesquisa. O dispositivo envia um sinal a cada hora para um satélite indicando a posição do barco, velocidade e percurso – informações que permitem a pesquisadores como Favoretto verem, mais tarde, num computador, a localização do barco, sua trajetória, velocidade e quanto tempo está levando.

Quando um barco está pescando, “muitas vezes, a primeira coisa que o barco faz é diminuir sua velocidade e começa a dar voltas ou mudar de direção”, disse Favoretto, que também é professor na Universidade Autônoma da Baja California Sur. Ele aponta que barcos podem se comportar de maneiras diferentes dependendo da vara de pescar que eles usam. “Alguns usam redes e apresentam movimentos circulares característicos. Outras, as traineiras, simplesmente diminuem a velocidade e seguem uma linha reta. Com experiência e conhecimento desses tipos de pesca você pode reconhecer os padrões”, ele disse.

Há plataformas online diferentes que mostram a posição e rota de barcos no mar. Uma é a Global Fishing Watch, algoritmo o qual combina diversas variáveis, incluindo aquela que Favoretto descreveu, para identificar quando um barco pode estar pescando.

Apesar dessas ferramentas terem um alto nível de certeza, para poder afirmar que um barco estava pescando é necessária uma confirmação em pessoa. Então países usam essa tecnologia para enviar sua marinha ou autoridades de controle de pesca a certos locais para confirmar essa atividade de pesca.

“Nós nunca temos 100% de certeza. Há sempre uma pequena porcentagem de erro, mas não porque o modelo está errado”, disse Favoretto. “Esse erro pode ser porque eles [os barcos] manobraram mas não pescaram pois a rede veio vazia. O que eu tenho 100% de certeza sobre é que eles fizeram alguma coisa que geralmente fazem quando estão pescando.”

As atividades suspeitas observadas nesta investigação por monitoramento de satélite foram relacionadas com outras fontes para determinar quais barcos têm histórico de pesca ilegal e quais empresas estão por trás de tais atividades.

Os resultados

No México, nós observamos 17 barcos com uma bandeira mexicana e 1 com uma bandeira dos EUA executando atividades suspeitas de pesca dentro do Parque Nacional  Revillagigedo, que serve de casa para espécies de tubarão e manta em risco de extinção e onde a pesca é proibida. Apesar dessas descobertas, desde Dezembro de 2018, apenas três barcos foram denunciados por pesca ilegal nesta área protegida.

Na Colômbia, nós observamos que barcos com bandeiras panamenhas e frotas colombianas da empresa Seatech (da muito conhecida marca de atum Van Camp’s) operam no Distrito Nacional de Manejo Integrado Yuruparí-Malpelo, ao lado do Santuário de Fauna e Flora Malpelo, onde a pesca industrial não é permitida. Alguns dos barcos têm histórico de pesca ilegal e até remoção das barbatanas de tubarões. Essa prática é ilegal na Colômbia.

Seatech se beneficiou de uma reforma fiscal depois que a empresa e seus gestores doaram 480 milhões de pesos, mais ou menos 155.000 dólares, em 2018 para campanhas de candidatos aliados com o movimento uribista, política dominante na Colômbia.

Nas quatro áreas marinhas protegidas que nós analisamos, a vigilância e os fundos destinados ao controle são insuficientes. Em alguns casos, planos gerenciais e estratégias de monitoramento não foram criadas. Em outras palavras, muitas áreas marinhas protegidas são parques apenas em nome, o que as faz mais vulneráveis para a pesca ilegal.

É nesse contexto que frotas chinesas ultrapassam as barreiras dos territórios das águas dos quatro países latino-americanos para pescar lulas-gigantes (Dosidicus gigas), até passando por áreas marinhas protegidas como parte do trajeto em algumas ocasiões.

No começo de Junho do ano passado, uma frota chinesa de aproximadamente 260 barcos chegou à fronteira de Galápagos, zona de pesca comercial exclusiva de lulas. Durante dias, esse grupo de barcos, que pesqueiros locais definiram como “uma cidade gigante” no meio do oceano, preocupou cientistas e o governo. Apesar de não haver relatórios de nenhum desses barcos entrando nas áreas Equatorianas para pescar ilegalmente, sua presença alarmou as autoridades da pesca, a marinha e até o presidente Lenín Moreno, que ordenou a criação de um comitê para desenvolver uma estratégia de proteção para as Ilhas Galápagos. As informações sobre a pesca ilegal dos barcos chineses foram a chave para a decisão do governo Equatoriano.

Durante esse mesmo período, 149 dos barcos desligaram seus sistemas com satélites e “alguns barcos até mudaram seu nome”, disse Darwin Jarrín, comandante da Marinha Equatoriana naquele tempo. Desligar o sinal de satélite é uma indicação, embora não conclusiva, de um barco se engajando em alguma atividade criminal.

No caso do Chile, nós encontramos frotas chinesas ultrapassando o Parque Marinho Nazca-Desventuradas durante longas jornadas pela região. Quando essa história foi originalmente publicada na Espanha em Outubro de 2020, esses barcos estavam perto do território peruano e começaram a ir para o sul, colocando as autoridades chilenas em alerta.

Essa investigação identificou as empresas que são donas de ao menos 140 desses barcos; 95 deles são operados por apenas 10 empresas. A maior parte delas estão situadas na cidade Zhoushan, ao leste do Mar da China. Até alguns anos atrás esse era um dos poucos locais de foco da indústria chinesa de pesca, mas seus recursos estão se esgotando. Pelo menos três barcos com histórico ilegal passaram por Galápagos e pelo Parque Marinho Nazca-Desventuradas nos últimos cinco anos.

Foto: Pixabay

Um crime difícil de rastrear

A pesca não causa apenas consequências devastadoras para a biodiversidade aquática, mas também para a economia de comunidades costeiras que vivem da pesca, e para a segurança alimentar global.

O maior problema é que detectar a pesca é difícil, de acordo com Juan Mayorga, um cientista que comanda uma aliança de três instituições que usam a tecnologia para futuras pesquisas marinhas e conservação: o Grupo de Pesca sustentável da Universidade de Califórnia, Santa Bárbara, nos EUA; o programa de conservação marítma da National Geographic’s Pristine Seas; e o Global Fishing Watch.

Diferentemente de florestas, onde o madeiramento ilegal é visível, crimes na pesca acontecem embaixo d’água, então depois que um crime é cometido, não é possível ver que recursos marinhos foram levados.

Além do mais, “aqueles carregando os materiais ilegais não querem ser vistos”, Mayorga disse. “Então a vasta maioria desses barcos vão desligar seus aparelhos de rastreamento se eles tiverem um” para evitar a detecção. Mesmo se os barcos deixarem seus aparelhos ligados, “em vários países, a legislação está a alguns passos para trás na tecnologia, com esse tipo de evidência não sendo aceito em casos legais. Isso significa que nós temos que interceptar os barcos, o que é uma operação muito mais cara”, ele disse.

Neste contexto, Alex Muñoz, diretor da National Geographic’s Pristine Seas, notou que “em adição a dificuldade de detectar atividade ilegal há uma fraqueza dos sistema legal e judicial em processar no tribunal crimes cometidos no mar”. De acordo com Muñoz, é por essa razão que “países frequentemente escolhem persuadir os barcos a sair das águas nacionais ao invés de prendê-los e iniciar procedimentos legais contra eles, como os sistemas probatórios estão muito desatualizados.”

Em outras palavras, Muñoz disse, “é muito difícil provar a existência de um crime, e as penalidades são muito fracas, o que significa que o esforço não vale a pena para sanções que tendem a ser insignificantes.”

Apesar da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) ter colocado o total global de barcos de pesca em 4.56 milhões em 2018, esse número é apenas uma estimativa já que não é possível determinar o número de barcos no mar corretamente, de acordo com Mayorga.

A plataforma Global Fishing Watch rastreia aproximadamente 80,000 navios pelo sistema de identificação automática (AIS) e outros 5,000 pelo sistema de monitorização de navios (VMS), outro sistema de satélites. “Nós estamos falando de mais ou menos 85,000 barcos, mas não há outra organização, outro grupo, que pode nos dar mais informações. É isso que há, é isso que nós temos”, Mayorga disse.

A importância de áreas marinhas protegidas

Os oceanos geram a maior parte do oxigênio que respiramos, absorvem uma enorme quantidade das nossas emissões de dióxido de carbono, regulam o clima, e nos alimentam. O valor dos oceanos como ação é em torno de 24 trilhões de dólares por ano, de acordo com um cálculo “conservativo” feito em 2015 pela WWF. Ainda, a ciência já mostrou que 66% do ambiente marinho foi alterado pelo ser humano, 34% do estoque de peixes é explorado além do limite, e populações de vertebrados marinhos diminuiu em 49% dentro de um período de 40 anos. Esse declínio está aumentando por conta da poluição, aumento da temperatura da água causada pelas mudanças climáticas, e a acidificação do oceano conforme o mesmo absorve o CO2 em excesso na atmosfera.

Para reverter esses problemas, áreas marinhas protegidas são essenciais. Elas já se mostraram benéficas para pescas por servirem como viveiros para a biodiversidade.

Essa é a razão de a maioria dos países se comprometerem em proteger ao menos 10% de seu território marinho até o final de 2020. Enquanto vários países aquém desta meta, Chile, Colômbia, Equador e México estão dentro dos que a cumpriram. Na verdade, América Latina como um todo fez um progresso significativo em proteger o oceano: em 2000 eles protegiam apenas 1.43% de sua área marítima, porcentagem que aumentou para 23.6%, de acordo com a Divisão Estatística das Nações Unidas (UNSD).

Quanto território marinho é protegido na América Latina

De acordo com o relatório do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, no entanto, “a área física protegida é só uma parte do compromisso […] Para áreas marinhas protegidas serem totalmente efetivas elas precisam de um governo forte que influencie o comportamento humano e reduza os impactos no ecossistema”. Parte desse governo requer que todas as áreas protegidas tenham um plano de gerenciamento que estabelece como as áreas serão protegidas.

No Chile, 5 das 28 áreas marinhas com um nível de proteção têm um plano de gerenciamento. Na Colômbia, 13 dos 18 têm; no Equador, são 8 de 11; e no México, 36 de 37.

Sistemas satélite mostram que quando uma área marinha protegida é criada, a atividade da pesca muda automaticamente: barcos deixam a área (especialmente de parques totalmente protegidos) para que a vida marinha se recupere. No entanto, como essa investigação mostrou, há exceções.

Mayorga apontou que o desenvolvimento de planos de gerenciamento requer a mesma paciência que o desenrolar dos benefícios biológicos, sociais e econômicos das áreas protegidas. No entanto, ele disse, é importante lembrar que “sem planos de gerenciamento, áreas marinhas protegidas não são efetivas.”

Muñoz ressaltou o ponto: “Uma área marítima protegida deve ser bem protegida por mecanismos de monitoramento de peixes e por procedimentos legais e jurídicos que apliquem sanções aos criminosos.”

*Essa é uma tradução da história principal de uma série chamada “Pesca Ilegal: A Grande Ameaça aos Santuários Marinhos da América Latina,” que foi coordenado pelo Mongabay Latam e Ciper (Chile), Cuestión Pública (Colombia) e El Universo (Ecuador). Foi originalmente publicado aqui em 6 de Outubro de 2020, no site Latam site, onde você pode achar links de outras histórias da série.

Referência:

Kroodsma, D. A., Mayorga, J., Hochberg, T., Miller, N. A., Boerder, K., Ferretti, F., … Worm, B. (2018). Rastreando a pegada global da pesca. Science, 359(6378), 904-908. doi:10.1126/science.aao5646

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