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'Não podemos culpar os animais': como patógenos humanos estão atingindo animais silvestres vulneráveis

28 de julho de 2020
6 min. de leitura
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“Acho que não houve sequer um animal em que não encontramos traços”, diz Power, professora associada da Universidade Macquarie, em Sydney.

Os tipos de animais que Power optou por pesquisar, em sua maioria, vivem perto de humanos ou são urbanizados – como gambás – ou, ainda, animais que passam algum tempo com humanos, seja em centros de tratamento de animais silvestres ou em programas de reprodução para preservação de espécies.

Até agora, Power diz ter encontrado evidências de bactérias resistentes a antibióticos em cerca de uma dúzia de animais, incluindo morcegos, pinguins, leões marinhos e pequenos cangurus wallabies.

“Você tem organismos sendo transferidos de nós, para animais, e então potencialmente de volta para nós novamente”, diz ela. “No momento, é difícil rastrear o que está indo e voltando, mas sabemos que os humanos têm impulsionado o surgimento de bactérias resistentes a antibióticos.”

O trabalho de Power sobre o assunto começou em 2007, quando ela analisou amostras de fezes de wallabies ameaçados de extinção que estavam sendo criados em cativeiro em Nova Gales do Sul, como parte de um projeto de preservação da espécie.

Cerca de metade dos wallabies apresentavam bactérias resistentes a antibióticos em suas fezes. Esses animais foram soltos de volta na natureza.

No final de 2009, Power realizou um sonho romântico que tinha havia 20 anos, que era viajar para a Antártida para fazer pesquisas científicas. O objetivo, não tão romântico, era fazer testes em amostras de esgoto humano de uma estação de pesquisa lá, e “esgueirar-se atrás de pinguins e focas” para coletar seu cocô.

Então, novamente, suas descobertas revelaram que bactérias de humanos estavam se espalhando pelo deserto da Antártida, o que incluía bactérias resistentes a antibióticos.

Entre 2017 e 2019, os cientistas colegas de Power, juntamente com os cuidadores de animais silvestres, coletaram 448 amostras de cocô dos pinguins de Philip Island e Saint Kilda, e dos pinguins em zoológicos (um método para coletar amostras de pinguins selvagens é deixar um pedaço de cartão perto da entrada de um ninho porque, segundo Power, eles “gostam de fazer cocô pela porta”).

Quase metade dos pinguins pequenos em cativeiro têm bactérias resistentes a antibióticos, em comparação com 3% da população selvagem.

Power também tem sido parte de um projeto de ciência com cidadãos, incentivando outras pessoas a fazerem a coleta de fezes – desta vez, pedindo secreções de gambás.

Depois de analisar 1.800 amostras até agora, Power conta que o projeto Scoop a Poop (Colete um Cocô) mostrou que cerca de 29% dos gambás com cauda de escova da Austrália estão carregando bactérias resistentes a antibióticos.

Em 2019, Power fez parte de um estudo que encontrou resistência a antibióticos em raposas voadoras de cabeça cinza – uma espécie considerada vulnerável.

Em pesquisa ainda a ser publicada, Power diz ter encontrado evidências de bactérias resistentes a antibióticos em populações selvagens de demônios da Tasmânia.

Então, como nossas bactérias foram parar nos animais?

Power diz que cerca de 3/4 dos antibióticos que os humanos tomam são excretados, e acabam indo para os sistemas de esgoto. Além disso, os lugares onde se fabrica antibióticos, também são potenciais caminhos para a “fuga” de antibióticos.

Há, também, os momentos em que os animais são recolhidos para serem tratados, ou criados em cativeiro e, consequentemente, expostos aos humanos, e depois soltos na natureza.

“Estamos vendo uma variação na prevalência [de bactérias resistentes a antibióticos] em diferentes espécies de animais silvestres, mas o porquê disso, ainda não temos certeza”, diz Power.

Gambás são uma espécie que é altamente urbanizada, às vezes se alimenta do chão, e vive e come perto de humanos – perto o suficiente para que muitos se alojem no espaço do telhado de casas australianas. Mas eles tendem a ser solitários.

Raposas voadoras, por outro lado, costumam andar em bandos e se estabelecer em campos arborizados que abrigam centenas e até milhares de raposas. Cerca de 5% das raposas-voadoras de cabeça cinzenta silvestres tinham bactérias resistentes a antibióticos em suas fezes, em comparação com 40% das que estavam em instalações humanas para receber tratamento veterinário.

Power argumenta: “Talvez os gambás estejam se aproximando de nossos microrganismos, mas também são espécies solitárias. Raposas voadoras, por outro lado, vivem em árvores, mas vivem em densidades populacionais mais altas.”

De acordo com a Organização Mundial da Saúde, o surgimento de bactérias resistentes a antibióticos é um dos maiores desafios de saúde do mundo diante dos seres humanos, tornando o tratamento de doenças perigosas cada vez mais desafiador.

Mas o impacto desse tipo de bactéria nos animas silvestres, conta Power, “é a grande incógnita” e ela conta que ainda não há evidências diretas de que os esteja fazendo mal.

Ela diz: “A transferência genética de bactérias endêmicas pode alterar comunidades microbianas e saber cada dia mais sobre a importância dos micróbios favoráveis para uma imunidade saudável.”

Dr. Wayne Boardman, que tem colaborado com Power em pesquisa, é um veterinário de animais silvestres na Universidade de Adelaide, na Austrália, e foi veterinário-chefe no Zoológico de Londres.

Uma grande preocupação de Boardman é que a resistência a antibióticos pode tornar mais difícil para os veterinários tratarem de animais doentes.

Mas também, Boardman acrescenta, há o risco de que as bactérias e os genes associados a essa resistência a antibióticos, que estão sendo passados de humanos para animais, possam evoluir e voltar para a população humana.

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“É do interesse da bactéria tentar se proteger”, diz o veterinário. “Embora os riscos sejam relativamente pequenos atualmente, eles podem ser agravados ao longo dos anos, porque teremos mais desses genes resistentes a antibióticos circulando e, então, entramos cada vez mais na lama.

“É uma questão induzida por humanos. Não podemos culpar os animais. Apenas os humanos usam antibióticos.”

A profa. Clare McArthur, ecologista comportamental da Universidade de Sydney, conta que Power conseguiu responder à primeira pergunta importante: as bactérias humanas estão sendo passadas para os animais silvestres ao redor?

“A próxima pergunta é: e isso tem importância”, diz ela. “Eu penso nisso sob uma perspectiva intestinal. Sabemos que o bioma intestinal é importante e sabemos, pelos conhecimentos médicos sobre os humanos, que se você desequilibra este bioma, então as coisas podem desandar em termos da nossa saúde. ”

“No fundo fico me questionando: se os animais silvestres estão pegando bactérias resistentes a antibióticos, será que isso está alterando seu bioma intestinal? Nós não temos uma resposta para isso ainda.

Quanto a Power, ela está preocupada que o fato de os animais silvestres estarem pegando patógenos humanos possa representar outra pressão sobre espécies já vulneráveis

“Essas bactérias são patógenos que podem causar doenças em nós. Estou preocupada com a saúde dos animais silvestres e o que algumas dessas bactérias resistentes podem representar para essas espécies, muitas das quais já consideradas vulneráveis.”


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