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'Ou mudamos ou morremos': o projeto agrícola radical na Amazônia

12 de julho de 2020
6 min. de leitura
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Pixabay

As árvores de cumaru poderiam ter sido plantadas em outros lugares desta reserva amazônica, onde tinham melhores chances de florescer. Em vez disso, foram plantadas em um solo arenoso na savana seca que quebra a floresta. Feijão preto, feijão guandu e outras culturas foram plantadas com palha e grama cortada ao redor, com o objetivo de manter a umidade e servir de composto. “Chamamos isso de berço”, diz o engenheiro agrônomo Alailson Rêgo. “O berço as protege”.

A esperança é que, se essas plantas nativas da Amazônia – cujas sementes podem ser usadas em cosméticos – prosperarem nesse solo arenoso e em um pedaço de terra próximo à uma área desmatada e queimada, elas possam regenerar pastagens em outros lugares. Na Amazônia, um número enorme de terras são desmatadas para criação de gado. É fácil limpar, cortar algumas árvores, propagar queimadas. Mas restaurar a floresta, trazendo de volta a vida e o verde? Isso é muito mais difícil.

Localizado na reserva amazônica de Tapajós-Arapiuns, no estado brasileiro do Pará, o Centro Experimental de Florestas Ativas (CEFA) foi criado em 2016 para resolver problemas como esse. É um centro de pesquisa e desenvolvimento cujo foco é estudar a prática de cultivar culturas agrícolas em conjunto com árvores, a ciência da agrossilvicultura. Ela faz parte de um movimento crescente pela agricultura sustentável no Brasil que assumiu uma nova urgência com a pandemia de Corona vírus. Os cientistas alertam que a crise climática e o desmatamento aumentam as chances de outro vírus mortal ser transmitido de animais para humanos.

“É uma maneira de lidar com a natureza que brinca com o apocalipse”, diz Eugenio Scannavino Netto, médico e especialista em doenças infecciosas que ajudou a montar o centro. “Estamos caminhando para o suicídio coletivo”.

Agora com 61 anos, Scannavino Netto passou três décadas na floresta tropical trabalhando em soluções para a Amazônia. Em 1987, fundou o Projeto Saúde e Alegria (PSA), sem fins lucrativos, nas proximidades de Alter do Chão. O grupo ajuda no desenvolvimento sustentável da comunidade, fornecendo serviços de saúde e educação para comunidades remotas com o auxílio de um barco hospitalar e palhaços. No ano passado, foi considerada uma das 100 melhores ONGs do Brasil.

Os objetivos do centro são ambiciosos, mas práticos: 40.000 mudas de seu viveiro serão doadas às comunidades locais para reflorestar áreas da reserva cortadas e queimadas para a criação de animais para consumo ou agricultura tradicional. Estes incluem o pau-brasil, cultivado para ser vendido como madeira; urucum, cujas sementes são tradicionalmente usadas como pintura corporal pelos povos indígenas da Amazônia e vendidas para servir de corantes em batom; e pau-rosa, cujas folhas são usadas em perfume.

“A cultura aqui é das queimadas e tentamos mudar isso”, diz Scannavino Netto.

Uma coleção de colmeias abriga abelhas sem ferrão. A pequena proprietária Joelma Lopes, 46 anos, da comunidade vizinha de Carão, aprendeu a apicultura aqui e agora subsidia sua renda vendendo mel de suas próprias abelhas. “Foi uma porta que se abriu para muito conhecimento”, diz ela.

Moacir Imbiriba, 40 anos, indígena Kumaruara que trabalha no centro, diz que as crianças de sua aldeia agora usam técnicas agroflorestais em sua horta. “Muitos líderes consideram isso uma evolução para as comunidades”, diz ele.

Contudo, embora os projetos do PSA nessa região tenham sido amplamente elogiados por conquistas como a redução da mortalidade infantil, a polícia invadiu sua sede em Alter do Chão em novembro passado. Os policiais prenderam quatro bombeiros de uma brigada voluntária que enfrentou incêndios em reservas locais durante os incêndios na Amazônia no ano passado – um dos quais trabalhava para a ONG. Documentos e computadores foram apreendidos.

O inquérito policial alegou que os bombeiros estavam incendiando reservas perto de Alter do Chão – um local de beleza com praias populares – para conseguir dinheiro internacional. Falhas graves no trabalho da investigação foram expostas pela mídia brasileira. Os promotores federais que investigam grileiros suspeitos de incendiarem a mesma reserva disseram que não encontraram evidências de envolvimento de bombeiros voluntários ou ONGs.

A investigação, suspensa durante a pandemia, ainda está por concluir. A ação policial ocorreu semanas depois que o presidente de extrema direita do Brasil, Jair Bolsonaro, acusou as ONGs de incendiar a Amazônia sem fornecer nenhuma evidência. “É muito mais uma operação política do que uma operação policial técnica”, diz Scannavino Netto.

De fato, o PSA pretende ser inclusivo e não politicamente separatista. No ano passado, organizou um evento de agricultura sustentável na cidade de Santarém. A ideia, diz Caetano Scannavino, irmão de Scannavino Netto e coordenador do PSA, era simples. Ele diz: “Como podemos produzir uma agenda que une o movimento ambiental, o movimento indígena e o setor de agronegócios?”

Rogério Vian, agricultor de Goiás, que cultiva soja orgânica e sustentável, falou à respeito. Ele faz parte de um grupo nacional de agricultores trabalhando em técnicas agrícolas sustentáveis com menor uso de pesticidas – o que ele chama de meio caminho entre a agricultura orgânica e a convencional.

“Os agricultores precisam da floresta e do meio ambiente mais do que qualquer outra pessoa”, diz ele. “Por que não produzir e conservar? Você pode fazer tudo ao mesmo tempo”.

Outro interlocutor foi Ernst Götsch, 72, um fazendeiro suíço que desenvolveu um sistema de cultivo de culturas agrícolas e árvores que ele chama de agricultura “sintrópica” em uma fazenda na Bahia, no nordeste do Brasil. “Temos de 50 a 60 espécies diferentes de árvores e palmeiras por hectare. É muito diverso. Não uso fertilizantes, não uso pesticidas”, diz ele. Técnicas agroflorestais como essa foram usadas pelas comunidades indígenas antes da chegada dos exploradores espanhóis e portugueses. “Eles tinham estratégias semelhantes”, diz Götsch.

Agora, a pandemia de Corona vírus deu aos agricultores mais razões para mudar. Como a série Pandemia da Netflix revelou, cientistas e pesquisadores descobriram milhares de outras zoonoses como o novo Corona vírus e temem que outro vírus possa ser transmitido para os seres humanos, como a gripe aviária e suína ou MERS.

O desmatamento já foi responsabilizado pelo surto do vírus Nipah em 1999 na Malásia, que matou 105 pessoas depois que foi transmitido de morcegos para porcos e depois para pessoas. O surto inspirou o filme de 2011 Contágio, estrelado por Gwyneth Paltrow.

Em março, Scannavino Netto argumentou no jornal Folha de S.Paulo do Brasil que as monoculturas da agricultura moderna estavam destruindo tudo, da biodiversidade a insetos que servem como “bioreguladores”. Cortar a Amazônia muda o comportamento dos animais e aumenta o risco de outro vírus muito mais letal transmitir-se para os seres humanos.

A Covid-19 tem sido um aviso. “Ou mudamos”, ele disse em uma entrevista recente por telefone, “ou morreremos na próxima pandemia. E será rápido.


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