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Corujas prosperam ao aprenderem a conviver com seres humanos

22 de junho de 2020
6 min. de leitura
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Coruja de pelugem branca em meio a campo florido
Pixabay

O primeiro soco que a minha mãe me deu foi quando eu disse a ela que tinha visto uma coruja-das-torres usando uma caixa para fazer um ninho em nossa fazenda. Ela tenta convencer as corujas a voltarem para casa desde que nos mudamos para cá, há 35 anos.

Havia alguns sinais de que as corujas estavam pensando em se estabelecer por ali – encontramos alguns pelos e ossos de roedores na base de uma caixa em fevereiro, e respingos de fezes abaixo de outra caixa. Então, na semana passada, um momento especial aconteceu quando alguém voou de uma caixa.

Meu irmão construiu os primeiros recipientes (juntamente com algumas dúzias de galinheiros) há 17 anos, como uma forma de punição por ter sido suspenso da escola. Meu pai construiu mais algumas durante uma breve tentativa de aposentadoria e, agora, nós temos oito caixas nos galhos de carvalho em volta da nossa fazenda em Kent.

Lynne e Peter Flower – que são voluntariados da Kent Wildlife Trust e possuem licença do British Trust for Ornithology (BTO) para monitorar as caixas pela área – vieram para olhar dentro da nossa e encontraram diversas parafernálias, incluindo gravetos, possivelmente trazidos por gralhas, um ovo (provavelmente de uma pomba) e pellets (que as corujas-
do-torres utilizam para fazer ninhos). Um cernícalo havia reivindicado uma caixa como se fosse sua.

Monitorar ninhos é crucial, porque auxilia a BTO com as informações sobre os locais que as espécies estão indo. Antes de subir com a escada para verificar o ninho, Lynne e Peter deram leves batidas na árvore para informar à coruja que tinha visita. As corujas-do-torres são geralmente gentis, diferente das corujas-do-mato, que podem ser agressivas.

As nossas corujas não estavam aninhando, nem mesmo em casa quando os Flowers fizeram a visita. Talvez não tivessem decidido sobre os parceiros, porém a presença de pellets sugere que já estão pensando sobre. “Elas são tão exigentes quanto nós, não querem qualquer um”, disse Lynne.

O nosso pequeno sucesso é um dos que está se espalhando por todo o país. Em 1987, havia cerca de 4.500 pares de reprodutores de corujas, tendo caído cerca de 70% desde 1932. Atualmente, a estimativa aumentou para 12.000 pares no Reino Unido.

Historicamente, esses pássaros distintos com o rosto em formato de coração, voo silencioso e gritos demoníacos, eram amigos de fazendeiros, pois devoravam roedores. Até mesmo “janelas de corujas” foram criadas em celeiros para incentivá-los a aninhar entre as vigas e os espaços do loft. Porém, a partir de meados do século XIX, a agricultura se intensificou e gramas cheias de roedores começaram a ser cortadas por grandes máquinas.

Em 1988 o destino das corujas começou a mudar graças ao trabalho de Colin Sawyer, que fundou a Barn Owl Conservation Network com o objetivo de dobrar a população das aves até 2020. Durante a primeira década, sua equipe focou em recrear habitats, mas em meados de 1990 ele percebeu que as corujas precisavam de locais novos para fazer os seus ninhos – celeiros antigos foram demolidos ou reformados e árvores foram derrubadas.

Mais de 20.000 caixas foram instaladas em todo o território nacional, sendo 4.000 pelo próprio Sawyer. “É um privilégio enorme chegar em uma caixa e ver que está sendo usada, com cinco filhotes olhando pra você. Nós somos afortunados com essa espécie que tem grande carisma e apelo”, ele disse.
Em todo o lugar do Reino Unido tem alguém instalando uma caixa para as corujas.

Em 2013, Kent Wildlife Trust decidiu que a coruja-das-torres seria a principal espécie de seu projeto – a lógica era a de que a promoção de habitats para as corujas também fossem úteis para outros animais selvagens – e construiu cerca de 40 caixas na região de Sevenoaks. Nesse período, o número da população local das corujas-das-torres aumentou.

Muitas dessas corujas estavam aninhando no último ano. Segundo dados, o número de corujas aumentou e diminuiu com as populações de ratazanas do campo. Sawyer diz: “Antigamente era possível prever de um ano para o outro quando eles começariam a procriar e qual seria o sucesso. Nos últimos 6 anos, acabou sendo um show.”

Ele não tem certeza do motivo dessas mudanças, mas acredita que tem relação com mudanças climáticas do mundo. O “lockdown” devido ao coronavírus foi bom para as corujas-das-torres – a diminuição de ruído auxilia a coruja a realizar uma caça mais eficiente e provavelmente houve diminuição de mortes nas estradas. “Muitas corujas são mortas na estrada porque não estão olhando para frente – elas estão ouvindo e olhando para o chão”, diz Lynne.

As corujas parecem seres angelicais, mas possuem uma vida selvagem, nunca longe da fome. Elas incubam os ovos assim que os põem, para que o nascimento dos filhotes seja um de cada vez; em anos difíceis apenas os mais velhos vivem, e os mais novos morrem de fome. Em tempos de abundância, a aninhada inteira prospera. Elas alimentam os filhotes durante 50 dias, o tempo necessário para que as pequenas corujas estiquem as pernas e ganhem força. Por isso, algumas caixas de ninho são mais elaboradas e possuem até varandas.

As corujas-das-torres formam uma família moderna. “Descobrimos que um par pode se tornar leal a uma determinada caixa e, enquanto eles estiverem juntos e acasalando, eles estarão na caixa. Se a fêmea começa a deitar, o macho se desloca para outro local” diz Lynne. “Quando são jovens, elas se mudam para um local e levam comida. Quando crescem, hospedam-se em outro, de modo que todos esses lugares se tornam
realmente especiais para essas aves.”

Como muitos no país, Kent recuperou as suas corujas e suas caixas são uma excentricidade no visual do campo. Andrew Lewis, que vive em Sevenoaks, entrou em contato com o “The Guardian” para compartilhar a imagem que tirou de uma coruja-das-torres local caçando nos campos ao lado da sua rua. Os campos foram deixados em repouso e agora as corujas são as visitantes mais frequentes.

Ele disse: “Às vezes, nos sentimentos como fraudes quando assistimos diários de vidas selvagens no programa de David Attenborough, enquanto eles explicam as dificuldades e tribulações que passam para tirar uma foto, nós aguardamos sentados com a nossa xícara de chá esperando que a coruja apareça, enquanto ela passa uma hora caçando, eu troco o roupão e belisco alguma coisa.”

Por meio de um exercito dedicado de voluntários, os objetivos ambiciosos de Sawyer foram esmagados: o número de corujas-das-torres triplicou e ele acredita que possa subir ainda mais. Cerca de 80% das corujas se aninham em caixas feitas por humanos. “Se todas essas caixas caíssem, provavelmente veríamos a extinção desse animal. Não conheço outra
espécie tão dependente de seu habitat – uma caixa de ninho – para a sua sobrevivência, e isso tudo é feito pelas pessoas”, diz Sawyer.


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