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“O maior direito de tudo que vive é o direito à vida”, concluíram dois frades que estudaram a Bíblia minuciosamente

23 de dezembro de 2019
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Natal é um bom momento para falar de amor ao próximo sendo o “próximo” todo e qualquer ser vivo. Mas será que a Bíblia prega isso? Jesus teria sido vegetariano?

O maior direito de todo ser vivo é o direito à própria vida. Foto Pexels/Pixabay

“Um dia, quem sabe, nos curemos da miopia profunda que nos impede de enxergar que, por trás de um bife morava uma alma sensitiva, um ser vivente cuja vida lhe pertencia e a sua apropriação e morte não podem ser banalizadas”, comentam os frades gaúchos capuchinhos Gilmar Zampieri e Luiz Carlos Susin, autores do livro “A vida dos outros – Ética e Teologia da Libertação Animal” (de 2015).

“Lá onde o outro é maltratado, silenciado, recalcado, banido e morto a ética está ausente. Mas lá onde meu interesse leva em conta o interesse do outro passa-se para um estágio ético”, continuam.

E o interesse do outro, segundo eles, é simples e óbvio: não ser explorado e desfrutar da vida. Viver é um interesse comum, universal e presente em toda e qualquer espécie animal.

Os frades (que pertencem a uma ordem da igreja católica cujo fundador é São Francisco de Assis) declaram: “Há, de fato, um holocausto diário, uma guerra permanente, uma carnificina sem precedentes, e não nos damos conta, não queremos nos dar conta, nem ao menos queremos pensar no assunto, justificamos, por antecipação, como sendo inevitável, normal, moralmente aceitável. Mas uma nova causa está sendo anunciada por visionários e profetas, para a qual nós, teólogos, ainda fazemos vistas grossas. A causa da libertação animal!”.

Cobaias na experimentação científica e tantos outros abusos tornam a vida na Terra um terror para os animais. Foto Pezibear/Pixabay

Eles estudaram minuciosamente a Bíblia e vários filósofos e religiosos contra e a favor da libertação animal. Alguns discursaram a respeito de todas as espécies animais estarem na Terra para “servirem ao homem”. O frade católico Tomás de Aquino, por exemplo, divulgou sua postura antropocêntrica dizendo que: “Não há como pecar contra um animal. Peca-se contra Deus e contra outros homens.  O mandamento não matarás não vale para os animais”.

Os frades contestam: “Milhões de anos antes dos homens habitarem a Terra outros animais já estavam aqui. Foram milhões de anos de inutilidade ou apenas de preparação para o aparecimento do ser humano?”.

Os cinco campos de concentração

Os religiosos apontam cinco “campos de concentração” nos quais os animais estão inseridos: estimação, entretenimento, instrumentos de pesquisa, utensílio e alimentação. “Em todos existe uma relação de propriedade. Mesmo os animais domésticos estão sujeitos ao sofrimento. De todos os campos de concentração, talvez esse seja o menos cruel, mas não está isento das maldades humanas”.

Nem mesmo os animais domésticos estão a salvo da maldade humana. Foto Ian Kevan/Pixabay

No campo do entretenimento estão os animais de circo, zoológicos, touradas, rodeios, farra do boi e outros onde o sofrimento está presente em mutilações, privações e maus-tratos diversos. E tem ainda os animais usados como cobaias em testes e pesquisas, os transformados em sapato, casaco ou bolsa e, finalmente, o maior campo de concentração que é a indústria alimentícia.

“Por ano, 50 bilhões de animais são mortos para consumo. Isso significa 140 milhões de animais mortos a cada dia, 5 milhões a cada hora, 90 mil a cada minuto e 1.500 a cada segundo. Não queremos e não nos esforçamos para associar a parte, a peça que estamos comprando a um ser vivo que matamos e esquartejamos”.

Animais usados no entretenimento são grandes vítimas dos humanos. Foto Wolfgang Claussen/Pixabay

“Além disso”, prosseguem os frades, “tem os ovos”: “Milhões de galinhas poedeiras ficam amontoadas em gaiolas de metal. O piso de arame inclinado para facilitar o recolhimento dos ovos impede que elas fiquem confortavelmente em pé. Os pintinhos machos são mortos no mesmo dia que nascem. São jogados vivos em enormes latas de lixo. Os que ficam no fundo vão morrendo sufocados ou esmagados pelos de cima. Também são triturados vivos para servirem de alimento para suas mães ou irmãs”.

“Dá para imaginar o sofrimento não só dos bezerros, mas da mãe que se vê privada dos filhos logo que nascem, quando seu instinto materno é o de cuidar de suas crias? Ela fica dias e dias mugindo, inconsolada pela ausência do filhote. E talvez não haja nada mais imoral na relação do humano com os animais não humanos, do que a forma como são tratados os bezerros mantidos sem afeto da mãe e leite materno, além de quase total ausência de movimentos em minúsculas baias”, explicam os frades como se consegue que a carne de vitela, desprovida de músculos e cartilagem, fique macia e rosada.

Bezerros separados das mães. Porcos também. Não existe animal que não seja explorado pelo homem. Foto Kadres/Pixabay

“Os porcos não ficam atrás. Os leitões mamariam três meses, mas são desmamados em uma semana e separados de suas mães”. Nas longas e estressantes viagens até os matadouros são comuns contusões, enjoos, fraturas, hemorragias e morte de bois e outros animais. Existe ainda a “febre do transporte” provocada pelo desgaste físico, falta de comida e bebida até o matadouro.

Jesus foi vegetariano?

Para os dois religiosos a resposta mais provável é “não”: “Ele comia peixe e celebrou a Páscoa com carne de carneiro. Isso porque ele viveu como um judeu de seu tempo. Vale lembrar que a Páscoa já era comemorada pelos judeus antes de Jesus e, nessa ocasião, normalmente, comia-se cordeiro”. Segundo os frades “não se podia imaginar a indústria da carne e como seria a reação de Jesus diante disso, mas a Bíblia é perpassada pela intuição e pela indicação de que o melhor é ir se afastando do hábito de comer carne”.

Os frades explicam que Jesus teve de viver como um homem de seu tempo. Foto Ulrike Leone/Pixabay

E acrescentam: “A produção industrial da carne é ineficaz na produção de alimento na medida em que os animais para consumo se alimentam de grãos e outros alimentos que poderíamos comer diretamente. Por que ao invés de criarmos uma superpopulação de gado sob condições infernais não comemos diariamente os grãos destinados a eles – que podem chegar a 70% do grão produzido como no caso do milho e soja? Diminuiria os desmatamentos, desertificação e aquecimento global. E com alimentação mais saudável”

“Pode-se inventar e espalhar felicidade, que é o que todos querem. Os animais inclusive”, finalizam.

Fátima ChuEcco é jornalista ambientalista e atuante na causa animal

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