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Resposta à Ouvidoria

18 de junho de 2013
4 min. de leitura
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No ultimo mês voltei a receber algumas reclamações formais as minhas aulas de direitos animais e veganismo. Abaixo assinado para me tirar da escola, união de professora com alunos para que meu conteúdo seja mudado, coordenação pedagógica fascista, etc, etc. Nada que eu já não conheça e esteja acostumado. Por coincidência encontrei nessa semana, numa gaveta, uma resposta da minha ex-diretora a uma reclamação feita na Ouvidoria da Secretaria de Educação do Estado de São Paulo contra minhas aulas.

Compartilho aqui a resposta da Diretora da unidade escolar que leciono.

Ouvidoria:

“Esta supervisão recebeu em 29/04/2010 uma reclamação realizada por uma tia de aluna, sem identificação, sobre o professor Leon, que segundo ela, faz lavagem cerebral nos alunos dizendo que leite e carne fazem mal para a saúde. Esta supervisão compareceu na escola em 12/05/2010, mas não conseguiu conversar com o professor, solicitando a direção manifestação, por escrito.”

Resposta enviada pela diretora, dona Elizabeth:

“Dizer que carnes e leite (laticínios) fazem mal para saúde humana não é um discurso corrente somente nos meios vegetarianos, poderíamos recorrer a instituições internacionais não vegetarianas que preconizam uma dieta alimentar livre de proteína animal como a OMS (World Health Organization), ADA (American Dietetic Association) e a FAO (Food and Agriculture Organization). Porém, esse não é o caso. O professor Leon Denis apresenta e discute com os alunos durante o ano letivo os três mais polêmicos recortes bioéticos da Ética Prática Contemporânea, quais sejam: Ética Alimentar, Ética Ambiental e Ética Animal.

A disciplina Filosofia, matéria que o professor ministra, é composta por Historia da Filosofia (antiga/medieval/moderna/contemporânea), Metafísica ou Ontologia, Lógica, Estética, Epistemologia, Teoria do conhecimento, Ética e Filosofia Política. Tanto em léxicos que apresentam detalhes técnicos da definição filosófica de Ética quanto qualquer dicionário da língua portuguesa tem a Ética como: “ramo da filosofia que aborda os fundamentos da moral”, “parte da filosofia prática que tem por objetivo elaborar uma reflexão sobre os problemas fundamentais da moral”, “estudo dos conceitos envolvidos no raciocínio prático: o bem, a ação correta, o dever, a obrigação, a virtude, a liberdade, a racionalidade, a escolha…”

O que isso tudo quer dizer? Que ao trabalhar Ética Prática com os alunos, o professor Leon não pode deixar de trabalhar com a reflexão sobre nossos hábitos alimentares e ambientais, simplesmente porque apenas uma família reclamou na Ouvidoria. A opinião da tia da aluna afirmando que o professor Leon faz “lavagem cerebral” nos alunos não corresponde a verdade. O trabalho com a ética, conforme já mencionado, envolve a reflexão sobre os hábitos dos seres humanos ao longo de sua historia de vida.

Seja por uma questão nutricional, ambiental ou moral; consumir carnes, leite (laticínios), ovos, mel, gelatina e cochonilha não encontra nas ultimas quatro décadas justificativas éticas nos trabalhos de filósofos e eticistas das mais renomadas universidades europeias e norte-americanas.

Apenas a titulo de ilustração, professor Leon cita alguns filósofos contemporâneos, que são parte da bibliografia para discutir a esquizofrenia moral no habito de se alimentar com cadáveres, carcaças, menstruação e secreção mamaria de pessoas não-humanas por puro especismo: Gary Francione, Peter Singer, Tom Regan, Sônia T. Felipe, Richard D. Ryder, Paul Taylor e James Rachel.

Dizer que o docente faz “lavagem cerebral” por mostrar os bastidores de nossa cultura biocida é a mais evidente demonstração de ignorância (no sentido latino do termo) científica e filosófica. A preguiça intelectual dos adultos impede o avanço espiritual e o aprimoramento ético dos adolescentes. Se alguns alunos decidiram, escolheram após leitura e estudo dos conceitos apresentados em aula que não vão mais compactuar com sequestro, confinamento, tortura e assassinato de milhões de seres sencientes por puro prazer degustativo, para apenas agradar o palato, não foi por imposição ou doutrinamento do professor, mas por coerência ética.

Em momento algum nos últimos anos em que o professor Leon desenvolve tal temática no Ensino Médio – motivo pelo qual se tornou referencia nacional – foi dito aos alunos que parassem de consumir carnes e leite.

Em suma, o docente discute Ética e não nutrição com os alunos, mas, caso, os pais e a supervisora de Ensino precisarem de informações dos fundamentos nutricionais dos malefícios das carnes e do leite para saúde humana o professor está a disposição para passar uma bibliografia de centenas de livros e artigos científicos corroborando com tal tese.”

Saudades da dona Elizabeth. E também da diretora Lia, da E.E. Antonio Francisco Redondo, que sempre apoiou os projetos dos professores, por mais polêmicos que fossem. Se tinha um fundamento pedagógico ela estava apoiando.

Historicamente a escola é uma instituição focada na reprodução e legitimação do status quo, seu objetivo sempre foi o de formar mentes e corpos dóceis. Por outro lado, é nela que temos o melhor ambiente para fazer a contraposição. Usando o sistema para mostrar as falhas no sistema. Mas por mais que alguns professores tenham um trabalho “heroico” (segundo Althusser), onde, penso eu, não deveria ter nada de heroico, apenas o exercício de sua função, honestamente; a rara contribuição dos quase extintos diretores sérios, comprometidos com a Educação, é fundamental.

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