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O PL 3024/11 e a regulamentação de uma violência

23 de fevereiro de 2012
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Está rondando no Congresso o Projeto de Lei 3024/2011 (clique em “Inteiro teor” na data 21/12/2011, na seção “Tramitação”, para ler o projeto de lei), de autoria de Paulo Magalhães, do PSD/BA, que regulamenta a profissão de vaqueiro de vaquejada. Vem tramitando apensado ao PL 2086/2011, que justamente coibiria atividades como rodeios e vaquejadas. Sem qualquer preocupação com os interesses e a integridade dos animais explorados na atividade e com uma justificativa marcada por falácias, vem fortalecer ante o Estado e a sociedade uma atividade de caráter violento e inconstitucional (vide Art. 225, VII).

Como é de se esperar de uma lei em prol da violência contra animais não humanos, há poucas e muito vagas referências “favoráveis” a estes: apenas o parágrafo 2º do Artigo 2º e o Artigo 3º falam de “proteger” os escravos da vaquejada. Sequer há vedações contra ações como mutilar a cauda do boi, ferir o cavalo com as esporeadas ou fraturar um osso do cavalo ou do boi, tampouco contra os abusos nos bretes. Afinal, a lei é para regulamentar uma profissão que consiste essencialmente em agredir animais, não para realmente proteger estes de atos de violência. Isso sem falar nas referências a “dominar”, “perseguir” e “derrubar” os animais.

Na justificativa, vemos uma salada de falácias, conforme comentários abaixo a cada parágrafo dela:

“A vaquejada é praticada no Brasil há mais de um século, nos dias atuais, acontecem centenas de eventos em todo território nacional, tanto recreativamente como profissionalmente.”

Falácia de apelo à tradição. Tradição não abona nem justificas atos desnecessários de violência, seja contra seres humanos, seja contra outros animais.

“É uma manifestação cultural legitimamente brasileira e que tem atraído público fiel e apaixonado, contando com inúmeros atletas que são reconhecidos como estrelas do esporte, bem como alguns animais que atingem valores e fama como os atletas.”

Novamente apelo à tradição (“manifestação cultural legitimamente brasileira”), e também à multidão (“tem atraído público fiel e apaixonado”). Nenhum desses dois argumentos justifica a violência contra inocentes. Se considerássemos válidos argumentos pautados em tradição e popularidade, a Europa atual teria herdado, sem questionamentos éticos, o legado romano das lutas entre gladiadores, dos assassinatos de leões e da execução de pessoas em arenas. Da mesma forma, a Kripteia de Esparta seria herdada pelas forças armadas da Grécia, mandando recrutas perseguirem e matarem pessoas de classes sociais desfavorecidas na ausência dos antigos hilotas.

As cidades onde são promovidas as vaquejadas transformam-se em destinos turísticos pela importância do evento, gerando emprego e renda, além de movimentar o comércio e hotelaria local.”

Essa é a falácia de apelo à relevância econômica, descrita por mim em artigo já antigo. Consiste em justificar algo violento e/ou antiético com a importância desse algo à economia local, regional, nacional ou global. E, como se sabe, o zelo à economia não é mais importante do que o zelo à vida e à integridade dos seres sencientes – se fosse, os governos apoiariam também o tráfico de seres humanos, armas e drogas pesadas, três atividades ilegais mas extremamente lucrativas, sem serem admoestados.

Compete ao Congresso Nacional regulamentar a atividade, garantindo a segurança dos animais, dos atletas e do público.”

O que realmente incumbe ao poder público é “proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade” (grifo meu). E não apoiar e patrocinar, de forma inconstitucional, uma atividade que se define no ato de submeter animais não humanos a ações violentas.

“As regras variam de região para região e até mesmo de cidade para cidade, porém, as regras básicas nas competições profissionais são mantidas, assim reproduzimos neste projeto de lei esses que são os principais fundamentos da vaquejada.”

Nas vaquejadas de qualquer sistema de regras, animais são tratados como escravos, amedrontados e agredidos. E não há aquela norma interna à vaquejada que impeça que as violências que marcam a atividade sejam promovidas.

“A atividade do peão de rodeio foi regulamentada pela Lei nº 10.220, de 11 de abril de 2001, parte dessa Lei é aplicada ao Vaqueiro que se equipara como atleta profissional.”

Nem por isso o rodeio é algo ético e livre de violência. Ali também há agressões patentes, que, ao contrário das vaquejadas, vêm sendo persistentemente denunciadas por entidades de defesa animal de todo o Brasil, e algumas cidades já proíbem tal atividade. A vaquejada é semelhante em termos de fazer violência contra inocentes, ainda que hoje continue com muito pouca oposição animalista.

É hora de as entidades de defesa dos Direitos Animais finalmente encararem a vaquejada como um problema que deve ser combatido, tal como o rodeio e a “farra do boi”. Graças ao deputado que redigiu tal projeto de lei, ganha-se a oportunidade de todo o Brasil saber o que realmente é a vaquejada e por que ela deve ser proibida, e não incentivada e regulamentada. A militância deve começar para que o PL 3024/2011 seja rejeitado e arquivado.

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