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Por uma ação direta pedagógica – parte II

31 de outubro de 2011
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“Nossa função primordial é educar homens para o combate e, se não houver uma real aproximação, não poderá ocorrer essa educação (…) isso se consegue quando o professor pode ser tomado também como modelo a seguir pelos alunos”.
 (Ernesto “Che” Guevara)

O educador vegano sabe que não é possível uma ação direta pedagógica sem uma prática constante de indagação, busca e pesquisa. O caráter crítico e autocrítico da educação vegana é devido a pesquisa ininterrupta que o educador vegano tem como norte e sobre os fundamentos filosóficos e etológicos dos direitos animais. Pesquisando o educador se fortalece, forte ele intervém, intervindo, educa o outro e a si mesmo. Assim como Horkheimer, nós educadores veganos entendemos que “crítica é o esforço intelectual e, em definitivo, prático para não aceitar, sem reflexão e por simples hábito de ideias, as formas de agir e as relações sociais dominantes”.

O educador vegano tem ciência da extrema importância que o espaço social e o capital cultural do aluno têm na construção de uma visão e interação com a natureza genuinamente éticas. O educador vegano sabe aproveitar a experiência cotidiana do aluno, sua realidade concreta, para nela intervir veganamente, ou seja, associando sua vivência diária com o conteúdo abolicionista das aulas. Pois é de fundamental importância discutir com os alunos as principais implicações éticas de suas ações e omissões no seu próprio contexto sociocultural.

Na ação direta pedagógica do educador vegano não deve existir a mínima possibilidade do dito “faça o que falo, não o que eu faço”. A coerência no dizer e fazer é uma constante na sua prática político-pedagógica. É mais que sabido que crianças e adolescentes aprendem por imitação. Diante disso, o educação vegana supera as outras propostas de ensino anti-discriminação que há décadas não passam de discursos vazios, palavras soltas no ar, sem sua materialidade, corporeidade; já que o próprio educador vegano é o exemplo real, prático do que apresenta e discute na sala de aula.

Nenhum aluno leva a sério o professor que faz o discurso esquerdista, ecologista, feminista e nas ações corriqueiras no dia-a-dia deixa transparecer sua prática reacionária neoliberal, seu consumismo desenfreado de produtos supérfluos oriundos da ideia de que a natureza é uma fonte inesgotável de matérias primas, e sua dominação masculina no ambiente doméstico e, não menos, no profissional.

Sobre essa fundamental questão o educador Paulo Freire dizia:

“As qualidades ou virtudes são construídas por nós no esforço que nos impomos para diminuir a distância entre o que dizemos e o que fazemos. Este esforço, o de diminuir a distância entre o discurso e a prática, é já uma dessas virtudes indispensáveis – a da coerência. Como, na verdade, posso eu continuar falando no respeito à dignidade do educando se o ironizo, se o discrimino, se o inibo com a minha arrogância. Como posso continuar falando em meu respeito ao educando se o testemunho que a ele dou é o da irresponsabilidade, o de quem não cumpre o seu dever, o de quem não se prepara ou se organiza para a sua prática, o de quem não luta por seus direitos e não protesta contra as injustiças? A prática docente especificamente humana, é profundamente formadora, por isso, ética”.

O educador vegano não só transmite a teoria dos direitos animais em sala de aula, ele vive o modo de vida vegano, ele é o modelo daquilo que ensina. O educador vegano sabe da grandiosidade da responsabilidade que sua prática político-pedagógica abolicionista carrega. Sua presença em sala de aula não passa despercebida, pois o juízo dos alunos é constante, por isso, o exemplo que ele deve deixar é o da coerência, no dizer e no fazer.

Assim como o professor mal-amado, burocrata, reacionário e fascista, ou querido, sério, competente, democrático, libertário; o educador vegano, ativista dos direitos animais, não passa pelos alunos e alunas sem deixar sua marca. E que essa marca seja a da coerência dos princípios éticos universalizáveis.

Os riscos de trazer um novo olhar

O combate ao especismo na sala de aula é extremamente perigoso para o educador vegano. Toda luta contra toda forma de discriminação traz riscos para quem se envereda por esse caminho pela justiça. Mas a luta pela abolição da discriminação direcionada as pessoas de outras espécies é a mais revolucionária e traz mais riscos. Principalmente se a mudança no ver, pensar e interagir com os outros indivíduos humanos, não-humanos e ecossistemas naturais, vem da intervenção no espaço social e no capital cultural especistas dos alunos, realizada pela ação direta pedagógica do educador vegano. No entanto, diante de toda sorte de ameaças, oriundas do incomodo causado nos exploradores diretos da animalidade expressado em outra espécie que não a humana; o educador vegano não recua, pois a decisão de adotar esse modo de vida, essa diaíta, num mundo especista, é feita conscientemente, sabedora de tudo o que lhe espera.

O educador vegano é aquele sujeito que não foge a uma constante reflexão crítica sobre sua ação direta pedagógica. Não teme reconhecer os erros que pode ter cometido nesse processo de intervenção no mundo especista. Crítico e autocrítico, o educador vegano busca uma prática coerente com os princípios formais da ética que o norteia. A reflexão crítica sobre sua ação e sobre si mesmo leva-o a fortalecer sua base teórica abolicionista evitando ter seu trabalho contaminado pelo vírus do bem-estarismo. Contra o bem-estarismo o educador vegano direciona a função altamente formadora da justa raiva de que falava Freire.

É a consciência de que a adoção desse modo de vida desanimalizado é para todo o restante de sua vida, seja na hora de comer, divertir-se, instruir-se, que protege o educador vegano de ficar vulnerável a esse vírus chamado bem-estarismo. Como bem disse a educadora vegana Andresa Jacobs: “sem fraquezas, pois a cada recaída, um inocente sucumbe”.

Primeiro o combate interno, a mudança conceitual, o desfazer as pregas, rugas e vincos morais tradicionais tão arraigados na sua prática diária; depois a intervenção via ação direta pedagógica no estilo de vida especista dos alunos e alunas. Para isso é necessário coragem, firmeza, persistência, lucidez, senso de justiça, radicalidade, pois os desafios, os riscos em trazer um novo olhar sobre o mundo que nos rodeia são incontáveis.

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