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Um menino, a mãe, o Latinha e a escola de Realengo

14 de abril de 2011
4 min. de leitura
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Ele se chama João Roberto e tem 8 anos. É um menino tímido, de sorriso contido. Usa óculos grandes e pesados, mas já se acostumou porque ajudam a enxergar o que antes era um emaranhado de riscos e borrões. A mãe acha que João anda meio gordinho e gostaria que praticasse esportes, mas ele diz que não tem amigos para isso. E diz que o pessoal do time da escola acha que ele não é bom de bola nem quando joga de goleiro. Aliás, de bola ele só tem o apelido. Bola, gordo e baleia.

Ultimamente João Roberto anda meio triste. As notas da escola não andam bem e nem tem saído muito de casa para passear ou brincar. Está se sentindo sozinho.

Ficar em casa também não está sendo nada fácil. A mãe anda muito nervosa e grita com por qualquer coisa. Outro dia ele levou até um chute dela quando estava sentado no chão da sala jogando videogame. Também levou tapa no rosto, só porque ele queria comer algumas bolachas. A mãe não andava bem, mas isso ia passar. Ela sempre foi muito legal e ele a adorava.

Outro dia ele arranjou um amiguinho. Um cachorrinho vira-lata que veio atrás dele na volta da escola. Ele queria trazer para dentro do apartamento, mas a mãe não deixou. Ela disse que podia ser amigo dele só lá na calçada porque o condomínio não deixava trazer para dentro. João Roberto virou amigo do vira-lata e todos os dias, na hora do almoço, levava comida e água. Ficava sentado na calçada brincando com ele. Quando chovia, costumava ficar com ele debaixo do abrigo do ponto ônibus. Para ficar cuidando dele, começou também a levar o material da escola para a calçada para fazer lição de casa. Estava muito feliz. Ficava com ele até a mãe voltar do serviço.

Mas aconteceu uma coisa que fez com que João assumisse uma responsabilidade que a mãe nunca imaginou que iria cumprir. Numa noite, o zelador tocou a campainha do apartamento e ficou cochichando alguma coisa na porta com a mãe. Ele disse que o vira-lata estava sujando muito a calçada na frente do portão de entrada com o cocô que ele fazia todos os dias. Que iria chamar a prefeitura para levar embora o cachorro. João ficou desesperado e prometeu que iria pegar o cocô dele todos os dias e deixaria a calçada sempre limpinha. E ficou combinado assim.

João Roberto passou a viver sempre atento para recolher o cocô do Latinha. Carregava sempre pelo menos dois saquinhos de plástico na mochila da escola. Não sabia por onde o Latinha andava durante o tempo que ele ficava na aula, mas quando chegava da escola sempre estava lá feliz e alegre esperando o João. E, então, ele fazia cocô sempre no mesmo lugar, do lado do portão. Era muito bom ter um amigo como o Latinha. Não brincavam com a bola porque na calçada é perigoso, mas se divertiam apostando corrida, ou olhando os carros passarem ou inventando qualquer coisa. João Roberto fazia as lições também com ele e ficava explicando cada coisa que escrevia.

Quando João Roberto fez 10 anos resolveu que não queria mais cuidar do Latinha, porque já tinha amigos e jogava até no time de futebol da rua. A mãe avisou ao zelador que o vira-lata não era mais do seu filho. E João, para que o cachorro entendesse também o que estava acontecendo, passou a dar chutes e tapas para que se afastasse da porta do prédio. Era só para que o Latinha entendesse que a coisas tinham mudado.

Outro dia João Roberto voltou a ficar triste com a tragédia que aconteceu na escola do Rio de Janeiro. E se tivesse acontecido na escola dele? E se ele estivesse lá? E se ele de repente ficasse louco como aquele rapaz? A mãe explicou direitinho como um psiquiatra tinha falado na TV, sobre como os pais e professores deveriam trabalhar as crianças que tinham presenciado a tragédia. Que aquilo não acontece todos os dias e que ele não tem nenhuma doença de cabeça. Que jamais faria algo que machucasse os outros porque sempre foi muito amado por ela e, portanto, ele aprendeu e sabe amar as pessoas.

João Roberto vive em Brasília e parece que já fez 11 anos no mês passado.

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