Futebolices

6 de julho de 2010
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Na época da Copa do Mundo, como bem analisou o colunista Dagomir Marquezi, o futebol leva multidões a um estado de catarse coletiva, demonstração de um suposto patriotismo jamais visto em nosso país. O dramaturgo Nélson Rodrigues conseguiu mostrar isso nas crônicas de A Pátria em Chuteiras e À Sombra das Chuteiras Imortais, expressando em sua literatura um pouco do êxtase popular relacionado ao esporte das massas. Se o barulho, na atualidade, já é grande nas partidas decisivas dos campeonatos estaduais ou nacionais, ele torna-se incontrolável quando a seleção brasileira entra em campo, faz gols ou sai vencedora. Basta dizer que, na Copa da África, as chamadas vuvuzelas pouparam tão somente a cantora Shakira, soando depois ensurdecedoras em todos os jogos.  Essas trombetas tornaram-se a marca registrada desta Copa, reverberando também no Brasil. Basta o expectador ligar a TV para ser  inundado por anúncios patrocinados pela mídia consumista  e, por vezes, preconceituosa.  Cada jogo canarinho torna-se motivo para uma saraivada de bombas, rojões e cornetas,  promovendo-se – após o apito final – sangrentos churrascos regados a latas de cerveja. E olha que muita gente bebe até cair. 

Não bastassem as consequências desastrosas desses festejos perante a sociedade humana – embriaguez, brigas, acidentes de veículos e até mortes – há um outro aspecto da questão que é pouco considerado. Trata-se do pânico e sofrimento ocasionado aos animais, sobretudo aos cães que têm pavor de rojões. Quem possui animal de estimação sabe o que é isso. Alguns cães até que reagem bem ao foguetório, enquanto outros ficam fora de si a ponto de correrem para qualquer direção, pular de varandas, atravessarem grades ou se enfiarem não se sabe onde.  Basta dizer que na Copa de 2002, vencida pela Brasil, as estatísticas oficiais revelaram numerosos casos vitimando cães:  enforcamentos  na coleira,  lesões em portas ou janelas e atropelamentos em via pública. Se nessas ocasiões os motoristas  costumam sair alucinados ao volante, dirigindo perigosamente e sem qualquer atenção ao tráfego, o que não dizer em relação aos cães perdidos na rua? A maioria acaba, infelizmente, sob as rodas.

Será que seleção brasileira justifica tamanha comemoração carnavalesca em que prevalece o vale-tudo generalizado? Penso que não. Já faz tempo que o futebol-arte desapareceu do nosso cenário esportivo. A equipe de 1982, com Zico, Sócrates, Falcão, Júnior e outros craques da bola, foi a melhor que já se viu jogar, embora não tenha trazido o título. A de 1986, também comandada pelo mestre Telê Santana, ficou no meio do caminho, apesar do bom futebol. Paradoxalmente, o time de 1994 foi campeão nos pênaltis, com um feio esquema tático defensivo do qual se salvou apenas a genialidade de Romário. Técnicos provenientes de clubes, como o foram Saldanha, Telê e Scolari, pensavam antes no espetáculo do que no resultado.  Já os técnicos biônicos, impostos pela CBF, sempre convocaram a quatro mãos, transformando nossa seleção em um reduto de atletas “estrangeiros” supervalorizados no mercado europeu, em detrimento dos bons jogadores que atuam no Brasil, e que, certamente, poderiam fazer menos feio do que o time de Dunga.   

Mas voltando aos rojões e às trombetas do inferno, valendo-me aqui da expressão de Dagomir, já é tempo de a sociedade questionar esse costume popular em face do princípio da precaução, de relevância ambiental. No final dos campeonatos ninguém se importa com a lei do silêncio, com o sossego dos pássaros ou com o respeito entre os próprios seres humanos. E causa espanto só de pensar que em 2014 o circo será aqui, depois de o governo investir bilhões na construção ou reforma de estádios.  Há, portanto, muito barulho ainda por vir. O ideal seria que as pessoas não soltassem bombas para comemorar conquistas ou extravasar sua alegria.  Mas também se deveria considerar a possibilidade de o Legislativo propor leis restritivas ao uso e à comercialização desses produtos, permitindo tão somente os fogos de artifício silenciosos, aqueles que explodem em cores e se derramam em cascatas de luz.  Fica aqui a sugestão.

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