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Cidadania e defesa dos direitos dos animais

28 de fevereiro de 2010
25 min. de leitura
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Foto Rosana GnipperRosana Vicente Gnipper tem uma trajetória muito ativa pela defesa dos animais. É presidente da ONG Movimento SOS Bicho de Proteção Animal, entidade que ocupa a presidência no Conselho Municipal de Proteção dos Animais em Curitiba desde 2005, quando da sua implantação, e uma das fundadoras do FDDA – Fórum de Defesa dos Direitos dos Animais de Curitiba e Região Metropolitana. Ainda na capital paranaense, a psicóloga participa de outras duas entidades: a Organização Não Governamental Ecoforça, entidade ambientalista com representação em seis municípios no Estado, coordenando a diretoria de Curitiba e a UNEAP – União das Entidades Ambientalistas do Paraná, compondo a Coordenadoria de Curitiba e Região Metropolitana. Representando as entidades nas quais exerce sua militância pelos direitos animais, atua em alguns espaços políticos de representação da sociedade civil organizada, tais como Fóruns, Conselhos e também participa de Conferências desde 2003 (das Cidades, Saúde, Meio Ambiente e Direitos Humanos). Alguns deles são: CES/PR – Conselho Estadual de Saúde do Paraná, CEMA – Conselho Estadual de Meio Ambiente do Paraná e COE-PR – Comissão Organizadora pró-Conferências Estaduais do Meio Ambiente do Paraná. Participou do Grupo de Trabalho da Câmara Técnica de Biodiversidade e Recursos Pesqueiros do CONAMA – Conselho Nacional do Meio Ambiente que acolheu o debate para a definição de maus-tratos a animais. Partindo de uma visão sistêmica de cidadania, integra o Fórum Permanente da Agenda 21 do Paraná e o Fórum Paranaense de Mudanças Climáticas Globais. Rosana falou com exclusividade à ANDA sobre mobilização cidadã e a repercussão das pressões populares em favor dos animais na esfera pública.

ANDA – Você tem uma história pessoal de mais de 10 anos no movimento pelos direitos dos animais. Neste período, o que você percebe que mudou nesta batalha?

Rosana Vicente Gnipper – Ao longo dos últimos 10 anos pudemos perceber um aumento na quantidade de pessoas voltadas para a defesa dos animais que se uniram para atuar de forma mais organizada. Não podemos nos esquecer de que neste mesmo período o uso da internet se ampliou, facilitando muito a troca de informações e mobilizações, principalmente em prol dos animais. A troca de informações, ampliação da rede de contatos, troca de relatos, fotos, vídeos, tudo isso concorreu para um aumento da sensibilização para o tema. Ganhando mais força, o movimento pela defesa dos animais também ganhou mais espaço na mídia. Fortalecido, ousou ir para as ruas, organizando manifestações, passeatas, atos simbólicos, feiras temáticas e outros eventos afins. E, assim, a população alheia às questões relativas aos animais, principalmente no que diz respeito aos maus-tratos por eles sofridos, foi ficando mais esclarecida e com condição de dar apoio. Incluem-se aqui os políticos, nos âmbitos municipal, estadual e nacional, que passaram a incorporar em seus discursos e ações (principalmente na apresentação de projetos de lei) também a defesa dos animais.

ANDA – Sabemos de importantes conquistas contra o aluguel de cães para guarda e o uso de animais nos circos. Como estão estes assuntos e quais as principais vitórias obtidas em favor dos direitos dos animais nos últimos anos?

Rosana Vicente Gnipper – Em Curitiba conseguimos derrubar o projeto de lei que regulamentaria a atividade do aluguel de cães para guarda, após árduo trabalho de denúncias de maus-tratos cometidos contra os animais envolvidos e apresentando pareceres jurídicos, mostrando que a lei de proibição não é inconstitucional, como alegavam os vereadores e os donos das empresas. Foram três audiências públicas na Câmara dos Vereadores, para que pudéssemos, enfim, iniciar a redação de um projeto pela proibição da atividade, junto à Comissão de Saúde, Meio Ambiente e Bem-estar Social. Foram dois anos e meio para que pudéssemos ter o projeto aprovado e a lei sancionada em janeiro de 2008 e, nesse tempo, foram realizadas manifestações no centro da cidade mostrando à população fotos das denúncias recebidas e feitas, bem como coleta de assinaturas num documento que pedia a proibição da atividade. Em um mês foram mais de 15.000 assinaturas colhidas. Estamos exatamente com um ano da lei em vigor. Isso não quer dizer que não se alugam mais cães em Curitiba, pois as “empresas” (entre aspas porque a maioria delas não é constituída juridicamente e atua sem alvará) retiraram as placas de identificação, dificultando o trabalho de fiscalização tanto das ONGs quanto da própria Prefeitura. Mas, pelo menos, temos um instrumento legal importante e pela proibição e não regulamentação, ou seja, procuramos aprovar uma lei baseada nos Direitos Animais, pelo não uso e exploração e não pela exploração consentida e atenuada, como são as leis que regulamentam atividades que não devemos mais aceitar. Fomos ousados e tivemos muitas críticas contra nossa postura, inclusive por parte de protetores de animais, mas fizemos o que entendemos ser o correto pelo fim da exploração dos cães para essa atividade, nem que seja no longo prazo.
Em relação aos circos também tivemos um pouco de dificuldade para aprovar a lei, mas insistimos na proibição abrangente (para todos os animais), contrariando a intenção dos vereadores de deixar que se apresentassem animais domésticos e domesticados ou mesmo que o órgão ambiental emitisse autorização após verificação do estado dos animais. Estas foram as duas emendas apresentadas, que, com lobby político, conseguimos derrubar, num trabalho de dois anos e meio sem abrir mão da proibição geral.
Ambos os projetos estão em tramitação na Assembleia Legislativa, para que possamos ver todo o estado do Paraná livre da exploração de animais, pelo menos nessas duas atividades.
Fica aqui meu alerta, para que os defensores de animais não permitam que a atividade do aluguel de cães para guarda se consolide em seus municípios, pois os maus-tratos aos animais envolvidos é inerente à própria atividade e, depois que se instala, fica muito mais difícil de se conseguir impedir. As questões de segurança nas cidades precisam ser tratadas com muita seriedade por parte do poder público, e deixar um animal sozinho dias, meses, anos no local, sendo alimentado por vizinhos, dias e dias sem água, sem um local adequado para se abrigar, sem nenhuma assistência médica, fêmeas parindo e filhotes sendo comidos pelo macho (no caso de um casal, o que é comum), além de cruel, não é nenhuma garantia de segurança, instala-se um mecanismo de “tapar o sol com a peneira” e a causa dos problemas vai somente se agravando. Resumindo: essa atividade, além de gerar crimes contra os animais, gera problemas de saúde pública em função da sujeira acumulada e desconforto a quem mora próximo. É um problema, e não uma solução.

ANDA – Quais são as prioridades atuais do movimento de defesa dos direitos animais?

Rosana Vicente Gnipper – No meu entender o movimento em defesa dos direitos animais precisa se consolidar e se fortalecer, criar um Fórum Nacional com representação em todos os estados, pelo menos nas capitais, e se fazer representar nos espaços políticos onde a sociedade civil é chamada a estar presente, em todos os âmbitos: municipal, estadual e nacional. Para tanto é preciso socializar informações, compartilhar conhecimentos e unir forças. Importante também é compreender que a defesa dos animais, no que tange à defesa pelo direito à vida, não está isolada de contextos amplos de Saúde, Meio Ambiente e até mesmo dos Direitos Humanos, por exemplo. Portanto temos o dever de colocar a defesa pelo direito à vida dos animais nessas discussões. E temos obrigação de nos mantermos informados e atualizados para podermos colocar nosso ponto de vista à altura de qualquer debate e não nos deixarmos levar pela discussão de aparente defesa dos animais, quando o fim é a continuidade do uso com menos sofrimento. Nós temos por objetivo a defesa do direito à vida e à liberdade, portanto, é dentro desse objetivo que devemos apresentar nossas propostas e defendê-las. Só que precisamos saber como fazê-lo para não recebermos somente rejeição, pois a rejeição pessoal leva à rejeição das ideias postas, portanto é um NÃO estampado contra os animais, justamente quem buscamos defender.
Outra questão que entendo ser importante para nos lembrarmos é que nós não fazemos defesa de alguns animais em detrimento de outros. Todos os animais têm o direito à vida, à liberdade, a poderem viver de forma a expressar seus comportamentos naturais, específicos de cada espécie, de modo a poderem cumprir com sua função ecológica, inclusive. E a nós cabe atuarmos de forma a garantir-lhes esses direitos, pois nossas ações devem ser sempre realizadas pelos interesses dos próprios animais e não pelos interesses humanos em suas relações com os animais.

ANDA – No âmbito da Saúde, Vigilância Sanitária e Meio Ambiente, quais as questões animais mais urgentes no debate político?

Rosana Vicente Gnipper – Nossa! São tantas as questões que é meio difícil abordar de forma resumida. Mas vamos tentar. A Saúde Pública está voltada para os humanos, portanto, em todas as ações que envolvem animais e defesa da saúde humana nós temos que intervir, porque com certeza os animais estarão sempre sem defesa. O que mais se vê são ações anunciadas de captura e abate de animais, visando controle de doenças e manutenção da saúde para as pessoas. Por exemplo: pombos, morcegos, capivaras, cães, gatos e outros. A desculpa sempre é relativa à falta de estudos apontando outras soluções que não o abate e também a questão dos custos, além da prioridade dos humanos. Se uma ação de manejo ficar mais cara que a do abate, este será o critério para a tomada da decisão do que se deve fazer. As verbas destinadas aos gastos com a Saúde, tanto nos municípios quanto nos estados, passam por aprovação nos Conselhos de Saúde, portanto se tivermos assento nesses Conselhos e pudermos ajudar na orientação desses gastos fazendo propostas alternativas, já estaremos dando nossa colaboração na defesa dos animais na implantação da política pública. Um exemplo prático em relação à ação de vigilância sanitária está na fiscalização de locais com venda de produtos que possam ser usados para matar animais, o chumbinho, por exemplo. Temos tratado desse tema na Comissão de Vigilância Sanitária e Meio Ambiente do Conselho Estadual de Saúde do Paraná, da qual sou a coordenadora, o que já resultou numa notificação a todas as 22 Regionais de Saúde, que abrangem os 399 municípios do Paraná, para que fiscalizem e notifiquem qualquer local que faça a venda desse produto.
Em relação ao meio ambiente, a questão é mais abrangente, pois, como havia dito antes, não somos defensores de uns em detrimento de outros, portanto todos os animais são alvo de nossas ações quando suas vidas estiverem sendo ameaçadas. Lembrando que uma das leis que mais têm servido de apoio às ações das entidades de defesa dos animais é a lei 9605 de 12 de fevereiro de 1998, a Lei de Crimes Ambientais, cujo artigo 32 tipifica maus-tratos a animais como crime. Neste momento, exemplificando, estamos às voltas com a defesa da vida dos javalis que estão sendo ameaçados de morte pelo órgão ambiental do estado, o IAP – Instituto Ambiental do Paraná, por estarem numa área de preservação e, como são animais exóticos (não são oriundos da fauna brasileira) e foram aqui introduzidos, uma nova denominação os considera “invasores”, colocando em risco a fauna nativa. Então, declaração de morte aos invasores! Acontece que esses animais foram introduzidos, autorizados a serem criados e comercializados. Não podemos, simplesmente, permitir que sejam apreendidos e abatidos, mas sim que sejam retirados e colocados em algum outro local onde não ameacem a fauna nativa e possam ter suas vidas preservadas. Essa não é a visão dos técnicos ambientais e nem de ambientalistas conservacionistas, que admitem e incentivam o abate desses animais. Aí entramos nós!
Além do que, temos percebido que os órgãos públicos, principalmente quando pressionados pela população desinformada, ou mesmo por pressões de ordem econômica, lançam mão da justificativa da “manutenção da saúde pública”, para que suas ações pretendidas não sejam questionadas. Lembrando também que a própria Lei de Crimes Ambientais respalda alguns desses atos no Art. 37, quando diz que “não é crime o abate de um animal quando realizado em estado de necessidade, para saciar a fome do agente ou de sua família; para proteger lavouras, pomares e rebanhos da ação predatória ou destruidora de animais, desde que legal e expressamente autorizado pela autoridade competente; por ser nocivo o animal, desde que assim caracterizado pelo órgão competente.” Veja onde temos que atuar para podermos defender a preservação da vida dos animais: se um animal ou uma espécie, como no caso citado os javalis, estiver provocando danos a um determinado agricultor e este tiver influência junto ao poder público local (ou estadual, ou mesmo federal), basta convencê-los dos danos provocados que a sentença já estará dada contra os animais. E nossa tarefa é questionar e solicitar estudos, além de fazerem prevalecer as ações que beneficiam a coletividade e não um único indivíduo, empresa ou lavoura. Outro caso típico é em relação aos pombos, no meio urbano, que têm suas mortes sempre justificadas como prevenção à saúde humana. Na verdade sabemos que o problema maior é com a sujeira deixada por eles e não exatamente por riscos à saúde, uma vez que potencialmente transmissores de doenças até nós somos… e como somos! Fizemos esse levantamento aqui no Paraná, solicitando à Secretaria Estadual de Saúde, para justificar uma ação junto à Secretaria do Meio Ambiente de um município do interior do Paraná, dados da quantidade de pessoas acometidas de doenças, comprovadamente por pombos. Os números foram insuficientes para que as mortes fossem justificadas em nome da saúde pública, e as mortes não foram autorizadas.
E, somente para finalizar, as ações de controle de população de cães nos centros urbanos por meio de esterilização cirúrgica (que, para nós, são ações preventivas de saúde pública se sairmos um pouco dos Direitos Animais) ainda são muito difíceis de serem aceitas e recomendadas, pois na memória das pessoas e autoridades municipais, o método de captura e morte é mais eficiente, pois temporariamente se tira da frente o que incomoda, parecendo que a ação é mais efetiva. Como falei anteriormente, são gastos da Saúde. E por que não podem ser utilizados em ações de prevenção? É questão de estarmos firmes nos espaços das decisões e não permitirmos ou pactuarmos com ações de solução aparente. Isto requer um certo desprendimento pessoal e um quantum de malícia também, que se consegue praticando.

ANDA – Que contribuições para a causa dos direitos dos animais estão em pauta no Fórum Permanente da Agenda 21? Já é possível tirar resultados concretos deste espaço de discussão?

Rosana Vicente Gnipper – Entrei para este grupo em 2004 e participei por um ano das reuniões mensais deste coletivo, atrelado à Secretaria Estadual do Meio Ambiente, até me sentir mais embasada para fazer a pergunta: pensamos em ações para as próximas gerações somente de humanos? A Agenda 21 é somente para as pessoas? Onde a defesa dos animais está contemplada?
Lembro que minha pergunta surpreendeu aos presentes, pois a Agenda 21 do Paraná estava calcada em nove temas norteadores, um dos quais era Biodiversidade e parece óbvio que, quando se fala em preservação da biodiversidade, se está falando em preservar a vida dos animais também. Mas coloquei que, quando pensamos dessa maneira, estamos muito mais expressando nossa intenção na preservação da espécie humana, dependente da existência dos animais para sua própria existência, do que pela defesa dos direitos dos animais pela sua própria existência e interesse em existir. Tive sucesso na minha abordagem e foi-me solicitado fazer uma apresentação para explicar melhor a que eu me referia. Agendamos e preparei uma apresentação baseada no documentário Terráqueos, relacionando os Direitos Animais aos outros temas norteadores da Agenda 21 (Padrões de Produção e Consumo, Inovações Tecnológicas e de Pesquisa, Direitos Humanos etc.), mostrando nossa dependência em relação aos animais e como os temos tratado até então. Se queremos um mundo melhor, temos que querer para TODOS os habitantes de nosso planeta. Resumindo, após mais algumas discussões, foi consenso mudarmos o tema Direitos Humanos para “Direito de Todas as Formas de Vida”, sendo este hoje um dos temas norteadores da Agenda 21 do Estado do Paraná.
Mudar o olhar para as ações pretendidas na direção de deixarmos um mundo melhor para as próximas gerações, incluindo as formas não humanas de vida, para mim, por si só, já foi um grande avanço. Mas não podemos bobear, porque os interesses humanos sempre predominam (muitas vezes nem por interesses reais mesmo, mas parece algo automático) e nossa presença faz com que as pessoas se lembrem: Ah! E os bichos?

ANDA – Como está a questão dos maus-tratos aos animais no Grupo de Trabalho da Câmara Técnica de Biodiversidade, Fauna e Recursos Pesqueiros do CONAMA?

Rosana Vicente Gnipper – Este GT do CONAMA teve suas reuniões iniciadas em 2005, para discutir uma proposta de resolução apresentada pelo Ibama, que, entre outras questões, define o que são maus-tratos a animais. Em março de 2006 tomamos conhecimento, por intermédio de uma das conselheiras do CONAMA, representante da região Sul, de uma entidade daqui do Paraná, que, à época da MOP3/COP8, realizada em Curitiba, a Câmara Técnica de Biodiversidade, Fauna e Recursos Pesqueiros estaria realizando sua reunião ordinária aqui em nossa capital e que uma resolução estaria sendo colocada para votação naquele dia. Fui para lá e, para minha surpresa, tratava-se da aprovação da que ficou conhecida depois como Resolução Pet, que autoriza a criação e comercialização de algumas espécies silvestres, por essa resolução consideradas agora como “de estimação”. Após ter manifestado minha indignação pelo conteúdo da resolução, tomei conhecimento de outra discussão que acontecia paralelamente, que era a da proposta de definição de maus-tratos. A partir daí comecei a participar das reuniões em Brasília, acompanhada de representantes do Grupo Fauna, daqui do Paraná. Nossa postura nas reuniões sempre foi na direção dos Direitos Animais, ou seja, se íamos aprovar uma resolução nova, com o teor de definição do que são maus-tratos, tínhamos que olhar para os interesses dos animais nos maus-tratos que recebem e não para os interesses daqueles que querem continuar usando e explorando os animais, abrandando assim o que entendem por atos de maus-tratos. Entendemos que era mais ou menos nesse sentido que aquela proposta estava sendo construída. Debruçamo-nos sobre a proposta apresentada pelo Ibama e apresentamos uma sugestão de resolução nova, calcada nos Direitos Animais, o que surpreendeu até mesmo os protetores de animais presentes nesse grupo, vindos de outras regiões do país. Isso porque a maioria dos protetores de animais, temendo perder um pequeno ganho para eles, acaba cedendo aos “pequenos passos”, o que em nossa interpretação tem ajudado a perpetuar tudo aquilo que queremos combater. Reparamos que a maioria dos participantes desse GT era composta de pessoas que tinham interesses no uso dos animais: pesquisadores científicos, criadores, representantes de zoológicos, de rodeios, de circos, pecuaristas, etc. Este GT terminou o seu trabalho no final de 2007, e um relatório, contendo todas as discussões e propostas feitas ao longo dessas reuniões, deveria ter sido enviado à Câmara Técnica para apreciação e posterior encaminhamento: votação, ida para plenário ou volta para GT. Não tivemos mais notícia do caminhamento desse relatório. Parece que não foi dado andamento. O que para nós é positivo, pois, do jeito que estava sendo apresentado, não se avançaria quase nada na defesa dos direitos animais, além do que já temos em termos de legislação. Pelo contrário, no nosso entender, em algumas questões haveria um retrocesso, ou a institucionalização do uso dos animais com os maus-tratos amenizados, considerados necessários. Estamos ligados, pois quando essa proposta for encaminhada para discussão na Câmara Técnica, haverá a necessidade da presença em massa dos protetores de animais com visão abolicionista para não deixarmos que sejam aprovadas medidas que contrariem os avanços conseguidos até então, ou que coloquem a perder nossa luta pela aprovação de algumas proibições, como no caso de animais em circos, por exemplo.

ANDA – O aquecimento global é um tema polêmico e urgente. Você atua em duas importantes frentes que discutem o tema: o Fórum Permanente da Agenda 21 e o Fórum Paranaense de Mudanças Climáticas Globais. Poderia comentar que lugar os direitos dos animais tomam neste debate?

Rosana Vicente Gnipper – Posso resumir dizendo que as intervenções em ambos os Fóruns são para a mudança no olhar, na visão que temos de nossas relações neste mundo. São no sentido de percebermos que não estamos sozinhos neste planeta e que não devemos mais pautar ações somente na direção do que vai beneficiar a espécie humana. Criamos uma forma de existir e nos sustentarmos completamente dependente dos animais e os tornamos escravos de nossa espécie. Não lhes damos mais o direito de escolhas. Nós os reproduzimos, quando e em que quantidade queremos, nós modificamos suas estruturas biológicas para atender nossas necessidades, nós os enfeitamos para nosso deleite, nós os comemos, nós os vestimos, enfim… Nossa existência parece estar condicionada à exploração da vida dos animais. Até para nosso bem-estar, quando chegamos em casa e queremos tê-los na porta nos esperando abanando o rabinho, mostrando uma felicidade incondicional por termos chegado. Tudo isso é para nós e não exatamente por eles. Então, nesses dois espaços em que temos participação, nossas intervenções são sempre no sentido de lembrar que os animais têm direitos por si mesmos e que temos que caminhar nessa direção se quisermos mudar um pouco a ordem das coisas. E, claro, é aí que mais trabalhamos a questão do vegetarianismo e veganismo, mostrando a necessidade de mudarmos nosso padrão de consumo, para podermos mudar o padrão das nossas produções. Não é uma missão fácil. No segundo semestre do ano passado pudemos apresentar três propostas para inclusão no Plano Nacional de Mudanças Climáticas, a partir de uma audiência pública realizada aqui em Curitiba, chamada pelo Fórum Nacional, na qual pudemos defender publicamente nossa colaboração para minimizar os efeitos das mudanças climáticas, fruto do aquecimento global do planeta. Nossas propostas foram integradas ao documento enviado para o Fórum Nacional, como sugestões do Fórum Paranaense, mas obviamente não devem ter sido acatadas e incluídas no Plano Nacional. Mas não podemos desistir. É um processo lento de conscientização e mudança de hábitos. Temos que ser pacientes, firmes e persistentes. São elas: 1) Incorporar as propostas das Conferências do Meio Ambiente de 2008, cujo tema foi Mudanças Climáticas, bem como as propostas da Conferência Nacional de Saúde de 2007, relativas ao eixo Saúde e Meio Ambiente. (SOS Bicho / Ecoforça / Grupo Fauna); 2) Incluir nos rótulos dos produtos derivados da indústria de produção de carne de animais (bovinos, suínos e aves, incluindo leite e derivados) informações relativas aos custos ambientais provocados por essa produção, como por exemplo: quantidade de CH4 liberado, quantidade de água consumida para obtenção do produto final, alimentação e medicamentos fornecidos aos animais ao longo da produção (hormônios e antibióticos), poluição de rios, desmatamento (SOS Bicho / Ecoforça / Grupo Fauna); 3) Por meio de educação ambiental, alertar a população sobre os impactos ambientais da criação de gado, acompanhado de campanhas intensivas veiculadas pela mídia, e promover ampla divulgação de informações sobre reeducação alimentar, incentivando a diminuição do consumo de carnes, com o objetivo de melhorar as condições de saúde para o ser humano, preservar o meio ambiente e diminuir os maus-tratos cometidos contra os animais envolvidos (SOS Bicho / Ecoforça / Grupo Fauna).

ANDA – Na linha de frente do SOS Bicho, você está ciente da realidade dos abrigos para animais e das imensas dificuldades financeiras de boa parte das entidades. Quais as melhores estratégias e táticas, com resultados a curto e médio prazos, que podem ou estão sendo adotadas para recolher e atender os animais, além de manter a infra-estrutura dos abrigos? E qual papel o governo exerce, ou deveria exercer, neste sentido?

Rosana Vicente Gnipper – Bom, sei da realidade dos abrigos de forma indireta, pois não atuo nessa frente de trabalho, quero dizer, do recolhimento de animais. Até onde tenho conhecimento e notícias, nada muda significativamente na realidade desses locais com o passar dos anos, tanto para os animais encaminhados para eles, quanto para as pessoas envolvidas. O que se pode fazer para minimizar é aumentar os apelos e ações que levem as pessoas a colaborar ou com trabalhos voluntários ou com dinheiro, ou da forma que necessitam temporariamente, em alguma situação de emergência. Não vejo outra saída para esse trabalho. O que mais me entristece é perceber que a maioria das pessoas envolvidas nessas ações pensa e age somente na ação pontual com resultado imediato. Dificilmente se envolvem em algum trabalho com resultado a longo prazo. Todas as ações são voltadas para a manutenção dos animais. Quando muito, participam de campanhas isoladas de esterilização, o que requer muita dedicação, tempo, investimento. Não sei se o resultado compensa, pensando em solução e não somente nos animais beneficiados.
Até acho que a existência de abrigos de animais, mantidos por particulares, não colabora para a solução do problema como um todo nos municípios. Pelo contrário, tem sido até local de encaminhamento de animais, recolhidos pelos órgãos municipais, ou seja, é uma inversão de competências… cômodo para o poder público… oneroso para os protetores… insustentável se pensarmos nos direitos animais.
Sou da opinião de que o poder público tem a obrigação de resolver as questões relativas aos animais, entendendo, como já disse, que não existem somente pessoas habitando as cidades. Portanto, se existem políticas para as pessoas, devem existir políticas implantadas também para os animais. Há até incentivo a se ter animais, pela quantidade de serviços prestados a eles (pet shops, clínicas médicas, casas de venda de produtos e rações etc.), então por que não se ter políticas que os coloquem também na fila dos beneficiados? Então, compreendo que, a partir do momento em que as ONGs assumem para si a responsabilidade que seria do poder público, criamos aí um problema maior para os animais. Percebo também, no dia-a-dia, que algumas pessoas espertamente estão vendo nas ONGs de defesa dos animais um filão profissional e a necessidade de ajuda tem deixado alguns protetores um tanto quanto “cegos” para compreenderem o quanto acabam sendo usados, e em consequência os animais também são usados, para a continuidade daquilo que queremos extirpar de nossa sociedade. Ou seja, o uso e exploração dos animais.
Eu trabalho para que o poder público assuma para si a responsabilidade que tem para com os animais existentes em seu território de administração. Tudo que posso fazer para colaborar nesse sentido, de forma clara, tenho feito, em detrimento de minhas aspirações profissionais, pessoais, familiares. Tenho a minha turminha de quatro patas em casa para cuidar, hoje são 32 gatos e 11 cães, já tivemos bem mais que isso… Até porque comecei também minha vida na proteção dos animais recolhendo e abrigando em casa. E foi justamente o fato de ter ficado com muitos animais em casa que me fez começar a pensar em outra forma de lidar com o problema. Trazendo para casa eu estava era premiando quem os tinha abandonado, no final das contas. Para cada um deles fizemos a diferença, com toda certeza, mas e para os outros que não pudemos recolher? E para os tantos outros que recebemos apelos de ajuda diariamente?

ANDA – Qual sua visão sobre a participação cidadã na esfera pública? O que pode ser feito para a obtenção de resultados mais rápidos e eficazes em favor da causa dos animais?

Rosana Vicente Gnipper – Eu acho uma obrigação de cada pessoa atuar mais diretamente na vida política de seu município, pelo menos. No conceito de cidadania está muito claro o que é ser um cidadão:
Cidadania =condição de pessoa que, como membro de um Estado, se acha no gozo de direitos que lhe permitem participar da vida política. Enquanto estamos aqui no dia-a-dia esperneando por ações efetivas e de sucesso, lá nas esferas das decisões políticas tem quem está decidindo por nós… e pelos bichos. E com os valores e forma de ver o mundo deles. Com todos os interesses pessoais, empresariais, econômicos etc. em primeiro lugar. A nossa ausência permite que se tomem decisões por nós, que dirá para os animais. Se queremos ver os direitos dos animais respeitados, temos que nos fazer presentes, ouvidos e também respeitados. Se dizemos que somos as vozes dos animais, precisamos pensar melhor no que estamos fazendo e como estamos fazendo. Existem muitas formas de participação nas quais a sociedade civil pode se incluir, desde participar das sessões plenárias das Câmaras de Vereadores de seus municípios, das reuniões das Comissões das Câmaras (mais do que nas plenárias, é ali que muitas decisões são tomadas), participar de Conselhos e Fóruns específicos, das Conferências que acontecem a cada dois anos. Estas são temáticas e desde 2003 participo das Conferências de Saúde, Meio Ambiente, Cidades e mais recentemente até na de Direitos Humanos. Há sempre espaço para se tratar a nossa relação e boa convivência com os animais, a partir de uma relação harmônica e respeitosa. De forma geral as Conferências são deliberativas, portanto as propostas que ali são aprovadas deveriam ser implantadas como políticas públicas, nos âmbitos nas quais foram aprovadas: municipal, estadual ou nacional. Falta-nos fôlego para acompanhar a implantação de todas essas medidas.
Não há resultados rápidos, pois estamos falando em mudança de valores, mudança de hábitos, de costumes, de crenças e de cultura. Essa pressa tem nos feito perder a vontade de continuar, tem nos feito olhar para o ser humano com desprezo, tem nos feito pensar que os animais são melhores do que as pessoas. Não pactuo com esse sentimento. A famosa frase: “quanto mais conheço as pessoas mais eu gosto dos animais” não faz parte daquilo que compartilho. Pois nosso trabalho mais intenso para vermos os animais respeitados é justamente com as pessoas. E se entendemos que não conseguiremos que as pessoas se modifiquem ou mudem sua visão de mundo, não teremos muito mais a fazer do que recolher, abrigar e pedir ajuda… e reclamar… e ficarmos amargos.
Se não participamos das decisões políticas nem do nosso município, como querer mudar a visão dos políticos? Como mudar ou criar leis? Como sermos, nós mesmos, respeitados pelo que fazemos?

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