EnglishEspañolPortuguês

O filósofo Tom Regan e seu trabalho pelos direitos dos animais

9 de fevereiro de 2010
5 min. de leitura
A-
A+

Impulsionado pelos bons resultados alcançados por movimentos de emancipação civil na década de 1960 (a chamada “revolução dos direitos”), o tema direitos animais começou a ser discutido como movimento social no início da década seguinte por um grupo de filósofos da Universidade de Oxford, do qual faziam parte Peter Singer e o psicólogo Richard Ryder.

Entretanto, a ideia geral que se fazia em torno do tema era bastante difusa. Não era, por exemplo, centrada na noção de valor intrínseco dos animais. Dessa forma, o movimento se assemelhava às reivindicações anteriores restritas à melhoria do bem-estar dos animais. Exemplo disso pode ser visto na Declaração Universal dos Direitos Animais, proclamada pelo UNESCO em 1978 após ser aprovada resolução a esse respeito pela ONU. Um dos artigos dessa declaração de direitos é emblemático ao explicitar a possibilidade de uma violação de direito fundamental por motivo arbitrário: “Art. 9o. No caso de o animal ser criado para servir de alimentação, deve ser nutrido, alojado, transportado e morto sem que para ele resulte ansiedade ou dor.” Ora, uma vez que se reconhece que animais não humanos têm direitos, seria inadmissível criá-los para servir de alimentação, como também não se espera que humanos sejam criados para esse fim.

A teoria sobre direitos animais como a conhecemos atualmente é decorrente dos trabalhos pioneiros de Tom Regan. Pode-se dizer, então, que ele é o fundador do atual movimento de direitos animais. Tom Regan graduou-se no Thiel College (EUA), fez mestrado e doutorado na Universidade de Virgínia (EUA) e lecionou filosofia durante 34 anos na Universidade da Carolina do Norte (EUA), até se aposentar em 2001 como Professor Emérito. Esta universidade mantém o Arquivo Tom Regan de Direitos Animais – uma biblioteca com centenas de livros e artigos sobre direitos animais, legislação e bem-estar animal, em reconhecimento aos trabalhos de Regan.

Regan já foi açougueiro, defensor da caça e considerava os animais como objetos. Foi a leitura de Gandhi e o seu apelo à não violência que mudou isso. Primeiramente, Regan e sua esposa, Nancy Tirk, fizeram parte do movimento de oposição à Guerra do Vietnã. Mais tarde, em decorrência de seus trabalhos de filosofia sobre direitos humanos, a conclusão de que não humanos também fazem parte de nossa comunidade moral foi um caminho natural.

Regan publicou diversos livros, mas apenas um deles está disponível em português: Jaulas Vazias (Ed. Lugano, 2006). O livro mais importante, considerado o mais completo tratado filosófico sobre direitos animais, é o livro The Case for Animal Rights (University of California Press, 1983). Nesta obra, Regan começa mostrando que alguns animais, tais como os mamíferos com pelo menos 1 ano de idade e aves, são seres sencientes, possuem interesse em vida continuada e outros desejos que os tornam pacientes morais. Regan então critica o que ele chama de escola dos “deveres indiretos,” cujo representante é o filósofo alemão Immanuel Kant. Kant afirmava que os animais são meros meios para um fim (os humanos), e que nós devemos ter compaixão pelos não humanos  não em reconhecimento aos interesses desses seres, mas porque de outra forma ficaríamos embrutecidos e isso poderia prejudicar outros humanos. Em outro capítulo, Regan critica duramente a escola utilitarista de “deveres diretos,” cujo representante é Peter Singer. Regan afirma que direitos animais, assim como direitos humanos, não podem ser defendidos segundo uma visão utilitarista consistente. Regan então apresenta a teoria de direitos com base numa extensão da ética deontológica de Kant, que considera a noção de animais como sujeitos-de-uma-vida (seres sencientes com características cognitivas avançadas). Em uma ética deontológica, o conceito de dever é mais importante do que as consequências resultantes das ações. Ela se fundamenta nos imperativos categóricos de Kant, tais como a lei fundamental: “Age de tal modo que a máxima da tua vontade possa valer sempre ao mesmo tempo como princípio de uma legislação universal.” Esse é o princípio de uma teoria baseada em direitos, que diz que um direito deve ser respeitado mesmo que a sua violação possa trazer um benefício a um terceiro. A ética utilitarista, ao contrário, poderia violar um direito caso o bem resultante fosse significativo. Segundo essa ética deontológica, utilizar um animal (humano ou não) em um procedimento de vivissecção é sempre imoral, mesmo que disso resulte, por exemplo, a cura do câncer.

As contribuições do trabalho de Regan também se aplicam a direitos humanos. Isso vale principalmente na resolução de conflitos de interesses. É nesse ponto, porém, que Regan é frequentemente criticado por outros defensores dos animais (inclusive em um crítica do livro feita por Peter Singer): Regan toma o caso hipotético e excepcional de um navio afundando, e que dispõe de apenas um bote salva-vidas cujo espaço não é suficiente para todos. Neste navio há alguns humanos e um cachorro. Regan afirma que o espaço no bote deve ser dado aos humanos primeiramente, e nunca ao cachorro, pois há mais possibilidades de satisfação na vida de um humano do que na de um cachorro. Regan então extrapola seu pensamento, afirmando que o mesmo estaria correto ainda que 1 milhão de cachorros tivessem que ser atirados ao mar para salvar um único humano. O problema desse raciocínio está na sua generalidade, pois é plausível admitir casos em que a vida do cachorro seja mais útil ou traga mais possibilidades de satisfação do que uma vida humana. Dessa forma, a resolução do conflito deveria ocorrer caso a caso, e não segundo uma regra geral. Na última edição de seu livro, Regan parece concordar com esse argumento e admite que seu modo de pensar pode estar errado neste ponto.

Notas:

Em relação à Declaração Universal dos Direitos Animais, a organização inglesa Uncaged Campaigns pretende propor à ONU uma nova carta composta de apenas 4 itens, mas que verdadeiramente considera os animais não humanos como sujeitos de direito. Em contrapartida, a norte-americana World Society for the Protection of Animals (WSPA) quer propor a Declaração Universal  do Bem-estar Animal, que não reconhece direitos mas busca melhorias no bem-estar dos animais.

A versão original do livro Jaulas Vazias (Empty Cages) foi publicada em 2004 pela editora Rowman & Littlefield.
Ao contrário de Gary Francione, que também se inspira no exemplo de Gandhi, Regan admite que não é um pacifista, e considera possibilidades em que o uso da violência pode ser justificado.

Fonte: Direitos Animais Unicamp

Você viu?

Ir para o topo