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Compartilhando uma experiência

28 de dezembro de 2009
5 min. de leitura
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foto do cão zecaO cão Zeca entrou em minha vida há pouco mais de 10 anos, quando o vi perdido ou abandonado numa esquina dos Jardins, em São Paulo. Vestia uma roupinha tricotada, amarrada com barbante, e cheirava muito mal.

Procurei informações por perto e soube por um ambulante que ele vinha tentando acompanhar cada pessoa que passava. Demonstrava muita alegria e cordialidade. Talvez tivesse sido companheiro de algum carroceiro, talvez não, seu passado só a ele pertenceu.
 
Bem, coloquei-o no meu carro e parei no primeiro pet shop que encontrei,  encomendando um belo e necessário banho. Em seguida levei-o para o pequeno apartamento onde então morava, e que já abrigava o Zóio, outro cãozinho recolhido.

Logo que foram apresentados, eles demonstraram total competição entre si, muitos rosnados e tentativas de agressão. Instalei-os separados: um na cozinha, outro na área de serviço.

Passeava com eles separadamente, fazia contatos com um de cada vez.
A primeira atividade de que participaram juntos foi a cirurgia de castração, que marquei para os dois no mesmo dia, um em seguida do outro. Voltaram juntos para casa, fizeram juntos a recuperação e tornaram-se amigos a partir de então.
 
imagem da plaquinha que foi colocada sobre o local onde o cão foi enterradoDepois de alguns anos o Zóio ficou livre, voltou para o céu e o Zeca demonstrou sentir sua falta.
 
Anos foram passando, veio o Lobo, veio a Brida, cadela já com 12 anos; ambos viveram conosco suas histórias de vida e cada um foi para o céu quando chegou sua hora de ir.
 
Ontem chegou a hora de o Zequinha ficar livre. Estava com 16 ou 17 anos aproximadamente.

Durante os últimos meses ele teve seus movimentos bastante limitados. No último mês, só podia ficar deitado, sempre na mesma posição, aparentemente muito desconfortável. Teve que aprender a fazer suas necessidades deitado na cama, sobre o tapetinho higiênico e fraldas de humanos abertas, para conter o fluxo e não ficar molhado por baixo de seu corpo. Sentia muitas dores ao ser levantado para higiene. No final sofria também com escaras, que tentamos minimizar colocando sob ele um colchãozinho de gel feito para humanos.
 
Ele recebia tratamentos de homeopatia, alopatia, medicina chinesa, acupuntura, radiestesia, florais, reiki, enfim tudo que podíamos oferecer para lhe dar algum conforto.
 
Desde o início de sua fase terminal, eu tinha me proposto a não utilizar o recurso da eutanásia. Acreditando que a eutanásia em geral é praticada porque nós, humanos, não aguentamos presenciar a dor do outro, tinha o propósito de aguentar firme.  Fiquei com ele nas últimas 30 noites, dormindo num colchonete ao seu lado, atendendo às suas necessidades práticas e às de amor, que eram uma só, mas que também tinham momentos exclusivos. Pude expressar o meu amor e evoluir nisso.
 
No dia 8 de agosto, o sábado de um fim de semana energeticamente especial, ele passou o período diurno excepcionalmente tranquilo e pareceu descansar melhor. A partir do final da tarde, porém, demonstrou ter muitas e fortes dores, que remédio algum conseguiu atenuar. Assim passamos mais uma das várias madrugadas, só que desta vez, pela primeira vez, percebi  nele um outro pedido de ajuda, já que não havia mais medicamento que pudesse lhe devolver algum conforto. Percebi em seus olhos muito abertos pela dor o apelo de que não queria mais sofrer. E tive certeza. Prometi que ele não passaria mais um dia naquele sofrimento.
 
Durante a madrugada fiquei bastante conectada com o alto, grata pela clareza e pela oportunidade de amar e me dedicar aos animais, em especial aos que convivem comigo, e naquele momento em especial ao Zeca. Num desses momentos me veio uma cançãozinha inspirada, muito singela, que comecei a cantar baixinho, sentindo que fazia bem para mim e para meus companheiros. O tema dizia respeito a amar com a pureza do coração.
 
Dessa forma, juntos esperamos chegar as 7 horas da manhã de domingo para ligar à veterinária homeopata Ana Regina, que durante 10 anos atendeu Zeca com todo carinho, dedicação e competência. Ela aceitou abrir o consultório e nos receber. Liguei para o taxista Oduvaldo, amigo dos animais e nosso amigo, que concordou em nos levar até São Caetano, onde fica o consultório; liguei para o seu Zé, zelador do antigo prédio com quem sempre contei para preparar o local de enterrar meus animais, que concordou em vir no final da tarde daquele domingo.
 
Enquanto aguardávamos, cuidei também dos outros 2 cães, o Boi e a Melina, que esperavam pelo seu curto passeio matinal; e dos 3 gatinhos Lili, Dengo e Mimi, que aguardavam os cuidados de praxe. Isso sempre cantando baixinho a cançãozinha inspirada.
 
Durante o percurso para o consultório, Zeca foi deitado ao meu lado em sua caminha, com conforto, e fui cantando baixinho para ele.

Depois fiquei com ele durante o procedimento, tocando seu peito. Quando terminou, ele já relaxado, a veterinária colocou-o na posição natural em que há meses ele não podia ficar, aquela posição enroladinha, que os cães em geral ficam para dormir. Foi uma alegria vê-lo novamente naquela posição. Foi assim que fechamos a caminha macia em torno dele, envolvendo-a com sua mantinha preferida. Dessa forma ele foi mais tarde enterrado, voltando para o espaço onde sempre ficou.
 
Senti e sinto muita harmonia e gratidão em todo o processo. Gratidão também pela confirmação de que quando fazemos o nosso melhor verdadeiro, aquilo que tem que ser vem também da melhor forma para nós.

Sinto-me agraciada com uma mudança de paradigma, que agradeço profundamente ao Zeca e ao meu ser interior.
 
Agradeço ao Boi pela companhia solidária e à Melina por sua contagiante serenidade frente a qualquer coisa que não seja comestível.
 
Minha gratidão a todas as pessoas que cuidaram de alguma forma do Zeca direta ou indiretamente, a aquelas que se propuseram a cuidar, às que torceram por ele, que enviaram mensagens de solidariedade durante sua enfermidade, que pensaram nele. Pessoas amigas, conhecidas, desconhecidas, visíveis, invisíveis, obrigada!

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