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José do Patrocínio, o abolicionista

1 de julho de 2009
4 min. de leitura
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Um dos vultos mais importantes do século XIX, no Brasil, foi José do Patrocínio, que dedicou sua vida em prol da causa da libertação. Abolicionista, não se conformava em ver seus irmãos de pele sendo tratados como objetos de propriedade, vítimas de violência e humilhação. Daí o seu ardor político, como jornalista, como orador e depois como vereador, atividades estas que desempenhou em prol de seus ideais libertários. Importa dizer que, depois de proclamada a libertação dos escravos, Patrocínio ainda escreveu sobre uma cena deprimente que presenciara no Rio de Janeiro, o brutal espancamento de um animal utilizado em serviço de tração, demonstrando com isso que a causa abolicionista é uma questão ética e não deve ter fronteiras.
 
José do Patrocínio nasceu em Campos dos Goitacazes, Rio de Janeiro, em 9 de outubro de 1854. Naquele tempo, época da monarquia, o Brasil ainda vivia sob o sistema escravocrata.  Ao chegar à capital para trabalhar como aprendiz de farmacêutico, o jovem Patrocínio passa a testemunhar, no dia a dia,  a cruel realidade da escravidão. Anos depois, já formado em farmácia, ingressa na Gazeta de Notícias, onde escreve folhetins sob o pseudônimo “Prudhomme”. A partir daí, 1879, que se lança de corpo e alma à campanha pela libertação dos escravos.   

A causa abolicionista torna-se, paulatinamente, a razão de sua vida. Afora o ofício de jornalista, Patrocínio desenvolve a técnica da oratória e, demonstrando grande habilidade com a palavra, começa a propagar seus ideais pelo Rio de Janeiro. Passa a escrever também na Gazeta da Tarde e na Revista Ilustrada, de modo a difundir ainda mais as sementes da liberdade.  Em 9 de julho de 1880 foi fundada a Sociedade Brasileira contra a Escravidão, sendo que três anos depois instala-se no Rio de Janeiro a Confederação Abolicionista, cujo expoente máximo é José do Patrocínio.

Foi assim que a atividade política fez com que ele se tornasse uma das vozes mais eloquentes pela abolição da escravatura, contando com o apoio e a amizade de personalidades como Rui Barbosa, Quintino Bocaiuva, Joaquim Nabuco, Prudente de Morais, Campos Sales, dentre outros republicanos célebres. Eleito para a Câmara Municipal em 1886, José do Patrocínio conquista o apoio popular para a causa da libertação, tanto que o denominaram “Apóstolo Negro” e “Tigre da Abolição”.  Até que, finalmente, no dia 13 de maio de 1888, a Princesa Isabel assina o decreto n. 3.353, conhecido com a “Lei Áurea”, cujo texto proclama:

 Art. 1º – É declarada extinta a escravidão no Brasil.
 Art. 2º – Revogam-se as disposições em contrário.

Depois, já nos primeiros anos da República, uma insidiosa doença – hemoptise – instala-se no corpo do nosso paladino da liberdade, minando-lhe as forças. Nessa época José do Patrocínio assinava uma coluna no jornal A Notícia, sob o pseudônimo de Justino Monteiro. Depois de presenciar uma cena deprimente em que um homem espancava seu animal de carga, Patrocínio decide escrever sobre isso. Foi o seu último artigo, incompleto, publicado no dia 30 de janeiro de 1905.  Ele não concluiu o texto porque, vencido pela moléstia, passou a verter sangue e, no mesmo dia, faleceu.   

Vale lembrar as últimas linhas escritas pelo patrono da libertação, um texto favorável à causa dos animais escravizados:

“Eu tenho pelos animais um respeito egípcio. Penso que eles têm alma. Ainda que rudimentar, e que eles sofrem conscientemente as revoltas contra a injustiça humana. Já vi um burro suspirar como um justo depois de brutalmente esbordoado por um carroceiro que atestara o carro com carga para uma quadriga e queria que o mísero animal o arrancasse do atoleiro.”

Coube ao escritor Osvaldo Orico interpretar, com ímpar maestria, o significado daquela página inacabada, cuja mensagem final estava toda ela direcionada em prol dos animais escravizados:

“Realmente, essas onze linhas, em que todos os seus contemporâneos assinalaram a sombra de uma imagem, que lhe deu a violência criadora de todos os surtos – a Piedade – essas onze linhas escritas em defesa dos animais representam, de fato, o último alento da vida intelectual – o traço de harmonia entre aquele que viveu falando em favor dos humildes e, escrevendo em favor dos humildes, veio a morrer. A Piedade foi o sinal de seu gênio.”

O poeta Olavo Bilac, na Academia Brasileira de Letras, também proferiu palavras admiráveis em homenagem à memória de José do Patrocínio:

“O espírito do Redentor, ao despedir-se da existência, desenvolvia e apurava a sua capacidade de amar. Já não era somente o amor de uma faculdade. Já não era somente o amor de uma raça infeliz, que lhe enchia o coração, nem o amor somente de todos os homens: era o amor da Vida, amor de tudo quanto vibra e sente, de tudo quanto rasteja e voa, de tudo quando nasce e morre: ‘Eu tenho pelos animais um respeito egípcio; creio que eles têm uma alma!…”

 Não teria sido em vão, portanto, o seu apelo definitivo em favor da liberdade, porque esse apelo não se dirigia apenas a homens escravizados pelos homens, mas também em favor de animais explorados pelo homem. Dor é dor, independentemente de quem a sente. José do Patrocínio, como poucos, conseguiu enxergar essa verdade e abraçar uma causa universal. Que a sua lição de vida possa inspirar as novas gerações.

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