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O olhar ferino e nossa pobreza

11 de junho de 2009
2 min. de leitura
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Já passei muitas vezes em frente a circos com animais expostos. Presos em jaulas, andando de um lado para o outro e sendo alimentados ou tratados ali mesmo naquela condição.

Já visitei abrigo para cães e não pude disfarçar o “nó” na garganta de ver tanta carência, tanta vontade de ser acolhido.

Já desisti de “vaga para estágio na neurobiologia”, pois no dia da entrevista passei pelo corredor das jaulas de roedores e na metade do caminho achei que não deveria trabalhar com aquilo.

Já presenciei o cavalo que leva o peso absurdo, machucado e sangrando, com a pata quebrada, e mesmo assim tendo que andar. E as leis que poderiam dar-lhes liberdade aqui na capital estão cada vez mais envolvidas em burocracias.

Ver animais em cativeiro lembra-me sempre a nossa condição de ignorância, nossa condição de iniciantes num mundo antigo e habitado por belas criaturas. Essa lembrança se reflete nos olhos dos bichos, impassíveis, tristes ou raivosos. Selvagens ou não.

Semelhante aos nossos olhares diante das coisas, secos e agudos como são os golpes da vida. Esses olhares me cortam por dentro, pois sei que são encontros, raros, nem todos podem sentir certas coisas e o mundo é atarefado demais para essas sutilezas.

Para suportar certas coisas no mundo, a sordidez, o descaso, a indiferença dos outros a coisas que ferem e que são denúncias em si mesmas, é preciso ter qualidades superiores às de certas pedras. A dureza do tempo as faz transparentes, translúcidas e livres em si. E somente assim para suportar as formas aculeadas, as dores que são imensas e profundas.

Ser duro, mas não ser bruto ou idiota. Pois o mundo está cheio de brutalidade ou de emoções exageradas que, num extremo ou em outro, não levam a nada.  A hipocrisia de um mundo que aprisiona a beleza e a mata todos os dias.

Os animais sempre serão o espelho onde vemos a nossa pobreza, a nossa inferioridade pois a humanidade se julga tão especial mas é tirana e cruel com toda a forma de vida. É medíocre e cruel com seu semelhante. E isto nós veremos sempre em cada ser que passar pelo nosso caminho. Cada fato inacreditável envolvendo um animal, ou milhões deles, serve-nos como o termômetro para sentir como está a moralidade humana, como ainda estamos longe de qualquer coisa que possamos almejar.

Estes bichos, pobres escravos de sua beleza, de sua condição, ou dos rótulos que receberam do Homo sapiens, são vitrines da nossa ignorância como tantos outros escravos o foram em tempos atrás.

Espelham a beleza da vida, significam a natureza mais do que a paisagem, e talvez provoque um suspiro discreto ou uma dúvida no coração de alguns, para a liberdade.

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