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Em relação aos animais, todos nós ainda somos autistas

10 de maio de 2009
4 min. de leitura
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Tentativas de se tentar ‘entender’ os animais apenas de um ponto de vista sempre resultaram em equívocos cada vez maiores que, como uma bola de neve, vão invertendo a ordem das coisas. Sabemos que os mamíferos são um grupo imenso de seres com grande capacidade de inteligência e sentimentos, aí estamos ao lado dos outros primatas, como prova disso. Mas alguns pesquisadores, com pouco embasamento científico, conseguem reduzir essa complexidade ao fazer comparações no mínimo estranhas.

É o caso de Temple Grandin, que com suas teorias cria meios mais eficientes de abate de animais. Podemos enganar os animais, assim como podemos enganar uma criança, um idoso e até uma pessoa que se julga esperta. Mas daí a reduzir a inteligência e o modo de sentir dos animais ao fato de eles se adaptarem a esses modernos métodos de abate é inaceitável, da mesma forma que a inteligência da espécie humana não é medida pelas ‘armadilhas’ que pegam os ingênuos de nossa espécie.

Seu trabalho pode nos dar excelentes insights sobre o autismo na espécie humana e pode ser um exemplo muito bonito de como uma mulher, com um leve estado de autismo, consegue ser uma brilhante pesquisadora como qualquer pessoa comum. E isto é admirável.

Mas, ao comparar a inteligência dos mamíferos (um grupo muito grande com muitas diferenças entre espécies e graus de complexidade) com o modo de ser autista, ela nos coloca numa situação bem comum na humanidade. A mania que temos de falar de nós mesmos. Analisar a experiência de outras espécies pelo nosso próprio filtro, um tanto turvado, pelo orgulho humano de querer ser superior às demais espécies.

Os animais podem ser mais apegados ao momento presente e também extremamente sensíveis – características da condição autista – mas isto são apenas alguns fatores da experiência animal. Não é a sua totalidade.

“Animais e autistas pensam de um jeito parecido”, diz a pesquisadora. Na verdade, os animais têm realmente modos de pensar que podem ser, em um primeiro momento, semelhantes ao do autista, mas já existem diversas pesquisas que mostram que a mente animal é muito mais complexa do que o caso do autista. Sidarta Ribeiro, neurocientista brasileiro, já dizia que a visão de Temple Grandin é bastante simplista e ainda precisa de evidências mais sólidas.

Ela afirma que animais não possuem relações de amor e ódio com alguém: se o seu cão te ama, ele te ama e pronto. Será mesmo? Pesquisas feitas com cães, porcos e até ratos já demonstraram que eles têm uma forma de sentir muito semelhante à humana. Com demonstrações de rancor, ciúme e outros refinados sentimentos que todos os humanos possuem. Macacos possuem capacidade para abstração, o que é algo bem peculiar e bem diferente do simples: ‘ama e pronto!’.

Também não confere que animais tenham uma percepção mais amena da dor física. Em muitos casos, a sua percepção da dor pode até ser muito mais intensa que a nossa, já que ele não tem muitas vezes a ponderação que nós fizemos sobre o que pode estar acontecendo. Não ponderar sobre os fatos entretanto não significa ser semelhante à condição autista, que é bastante peculiar à nossa espécie.

Até porque, imaginemos as condições de vida desses animais, será perfeitamente aceitável que sua percepção se turve constantemente. Não estão em seu meio natural e são continuamente manejados. Isto não é, de modo algum, condição de vida para que sua sensibilidade se desenvolva.

E matadouros não são locais adequados para nos dar uma ideia sobre como se sentem os animais. Suas pesquisas são realmente muito práticas para quem está interessado no manejo mais lucrativo e menos dispendioso, pois talvez a estrutura do matadouro possa render mais ‘tranquilidade’, mas apenas para quem lá trabalha, não para os animais.

E para quem, com suas pesquisas ou com sua conivência, viabiliza a morte de bilhões de seres sencientes a cada hora e a cada dia, uma frase do meu escritor preferido, Ezio Flávio Bazzo:

“O esquecimento é o máximo para o criminoso: ao mesmo tempo em que o isenta de todo e qualquer remorso, ainda lhe mantém abertas as portas da transgressão. Sem querer ser demasiadamente vingativo, não estaria correto aquele pensamento de Shakespeare quando afirma que ‘a clemência mata quando ela perdoa os matadores’?”

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