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Poetas pelos animais

23 de abril de 2009
4 min. de leitura
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Costuma-se dizer que a arte imita a vida. Ou, então, que a vida imita a arte. Controvérsias à parte, o fato é que os poetas transitam etéreos, entre a arte e a vida, buscando na fonte de seus sentimentos mais profundos as palavras que lhes habitam a alma. Neste artigo são apresentados versos de poetas brasileiros – alguns mais, outros menos conhecidos – que lograram tocar, com singular sensibilidade, em temas significativos à causa animal.

O pernambucano Odilon Nestor (1875-1939) transmitiu no soneto “O Boi” toda a dor dos bovinos submetidos ao jugo humano, demonstrando sua compaixão para com eles:

Amo-te, oh! Boi piedoso! Um sentimento
De vigor e de paz tu me forneces.
Grave e solene, como um monumento,
Olhando os campos de douradas messes.

Preso à canga, não soltas um lamento.
Mas ao homem na lida favoreces.
Ele fala e te punge, e tu com o lento
Volver dos olhos mansos lhes obedeces.

Nessa larga narina, úmida e escura,
Bafeja o teu espírito, e ridente,
Como um hino, o mugido no ar se perde.

E em teu olhar de límpida doçura,
Calmo, se espelha majestosamente,
Dos verdes campos o silêncio verde.

Já o poeta riograndense Apolinário Porto Alegre (1844-1904) compôs “Na sepultura de um cão”, uma tocante homenagem a seu animal morto, conforme se pode verificar do excerto abaixo transcrito:

Cupim, meu pobre cão, meu fido Acates,
Da vida nos aspérrimos embates
Sempre te tive ao lado, sempre amigo:
Hoje repousas em feral jazigo
À sombra da magnífica palmeira
Que te adora a morada derradeira
Leve, passando, a brisa à soledade
O acento intraduzível da saudade.

Outro poeta de Rio Grande, Bernardo Taveira Júnior (1836-1892), deixou consignada sua indignação ao descaso dos homens para com os animais em “O cavalo moribundo”:

Ei-lo! o pobre animal com a pele nos ossos
Estirado no chão e sem alento!
Nesse leito em que jaz do seu tormento
Ofega a estrebuchar, e geme, anseia!…
Respira, vive ainda, e já, faminto,
Fareja o corvo a presa, e se recreia!

E eu vi assim penando esse cavalo,
Que ao senhor já servira longos anos…
Ai! Certo eu não o vira, se tiranos
Tantos homens na terra não vivessem,
Que valor dão somente aos servidores
Enquanto um pingue adubo ao lucro oferecem.

Quem do enfermo animal não tem piedade,
Jamais, jamais sentiu no brônzeo peito
De uma afeição o doce efeito;
Jamais, na caridade enobrecido,
Ao encarar os quadros da desgraça
Sequer uma só lágrima há vertido!

Dos ares do Recife sopram os versos de Manuel Bandeira (1886-1968), seu olhar atento sobre bois, andorinhas, passarinhos e aranhas:

Boi morto, boi morto, boi morto
Boi morto, boi descomedido
Morto, sem forma ou sentido
Ou significado. O que foi
Ninguém sabe. Agora é boi morto.

Andorinha lá fora está dizendo:
– passei o dia à toa, à toa.
Andorinha, andorinha, minha cantiga é mais triste:
– passei a vida à toa, à toa…

Minha grande ternura
Pelos passarinhos mortos,
Pelas pequeninas aranhas…

E, para finalizar, a engenhosa arquitetura poética do nosso saudoso José Paulo Paes (1926-1998):

BORBOLETA
Mal saíra do casulo
Para mostrar ao sol
O esplendor de suas asas
Um pé distraído a pisou
(a visão da beleza
dura só um instante
inesquecível)

MINHOCA
A minhoca cavoca que cavoca
Ouvira falar da grande luz, o Sol
Mas quando põe a cabeça de fora,
A Mão a segura e enfia no anzol.

BALADILHA
Morre o boi
quando chega ao fim
a paciência/ bovina
de marcar o capim
de puxar o carro
de servir ao homem
que o mata e come.

Morre o cão
no meio da rua
Sob a luz da lua
a que tanto uivou
Guardou finalmente
o celeiro do homem
mas morreu de fome.

Morre o pássaro
dentro da gaiola
quando é noite e o canto
já não o consola
Pela última vez

canta para o homem
Que, embora livre, dorme…

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