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Por que somos contra os “modelos animais”

23 de janeiro de 2009
Paula Brügger
4 min. de leitura
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Resultados pífios e perigos potenciais

Além de injustificável sob o ponto de vista ético – uma vez que submete seres sencientes ao sofrimento físico e psicológico –, a vivissecção é uma prática que falha em pelo menos um critério fundamental para que seja considerada verdadeiramente científica: predictabilidade. No que diz respeito a medicamentos, por exemplo, apesar da enorme quantidade de cobaias mortas para supostamente assegurar a eficácia e testar os efeitos colaterais de novas drogas, apenas 1% dos novos medicamentos testados em laboratórios vai para o estágio clínico. Dos que chegam ao mercado, muitos apresentam efeitos colaterais e riscos não previstos. Segundo uma pesquisa realizada pelo governo americano acerca de drogas lançadas entre 1976 e 1985, 51,5% delas ofereciam riscos não previstos nos testes. A cada ano, dezenas de milhares de pessoas adoecem devido ao uso de fármacos legalmente vendidos. Os efeitos colaterais de drogas prescritas são uma das maiores causas de mortes no Ocidente (as primeiras são: câncer, doenças do coração e acidentes vasculares cerebrais). Diversos autores citam longas listas de medicamentos retirados do mercado, na Grã-Bretanha e EUA, por conta dos seus gravíssimos efeitos colaterais (que incluem morte) e destacam que tais listas representam uma pequena parte da calamidade total, já que muitos problemas sequer foram relatados.

E por que razão isso acontece?

Porque os dados provenientes de testes com animais não-humanos não são confiáveis. O modelo animal é falho porque existem diferenças, entre nós e eles, na anatomia, na fisiologia, nas interações ambientais, nos tipos de alimentos ingeridos etc., que resultam na não-correspondência na absorção, distribuição e metabolismo de substâncias. Ademais, as condições de laboratório são mais controladas do que na vida humana e as doses administradas aos animais podem ser muito maiores do que as prescritas aos humanos, em termos de peso corporal. Portanto, fora o fato de que as vias de inoculação de diferentes substâncias – se oral, anal, peritoneal, vaginal etc. – podem exercer uma grande influência sobre o resultado dos testes, a dosagem pode ser também um fator crucial. No caso de dosagens muito elevadas, para avaliar efeitos tóxicos de substâncias, isso pode falsificar os resultados de duas maneiras: pode envenenar as células e tecidos tão severamente, a ponto de prevenir uma resposta carcinogênica, ou pode sobrecarregar, ou mudar, os processos metabólicos e causar uma resposta carcinogênica que não ocorreria. Animais de laboratório são também, em geral, menores do que os humanos e com isso têm um metabolismo muito mais intenso. Isso pode impedir que os efeitos tóxicos apareçam, pois as toxinas são eliminadas mais rapidamente.

Diferenças entre nós e os animais não humanos

Apesar de os vivisseccionistas afirmarem que ratos e camundongos se constituem em bons modelos para estudar doenças e outros males que acometem os humanos, há expressivas diferenças entre nós e eles. Ratos respiram obrigatoriamente pelo nariz, o que pode alterar a forma de entrada de uma substância pela corrente sanguínea; sua placenta é consideravelmente mais porosa; devido a diferenças na distribuição da microflora intestinal, eles são muito mais propensos a metabolizar um composto administrado oralmente em um metabólito ativo, ou tóxico; a secreção de ácido no interior do estômago deles é contínua, enquanto no dos humanos ela ocorre apenas em resposta à presença de alimentos, ou outros estímulos. Os ratos são, ainda, animais de hábito noturno, suscetíveis a doenças diferentes das nossas, têm requerimentos nutricionais também diferentes e são incapazes de vomitar.

Todas essas peculiaridades afetam a absorção, a farmacocinética e o metabolismo de compostos, ou causam reações inesperadas com relação a um composto. Embora haja muitas características comuns entre nós e os outros animais, diferenças microscópicas entre as nossas células e as deles podem levar a erros grosseiros. Todas as espécies – plantas e animais – seguem o mesmo design: são formadas pelas mesmas unidades de DNA (A,T,C,G) que são juntadas no mesmo processo. Mas, enquanto o material genético é o mesmo, a composição, os arranjos são diferentes. Isso faz toda a diferença. Por exemplo, uma única diferença em um aminoácido, entre primatas humanos e não-humanos, faz com que o HIV não se acople ao mesmo receptor celular em primatas não-humanos. Essa é a dialética da natureza. Assim, o elevado grau de correspondência genética que há entre nós e tais modelos (como primatas e roedores) só faz sentido, em termos de confiabilidade, dentro de uma visão reducionista de ciência. Os animais não-humanos não podem ser considerados como “modelos analógicos causais” porque pequenas diferenças no nível celular, como prega a Teoria da Evolução, invalidam as extrapolações entre as espécies.

Por um novo paradigma

Urge que façamos uma reflexão criteriosa acerca da manutenção dessa prática especista. Não é razoável afirmar não ser possível prescindir dos modelos animais quando não há investimento sistemático (nem em educação, nem em pesquisa) no uso de alternativas, sejam elas técnicas substitutivas ou alternativas no sentido lato (como bancos de dados clínicos, epidemiológicos e outras fontes de informação). Finalmente, as críticas aos modelos animais fazem parte de uma crítica maior que diz respeito às visões de saúde e doença presentes na medicina que se tornou hegemônica, baseada na intervenção e não na prevenção. Tal visão faz parte de um paradigma que privilegia as soluções “fármaco” e “tecno”-lógicas, como de resto é a ótica dominante em nossa cultura (exemplo emblemático é o tratamento/cura proposto para as “mudanças climáticas” ora em curso).

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